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Music business and legal affairs

A pessoa artista vinculada a música, profissional ou amadoramente, que anseia e respira música, comumente tem nela a sua plenitude de ser enquanto profundo modo de vida.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Atualizado em 24 de fevereiro de 2023 09:31

Uma constante que perpassa vários períodos da história da humanidade1, com infindáveis variedades de gênero e estilo (e de sons, timbres, ritmos...), da mais ampla liberdade de expressão à manipulação mais sórdida e submissa dos censores, a música é uma arte; à sua maneira romântica, moderna, filosófica, lógica etc.2

A pessoa artista vinculada a música, profissional ou amadoramente - bem como as diversas categorias de profissionais que integram o contexto musical enquanto práxis artística e enquanto mercado stricto sensu (se bem que as duas facetas se interdependem, desde que uma não canibalize a outra; enquanto que há quem ache que são água e óleo) - que anseia e respira música, comumente tem nela a sua plenitude de ser, enquanto profundo modo de vida3. E não é à toa que tem quem assevere que "não há nada tão incrível quanto poder viver [to make a living] de música"4.

A propósito das questões mercadológicas/industriais5, dentre as múltiplas funções/categorias destaca-se, também, a desempenhada pelo business and legal affairs6 (ou dito também legal and business affairs) em relação ao setor musical. O advogado norte-americano Donald Passman, em seu elucidativo livro sobre music business, relata que:

"Esses executivos são responsáveis pelos contratos da companhia [i. e., da gravadora, da editora, da agregadora, da distribuidora, das plataformas etc. - observação minha], não só com artistas, mas também com provedores de serviços digitais [digital services providers - DSPs], licenciados estrangeiros etc. O pessoal de business affairs negocia os acordos [deals] e, em conjunto a outros executivos, tomam as decisões sobre o que dispor/ofertar ou não [what to give and what to hold]. O departamento jurídico presta aconselhamento e elabora os contratos [como também toma conta dos litígios, internamente ou por meio de escritórios de advocacia contratados - observação minha]. Devido a cortes na indústria, business affairs e legal agora são quase sempre as mesmas pessoas."7

Ou seja, em se tratando de estrutura corporativa8, "os departamentos de business and legal affairs relacionam-se [liases with] com a direção-geral, os departamentos de A&R e marketing na intermediação de [on behalf of] todos os artistas contratados pela gravadora/editora"9, empregando profissionais "qualificados em música, com amplo conhecimento dos objetivos e práticas contratuais."10

A atuação negocial [transactional] destes executivos é predominante, a servir como um stakeholder chave do interesse comercial do negócio em si [business enabling], assegurando a modulação "pró-empresa" (e "pró-artista", eis que os interesses corporativos de maneira nenhuma podem desprestigiar - infelizmente, é o que muito acontece - as intenções dos verdadeiros interessados na administração de suas criações e/ou colaborações/prestações criativas: o autor, o compositor, o intérprete, o produtor musical, os instrumentistas etc.) de mitigação de riscos atinentes às avenças contratuais [agreements], de naturezas plúrimas.

Um exemplo da atuação fortemente transacional de tal categoria no contexto da música, pelas editoras [publishers] e pelas gravadoras [record labels], majors ou independentes, é a interveniência de seu business and legal affairs11 na "liberação" (licenciamento) de obras musicais12 e fonogramas para a utilização na trilha/sonorização de obras audiovisuais (filmes, programas de televisão, peças publicitárias13 etc.), envolvendo sincronização, preocupações de gestão coletiva e execução pública, de prestações de direito conexo14 e rotinas de clearance a serem zeladas por parte de profissionais jurídicos e music supervisors dos licenciados (estúdios, produtoras, emissoras de televisão etc.):

"O uso de sincronização, anteriormente considerado um fluxo de receita [revenue stream] insignificante para as gravadoras, transformou-se em um faturamento [income] muito importante para editoras e gravadoras. No passado, quando um disco [record] era feito, a principal fonte de renda tanto para a editora quanto para a gravadora eram as vendas no varejo [retail sales]. Hoje isto é muito diferente. [...]. O processo de garantir [securing] os direitos musicais pode ser uma tarefa assustadora. O aspecto mais importante sobre o clearance de música é saber, e verdadeiramente entender, que existem principalmente dois 'direitos autorais' a serem protegidos. Existe a permissão do(s) autor(es) da música, assegurada pela editora; e há a permissão do intérprete ou artista que realizou ou gravou a música, obtida através do proprietário da master - geralmente a gravadora. [...]. O primeiro passo para o clearing da música - o processo de concessão ou obtenção de permissão para usar a música em uma produção - é identificar os detentores dos direitos autorais da música que você deseja usar. Nem sempre é claro quem são, e requer substancial pesquisa para o correto proceder."15

Complementares à menção anterior, vide também os comentários da professora Catherine Radbill:

"Quando uma música gravada anteriormente é usada em conjunto a uma imagem em movimento, necessária se faz a permissão do titular [owner] da composição/obra [composition] subjacente e do titular do fonograma [master recording], se um determinado fonograma é usado. A permissão é concedida no que é conhecido como uma licença de sincronização (synch). Os royalties de sincronização resultam da música usada em produções audiovisuais, como filmes, programas de televisão e comerciais, DVDs ou videogames - em outras palavras, o uso da música em combinação com imagens visuais. Licenças significativas foram emitidas em todo o mundo para uma série de grandes campanhas publicitárias, programas de TV e videogames como forma de alavancar o reconhecimento do artista e aumentar a demanda por vendas de música. Por exemplo, se um diretor de cinema quiser usar a gravação de Stevie Wonder de 'Superstition' de seu álbum de 2002 'The Definitive Collection' em um filme, o diretor deve obter permissão na forma de uma licença de sincronização do detentor dos direitos da composição subjacente e o detentor dos direitos do fonograma. Raramente são a mesma pessoa ou empresa. Em quase todos os casos, haverá uma taxa para licenciar a música. O diretor e os detentores dos direitos negociarão uma taxa para as formas como o diretor deseja usar a música. Isso pode incluir como a música é usada no filme, se é ou não usada em propagandas do filme, exibida em cinemas, na televisão, na internet, em aviões ou outros usos. A duração da licença e os territórios geográficos cobertos pela licença também são negociados."16

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1 Cfr. Teresa Izquierdo Aranda. Historia de la música. Valencia: Tirant lo Blanch, 2019. 

2 Cfr. (i) Nicola Abbagnano. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2001. [verbete música]; (ii) Riccardo Martinelli. Philosophy of Music: a history. Berlim, Boston: De Gruyter, 2019. [tradução de Sarah De Sanctis]

3 Cfr. (i) Rodrigo Kuster/Gabriel Machado/Vitor Durão. Saindo da Garagem: música e business. Sâo Paulo: GEN Atlas/Salta, 2015; (ii) a excelente conversa de Marcelo Castello Branco com o produtor musical Clemente Magalhães ("Marcelo Castello Branco | UBC | Papo com Clê", Youtube, 2022).

4 Loren Weisman. Music Business for Dummies. Nova Jérsei: Wiley, 2015. [ebook] [tradução livre]. 

5 Cfr.: (i) Evgenia Kanellopoulou. Competition Policy and the Music Industries: A Business Model Perspective. Nova Iorque: Taylor & Francis Routledge, 2021; (ii) Gilberto Bercovici. Parecer intitulado "Definição do mercado relevante no setor de música gravada e a impossibilidade de segmentação por gêneros musicais", exarado à Universal Music, disponível publicamente em SEI CADE 0083064.

6 O advogado brasileiro André Schivartche, durante uma palestra nos Estados Unidos ("[BREMIC] Palestra do André Schivartche", Youtube, 2015 [17:50-19:15]) destacou a peculiaridade da presença de tal "categoria" na indústria de mídia em geral. Particularmente, arrisco a dizer que tal expressão "business and legal affairs" adveio dos usos e costumes mercantis praticados pelo macrosetor midiático.

7 All You Need to Know About the Music Business. Nova Iorque: Simon & Schuster, 2015. [ebook] [tradução livre]. O que explica a grande presença de advogadas e advogados exercendo tais funções.

8 Com inspiração fortemente norte-americana, diga-se de passagem.

9 Paul Rutter. The Music Industry Handbook. Nova Iorque: Taylor & Francis Routledge, 2016. [ebook] [tradução livre]

10 Paul Rutter. op. cit. [ebook] [tradução livre]

11 Ou mesmo por outros departamentos, como os nominados de sync/licensing/copyright.

12 "[...] a delimitação do objeto protegido em uma obra musical consiste na separação dos elementos protegíveis daqueles excluídos de proteção. Em relação aos primeiros, nesta tarefa são levados em consideração três aspectos expressivos primários 'essenciais': melodia, harmonia e ritmo. A originalidade pode residir em um ou dois desses aspectos ou em todos eles ao mesmo tempo. Nas composições musicais mais simples, o teste de verificação de originalidade pode ser suficiente. De forma que, sem a necessidade de laudo pericial, esse teste ou prova se baseia na apreciação de um ouvinte musical médio. Naquelas composições mais complexas, com múltiplos temas, a originalidade pode residir justamente na forma de combinar ou sobrepor os temas." (Juan Ignacio Peinado Gracia. Articulo 10 - Obras y títulos originales. In: Felipe Palau Ramírez/Guillermo Palao Moreno. (orgs.). Comentarios a la ley de propiedad intelectual. Valencia: Tirant lo Blanch, 2017.  p. 185 [tradução livre])

13 Cfr., exempli gratia, o caso AREsp 1161233 (STJ).

14 "Os direitos conexos, vizinhos ou afins dos direitos de autor são exclusivos de utilização de prestações dos seus titulares: prestações artísticas dos artistas/intérpretes ou executantes; prestações empresariais dos produtores de fono/videogramas ou dos organismos de radiodifusão, dos editores e dos empresários de espetáculos. [...]. Podemos, então, tentar uma definição compreensiva de direito conexo: o poder exclusivo conferido a um artista de autorizar ou proibir a exploração econômica de toda a fixação formal da sua prestação artística, ou o poder outorgado a um empresário de autorizar ou proibir a exploração econômica dos produtos da sua atividade empresarial que sejam relevantes para a cultura, entretenimento e formação/informação das pessoas." (Alberto de Sá e Mello. Manual de Direito de Autor e Direitos Conexos. Coimbra: Almedina, 2020. p. 460-461)

15 Brooke Wentz/Maryam Battaglia. Music Rights Unveiled: A Filmmaker's Guide to Music Rights and Licensing. Nova Iorque: Taylor & Francis Routledge Focal Press, 2017. [ebook] [tradução livre]

16 Introduction to the Music Industry: An Entrepreneurial Approach. Nova Iorque: Taylor & Francis Routledge, 2016. [ebook] [tradução livre]. Cfr., também, Leandro Armani. "Breves Comentários sobre a Sincronização Musical", 2022. 

Otávio Henrique Baumgarten Arrabal

Otávio Henrique Baumgarten Arrabal

Graduando em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB).

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