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Análise da cláusula de washout nos contratos de compra e venda futura de safra

Isabela Mendes Marqueis e Pedro Duarte Joviliano

O washout é um importante dispositivo previsto nos contratos de compra e venda futura de safra. Apesar de amplamente empregada no agronegócio, é notório o déficit doutrinário relacionado à cláusula.

quinta-feira, 2 de março de 2023

Atualizado às 08:34

Um dos maiores e mais significativos desafios cotidianos enfrentados por ruralistas é o manejo dos riscos decorrentes da intrínseca volatilidade dos preços das commodities, os quais são suscetíveis à influência de diversas intempéries de ordens climáticas, geopolíticas, biológicas, entre outras. Diante dessas incertezas, uma importante solução encontrada por operadores do agronegócio para trazer maior previsibilidade a acordos comerciais entre produtores rurais e tradings foi a elaboração de contratos de compra e venda futura de grãos.

Tais instrumentos negociais são bilaterais e onerosos, permitem que as partes elejam o preço pelo qual as sacas de cada safra futura serão vendidas, assim como as datas nas quais elas serão entregues. Funciona, dessa maneira, como uma forma de driblar a inconstância do preço de commodities, tais como soja, café e milho, trazendo maior conforto para o planejamento dos agentes econômicos contratantes.

A opção pelo estabelecimento de tal contrato, como se pode perceber, é uma gestão de risco que deve considerar os mais variados fatores que possam eventualmente favorecer ou desfavorecer cada uma das partes. Nesse sentido, ganham destaque algumas cláusulas que tornam desvantajoso o descumprimento do instrumento negocial pactuado, tal como a cláusula de washout.

Esse dispositivo contratual tem como principal função proteger a entrega das commodities negociadas, impedindo ou, ao menos, tornando inoportuno que o produtor de grãos redirecione a oferta. A cláusula impõe, nesse sentido, que o vendedor cubra os custos do próprio inadimplemento, ou seja, ele deverá pagar o valor correspondente à diferença do preço estipulado no contrato e o preço de mercado. Logo, vê-se clara a intenção de preservar elos posteriores da cadeia produtiva e honrar os compromissos firmados pela trading.

A cláusula de washout suscitou maior curiosidade entre os juristas diante do pico histórico alcançado pelo preço da saca de soja no ano de 2021. Em face dessa realidade de aumento exponencial do valor da commodity, muitos produtores que já haviam firmado contratos de compra e venda futura de safra se viram prejudicados pela necessidade de arcar com o prejuízo decorrente da discrepância entre o preço acordado no contrato e o novo, ditado pelo mercado. Economicamente, seria mais vantajoso que o vendedor redirecionasse sua produção, violando o contrato. Todavia, a cláusula de washout impediria que ele lucrasse ao fazer isso, tendo em vista a determinação de que a resilição contratual fosse acompanhada do pagamento de valor equivalente ao preço de mercado subtraído pelo inicialmente acordado.

Apesar de amplamente utilizada no direito contratual aplicado ao agronegócio, percebe-se que ainda vige um significativo déficit doutrinário acerca da natureza jurídica da cláusula. Tal debate é, inclusive, de enorme importância para a definição da possibilidade ou não de cumulação da referida indenização com as especificamente previstas para resilição contratual.

De acordo com a vertente jurídica defensora do washout como cláusula penal prevista para o descumprimento do instrumento negocial, seria contrária ao direito a possibilidade de cumulação dessa indenização com outras de mesma natureza. Caso contrário, haveria bis in idem, ou seja, existiriam duas cláusulas de natureza penal voltadas à punição do mesmo fato, a resilição contratual.

Já entre os partidários da possibilidade de cumulação, a cláusula de washout pode ser classificada como um tipo de indenização por perdas e danos ou por dano indireto. Tais vertentes, resumidamente, são pautadas na concepção de que o agronegócio deve ser entendido como uma concatenação de cadeias produtivas, de modo que o descumprimento de uma obrigação por determinado ente econômico afetará a saúde do todo. O washout, portanto, seria uma maneira de impedir que a empresa compradora deixe de honrar com seus compromissos e de, consequentemente, preservar os laços econômicos já firmados.

É possível apontar, à luz de uma análise jurisprudencial, que os tribunais, quando provocados por ações revisionais de contrato que discutem a cláusula de washout, pautam-se em avaliações casuísticas para a determinação da possibilidade ou não de cumulação da indenização por washout com a multa por resilição do contrato. Percebe-se que, tal como qualquer outro negócio jurídico, a interpretação da legalidade da cláusula de washout nos contratos de compra e venda futura de safra encontra-se alicerçada nos princípios da boa-fé objetiva, do equilíbrio econômico entre as partes, da função social dos contratos e de outros parâmetros positivados no art. 113 do Código Civil.

São analisados, dessa maneira, fatores como a própria redação das cláusulas do instrumento negocial, a demonstração de danos indiretos no decurso da ação revisional de contrato e a estipulação ou não de ressalvas concernentes à possibilidade de cumulação com outras indenizações. Por isso, faz-se fundamental o auxílio de advogados experientes no trato de contratos de compra e venda futura de safra e, mais especificamente, na redação da cláusula de washout.

Isabela Mendes Marqueis

Isabela Mendes Marqueis

Sócia Advogada de Brasil Salomão e Matthes Advocacia, com atuação nas áreas de Direito Empresarial, Direito Contratual e Direito Digital.

Pedro Duarte Joviliano

Pedro Duarte Joviliano

Colaborador de Brasil Salomão e Matthes Advocacia, com atuação nas áreas de Direito Empresarial, Direito Contratual e Direito Digital.

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