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Impactos processuais da repercussão geral no STF no processo de contas

[É certo que a repercussão geral revela um efeito multiplicador positivo, seja porque o alcance de tal decisão é aplicável a casos semelhantes, seja porque essa linearidade confere maior segurança e economicidade judicial, cumprindo, assim, a função para a qual o instituto foi criado.

quarta-feira, 8 de março de 2023

Atualizado às 14:55

A Repercussão Geral é um instituto processual do direito brasileiro inserido na Constituição Federal de 1988 por meio da Emenda Constitucional 45/041, a qual, dentre outras questões, permite que a Suprema Corte se concentre nos recursos que envolvam questões de relevância social, política, econômica ou jurídica, com efeitos para toda a coletividade2.

Embora a lei3 tenha apontado os parâmetros da expressão "repercussão geral" é certo que não o fez por completo em toda sua função- diretriz, uma vez que não elencou - exaustivamente - as hipóteses de questões processuais relevantes e seus respectivos desdobramentos, deixando tal incumbência à própria Suprema Corte.

Assim, a preliminar de repercussão geral é analisada pelo Plenário do STF, através de um sistema informatizado, com votação eletrônica. Para ser recusada, são necessários pelo menos 8 votos, caso contrário, o tema é analisado como de repercussão geral.

Sobre a temática, André Ramos Tavares4 elenca 5 tópicos relevantes para tal análise: a) que temática que afete um grande número de pessoas; b) que trate de assuntos importantes ou significativos; c) que tenha um significado geral, socialmente relevante; d) que transcenda os interesses das partes envolvidas; e) que repercuta sobre o ordenamento jurídico e político; f) que sejam causas que envolvam aspectos econômicos de monta ou cujo tema seja alvo de decisões divergente em diversas instâncias. 

Uma vez reconhecida a repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal, e tendo seu mérito definido, fixa-se uma tese jurídica que deve ser observada pelos demais tribunais e juízes de todo o país. Assim, para além da uniformização da interpretação constitucional, o instituto constitui verdadeiro filtro que garante, ao mesmo tempo, maior racionalização da máquina judiciária e efetividade do direito a um processo justo5, como também maior segurança jurídica para o julgamento de questões análogas.

Posto isso, de acordo com o art. 1.035, § 5º do Código de Processo Civil, "reconhecida a repercussão geral, o Relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos que versem sobre a questão e tramitem no território nacional". Tal suspensão se dará até o julgamento de mérito do recurso, que deve ser julgado no prazo de até um ano6.

Por seu turno, a projeção do alcance externo (para além da esfera judicial) da tese jurídica submetida ao simples processamento pela sistemática da repercussão geral no STF para a esfera controladora passa pela necessária observância do princípio da independência das instâncias, uma vez que não se vincula, de modo automático, a regular competência do controle externo também fixada pelo texto Constitucional de 1988. Cabe, portanto, aos Tribunais de Contas exercer juízo de conveniência e oportunidade quanto ao potencial sobrestamento de seus processos.

Em completa coerência com tal postulado, o Tribunal de Contas da União - TCU fixou por meio do Acórdão 1115/17 - Primeira Câmara  que:

"(...) a mera existência de recurso extraordinário no STF, com repercussão geral reconhecida, pendente de apreciação, não obriga o sobrestamento de processos no âmbito do TCU, em respeito ao princípio da independência de instâncias. Compete ao TCU exercer juízo de conveniência e oportunidade quanto ao sobrestamento de seus processos.

Desse dinamismo infere-se que os processos de controle externo em trâmite nos Tribunais de Contas resguardam a autonomia de cada um dos seus relatores para decidirem a respeito do respectivo sobrestamento até o julgamento definitivo pelo Supremo Tribunal Federal acerca da correta interpretação da tese a ser fixada em repercussão geral. Logo, pode-se concluir que a afetação do tema e o seu respectivo julgamento de mérito implicam consequências distintas para os processos de controle externo.

Acerca da afetação, tanto o TCU7 como o TCE-PR8, já tiveram a oportunidade de se pronunciar acerca do alcance da regra contida no art. 1.035, § 5°, do CPC9 propugnado a não suspensão dos processos no âmbito do controle externo até a posição meritória do Supremo ser fixada.

Desse processo de interação, surge também a necessidade de se buscar um detalhamento do referido diálogo entre o sistema decisório do controle externo e a posição meritória do STF fixada em sede de repercussão geral. A partir disso, indaga-se: Qual atitude processual os Tribunais de Contas adotam quando o mérito da repercussão é efetivamente julgado?

Regra geral, visualizam-se situações tanto de consonância, neutralidade e eventualmente divergência com o STF.  Em observância à tese fixada, os Tribunais de Contas podem adotar como ratio decidendi a tese fixada em Repercussão Geral reconhecendo não haver impeditivos infralegais para sua adoção na esfera controladora.

Por exemplo, na explicação meritória do processo de Consulta (Acórdão 4529/17 - TCE/PR - Tribunal Pleno), de relatoria do Conselheiro Ivens Zschoerper Linhares, fixou-se que estabelecida a legalidade do pagamento de 13° subsídios a Prefeitos, Vice-Prefeitos e Vereadores mediante a Tese de RG 484 pelo STF, caberia ao TCE-PR acolhendo a referida tese, fixar os contornos legais para a sua instituição.

Outra possibilidade refere-se à própria formação  de convicção de legalidade do ato administrativo pelo Tribunal de Contas decorrer de fundamento diverso que não a tese fixada em RG (Acórdão 1618/22-TCU-Plenário), implicando, assim, em uma espécie de juízo de neutralidade ante a posição meritória do STF.

Noutro giro, há situações de nítida divergência, afastando-se a tese fixada pelo STF, mediante explicitação do campo diverso de incidência-fática do caso concreto e/ou de superação/distinção do precedente então fixado (Acórdão 932/22- TCE/PR - Primeira Câmara e do Acordão 307/22 - TCE/PR - Plenário).

Referindo-se à aplicação no tempo (efeitos temporais e respectiva modulação) vale destacar que houve muitos casos de aplicação retroativa clássica (aplicação da decisão aos fatos ocorridos antes da formação do novo precedente, exceto os que já transitaram em julgado). Nesse sentido, já houve manifestação do TCU (Acórdão 8596/21 - TCU - Primeira Câmara) explicitando que:

"A tese fixada pelo STF sobre registro tácito de atos de pessoal (RE 636.553 - Tema 445 da Repercussão Geral) tem aplicação imediata e efeitos retroativos (ex tunc), de modo a incidir sobre processos que tenham atingido o limite de cinco anos, contados de sua entrada no TCU, sem apreciação definitiva, mesmo antes da publicação da tese pelo Supremo."

Como também, já houve a própria importação do contorno da modulação dada pelo STF sem adaptação a jurisdição administrativa10.

A partir de outra perspectiva, o tempo também se relaciona com os efeitos de um eventual corte rescisório nos processos de contas, uma vez que, como afirmado anteriormente, o pronunciamento em sede de repercussão geral não é fundamento suficiente para, isoladamente, ensejar o ajuizamento da ação rescisória, único instrumento hábil a desconstituir a coisa julgada (Acórdão 7186/17 - TCU - Segunda Câmara).

A situação pode se revelar diversa quando o STF vier a se manifestar pela aplicação dos Temas 88111 e 88512 recém definidos para outras relações jurídicas, de trato sucessivo, para além da esfera tributária, o que por hora não aconteceu, podendo abranger outras relações de direito privado ou público.

A par do pontuado, é certo que a Repercussão Geral revela um efeito multiplicador positivo, seja porque o alcance de tal decisão é aplicável a casos semelhantes, seja porque essa linearidade confere maior segurança e economicidade judicial, cumprindo, assim, a função para a qual o instituto foi criado.

Lado outro, essa mesma situação, quando analisada sob a ótica do controle externo denota, também, um influxo que permite exercer certo espaço de conformação decisória próprio do controle externo, sob o aspecto processual, revelando distintos efeitos, mas sempre em conexão com a posição meritória fixada pelo STF, salvo situações jurídicas de superação/distinção, preservando-se assim a unidade do sistema decisório constitucional sobre os temas de alta relevância e transcendência jurídica nacionais que tangenciam também a jurisdição a cargo dos Tribunais de Contas.

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1 Disponível em: Acesso em 20/02/2023. 

2 Art. 102, inciso III, § 3º: 'No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros."

3 Lei n.º 11.418/2006 - Acrescenta ao Código de Processo Civil dispositivos que regulamentam o § 3.º do art. 102, da Constituição Federal. 

4 TAVARES, André Ramos. Reforma do Judiciário no Brasil pós-88: (des) estruturando a justiça - comentários completos à EC nº 45/04. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 101. 

5 Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=7448bfbe44167441> Acesso em 20/02/2023. 

6 Art. 1035, § 9.º, do Código de Processo Civil. 

7 Acórdão n° 741/2021 - TCU - Plenário. 

8 Acórdão n° 929/2021 - TCE/PR - Plenário: "Suspensão de processamento prevista no § 5º do art. 1.035 do CPC não consiste em consequência automática e necessária do reconhecimento da repercussão geral realizada com fulcro no 'caput' do mesmo dispositivo, sendo da discricionariedade do relator do recurso extraordinário paradigma determiná-la ou modulá-la". STF. Plenário. RE 966.177 RG/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 7/6/2017 (Info 868 do STF)."

9 "(...) § 5º Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional."

10 ACÓRDÃO: Acórdão n° 9290/2020 -TCU - Segunda Câmara: A incorporação ou a atualização da vantagem de "quintos/décimos", transformada em Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada - VPNI pelo art. 62-A da Lei 8.112/1990, somente são devidas até o dia 8/4/1998 (art. 3º da Lei 9.624/1998), devendo a regularização dos pagamentos efetuados em desacordo com essa regra observar, se for o caso, a modulação dada pelo STF no RE 638.115 (Tema 395 da Repercussão Geral).

11 Limites da coisa julgada em matéria tributária, notadamente diante de julgamento, em controle concentrado pelo Supremo Tribunal Federal, que declara a constitucionalidade de tributo anteriormente considerado inconstitucional, na via do controle incidental, por decisão transitada em julgado. Descrição: Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 3º, IV, 5º, caput, II e XXXVI, 37 e 150, VI, c, da Constituição Federal, o limite da coisa julgada em âmbito tributário, na hipótese de o contribuinte ter em seu favor decisão transitada em julgado que declare a inexistência de relação jurídico-tributária, ao fundamento de inconstitucionalidade incidental de tributo, por sua vez declarado constitucional, em momento posterior, na via do controle concentrado e abstrato de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal.

12 Efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade sobre a coisa julgada formada nas relações tributárias de trato continuado. Descrição: Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 5º, XXXVI, e 102 da Constituição Federal, se e como as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle difuso fazem cessar os efeitos futuros da coisa julgada em matéria tributária, quando a sentença tiver se baseado na constitucionalidade ou inconstitucionalidade do tributo.

Tiago Moraes Ribeiro

VIP Tiago Moraes Ribeiro

Advogado, graduado pela UFPA, especialista em Direito Público pela UNIDERP e Direito Internacional pelo CEDIN. Auditor de Controle Externo no Tribunal de Contas do Estado do Paraná - TCE/PR.

Fabiane Pinto

VIP Fabiane Pinto

Advogada e Servidora Pública Estadual especialista em Compliance, com certificações pela Fundação Getúlio Vargas e LEC Legal, Ethics e Compliance.

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