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(Re)Interpretando o cabimento da ação de protesto interruptivo da prescrição em matéria trabalhista

Luiz Rodrigues Wambier, Gustavo dos Santos e Tatiana Vargas Marques Giffoni

A alteração da CLT pela Reforma Trabalhista (lei 13.467/17), que incluiu o §3º em seu art. 11, excluiu a possibilidade de utilização do instituto "protesto" para interromper a prescrição dos direitos oriundos da relação de emprego.

quinta-feira, 30 de março de 2023

Atualizado às 14:59

Desde a entrada em vigor da lei 13.467/17, que introduziu o §3º no art. 11 da CLT, reacendeu-se o debate em torno do cabimento, na Justiça do Trabalho, do protesto interruptivo da prescrição, antes pacificado por meio da OJ 392 da SBDI I do TST1.

E a reanálise do instituto se faz necessária, sobretudo depois de o legislador ter incluído, no mencionado §3º do art. 11 da CLT, a seguinte expressão: "a interrupção da prescrição somente ocorrerá pelo ajuizamento de reclamação trabalhista".

Embora o legislador não tenha deixado margem de interpretação acerca da matéria, em razão da utilização do advérbio de exclusão somente, deixando, a nosso ver, absolutamente claro que somente a reclamação trabalhista teria o encargo de interromper a prescrição, esse não foi o entendimento já proferido pelo C. TST2.

Foi então que, no apagar das luzes do ano judiciário de 2022, com acórdão publicado em 10 de março de 2023, a 5ª Turma do TST, no RR 1001285-90.2019.5.02.0704, por maioria, acolheu incidente de arguição de inconstitucionalidade suscitado pelo relator Ministro Breno Medeiros, em torno do art. 11, § 3º, da CLT, determinando o encaminhamento do processo ao Tribunal Pleno.

Nesse ponto, acertada a instauração do incidente, diante do entendimento do STF contido na Súmula Vinculante n. 10, que dispõe: "Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte".

Admitir a interrupção da prescrição trabalhista mediante ação de protesto mesmo após a entrada em vigor do §3º do art. 11 da CLT (que expressamente previu que somente por reclamação trabalhista com pedidos idênticos se interrompe a prescrição) é afastar a incidência do dispositivo celetista, em que pesem os esforços hermenêuticos da jurisprudência recente no sentido de incluir na definição de "reclamação trabalhista" toda e qualquer medida judicial intentada perante a Justiça do Trabalho.

Nesse contexto de absoluta insegurança jurídica, surgiu o interesse (e a necessidade) de se fazer uma interpretação mais aprofundada acerca do cabimento e da própria validade do protesto na Justiça do Trabalho.

Analisando o instituto e fazendo uma interpretação sistemática das normas que disciplinam a matéria, surge a dúvida acerca da sua real adequação para interromper a prescrição dos direitos trabalhistas oriundos da relação de emprego.

Pode um instituto criado para regulamentar/interromper, em princípio, a prescrição do Direito Comum, assegurada por norma infraconstitucional, alterar/elastecer a prescrição do Direito do Trabalho, instituída pelo Legislador Constituinte?

A nosso ver a resposta correta seria não. E ao longo do artigo apresentar-se-ão as justificativas para tanto.

PROTESTO INTERRUPTIVO DA PRESCRIÇÃO APÓS A REFORMA TRABALHISTA - lei 13.467/17

Como adiantado, a alteração da CLT pela Reforma Trabalhista (lei 13.467/17), que incluiu o §3º em seu art. 11, excluiu a possibilidade de utilização do instituto "protesto" para interromper a prescrição dos direitos oriundos da relação de emprego.

Isso porque, conforme expressa redação legal, a interrupção da prescrição SOMENTE ocorrerá pelo ajuizamento de reclamação trabalhista.

Não se desconhece a jurisprudência passada e a interpretação da regra que norteava a possibilidade de aplicação do protesto interruptivo da prescrição na esfera trabalhista (OJ 392 da SDI I do TST).

Porém, com todo respeito àqueles que entendem de forma diversa, se considerarmos que o legislador não inclui palavras inoportunas no texto legal, ao se valer do advérbio de exclusão SOMENTE, a mens legislatoris foi exatamente de restringir a interrupção da prescrição apenas quando do ajuizamento de reclamação trabalhista.

Do contrário, não haveria necessidade de o legislador ter incluído na CLT o §3º do artigo que disciplina a prescrição.

A doutrina de Luciano Martinez3, ao comentar as alterações trazidas pela Reforma Trabalhista, leciona:

'O grande problema da redação do referido §3.º é a existência do advérbio "SOMENTE", que oferece ao texto normativo a ideia de que a interrupção da prescrição unicamente ocorrerá pelo ajuizamento da ação trabalhista, e não por outra causa, tornando assim, inexigíveis as demais situações interruptivas previstas na legislação civil.' (grifamos)

Além do advérbio de exclusão somente, o dispositivo também prevê que a interrupção da prescrição ocorrerá através de reclamação trabalhista com pedidos idênticos. E aqui reside outra celeuma: o que o legislador intencionava ao dispor da expressão reclamação trabalhista? Para responder tal indagação, nos socorremos da previsão contida no capítulo III da CLT, que trata dos dissídios individuais, mais especificamente do art. 840 e seus parágrafos, que trazem os requisitos da petição inicial da reclamação trabalhista.

Nota-se que o §1º do art. 840 da CLT determina que a reclamação deverá conter, dentre outros requisitos, a "qualificação das partes", a "breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio" e o "pedido".  Dessa forma, a toda evidência, a reclamação trabalhista pressupõe a existência de um conflito de interesses entre as partes, ou melhor, de uma pretensão resistida.

Fica evidente, assim, que quando o legislador indicou a reclamação trabalhista no texto do §3º do art. 11 da CLT como o meio hábil para se interromper a prescrição, não teve em mente o instituto do protesto, previsto no art. 202, II, do CC, eis que não se trata de ação judicial que visa dirimir o conflito de interesses entre duas partes processuais.

Para que não pairem dúvidas e incertezas acerca da NÃO utilização do protesto, necessário (e prudente) que a matéria seja analisada e enfrentada diante das previsões legais contidas nos artigos 8º, §1º e 769, ambos da CLT. Com todas as vênias, não se trata de interpretação integrativa entre as normas, mas de interpretação restritiva diante de expressa previsão legal.

Em que pese o art. 8º, §1º, da CLT disponha sobre a possibilidade de utilização do direito comum como fonte subsidiária do direito do trabalho, o art. 769, por sua vez, afasta a utilização naquilo que for incompatível com as normas celetistas, como no presente caso, em razão da redação do §3º do art. 11 da CLT.

A intenção do legislador, ao incluir o advérbio de exclusão SOMENTE, seguido da especificação RECLAMAÇÃO TRABALHISTA, na redação do §3º do art. 11 da CLT, deve ser respeitada, não havendo outra forma de interrupção da prescrição, senão pelo ajuizamento da reclamação trabalhista, que, como vimos, não comporta a definição do protesto interruptivo.

Não se trata de situação em que é necessária a aplicação do direito comum e/ou processual civil, como fontes subsidiárias do direito do trabalho, para suprir lacuna legal. Pelo contrário, considerando a atual redação do art. 11, §3º, da CLT, que é clara ao condicionar a interrupção da prescrição SOMENTE ao ajuizamento da reclamação trabalhista, ainda que ajuizada perante juízo incompetente e extinta sem resolução do mérito, produzindo efeitos apenas em relação aos pedidos idênticos.

E analisando sob o enfoque da identidade de pedidos, a ação de protesto, por si só, realmente não comporta a interrupção do prazo prescricional trabalhista, pois, além de não ter sido previsto pelo legislador, como defendemos acima, não apresenta, em sua essência (porque destinada exclusivamente para interromper a prescrição), pedido idêntico àquele percorrido na reclamação trabalhista, em que, via de regra, se formulam pedidos de obrigação de fazer, de não fazer ou de pagar. Se assim o fosse, com o ajuizamento de reclamação trabalhista posterior, ou até de ação coletiva, haveria a perda do objeto da ação de protesto.

A decisão abaixo, embora admita a ação de protesto interruptivo da prescrição mesmo após o advento do §3º do art. 11 da CLT, com o que ousamos discordar, retrata, por outro lado, a diferença de pedidos entre a ação de protesto e a ação que visa o pagamento de verbas trabalhistas:

"(...) A presente ação de protesto judicial tem o propósito de interromper a contagem do prazo prescricional, na forma do art. 202, II, do Código Civil. A ação civil coletiva noticiada, posteriormente proposta, por outro lado, visa a condenação da reclamada ao pagamento de adicional de insalubridade e de indenização por dano moral. 3 - Trata-se de escopos distintos e independentes, ainda que a complementares: enquanto a presente ação visa interromper o prazo prescricional para exercício judicial da pretensão, a ação coletiva procura exercer a pretensão. 4 - Eventuais condenações impostas ação coletiva encontrarão os limites prescricionais na presente ação. Não há, assim, perda de objeto, remanescendo o interesse da parte autora de ver interrompida a prescrição, conforme postulado na presente ação. (...)" (AIRR-641-61.2018.5.14.0092, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 02/12/2022).

A matéria em questão deve ser enfrentada diante dos princípios da segurança jurídica e da legalidade, previstos respectivamente nos incisos XXXVI e II, do art. 5º da Constituição Federal.

De fato, e respeitado entendimento em sentido contrário, a única forma de se admitir a utilização do protesto interruptivo da prescrição, após a Reforma Trabalhista, seria com a declaração de inconstitucionalidade do §3º do art. 11 da CLT. E, nesse ponto, louvamos a instauração do incidente de arguição de inconstitucionalidade pela 5ª Turma do TST, conforme noticiado no início do presente artigo.

E, aqui, desde já, ousamos registrar que entendemos pela constitucionalidade do dispositivo em debate. Aliás, a nosso ver, o que é absolutamente inconstitucional é a admissão do protesto interruptivo da prescrição na Justiça do Trabalho, conforme motivos trazidos no tópico seguinte.

DA IMPOSSIBILIDADE DE ELASTECIMENTO DA PRESCRIÇÃO TRABALHISTA - ART. 7º, XXIX, DA CF - TEMA 608 DO STF

O capítulo I do título IV do Código Civil (lei 10.406/02) traz as normas relativas à prescrição das pretensões oriundas de violações aos direitos previstos na lei comum. Especificamente, no art. 202, encontramos as hipóteses de interrupção do prazo prescricional, existindo, no inciso II, a figura do protesto. No art. 205 e seguintes são trazidos os prazos prescricionais de cada pretensão, sendo a regra geral o prazo de dez anos.

Possível afirmar, desde logo, que a regulamentação do instituto em questionamento está direcionada ao direito comum, e não especificamente ao direito do trabalho.

Ou seja, a prescrição dos direitos NÃO trabalhistas está assegurada em norma infraconstitucional, enquanto a prescrição dos direitos trabalhistas foi determinada pelo legislador constituinte - art. 7º, XXIX, da CF/88.

Novamente indaga-se: pela regra da hierarquia das normas, pode uma regra infraconstitucional alterar a regra de prescrição estipulada pela Constituição Federal?

A nosso ver, a resposta correta seria NÃO.

Isso porque um instituto criado para tratar da interrupção da prescrição de pretensão oriunda do direito comum, assegurada por norma infraconstitucional, NÃO pode (e nem deve) modificar os limites impostos pela Constituição Federal quanto à prescrição dos direitos trabalhistas, sob pena de restar caracterizada uma inversão da regra da hierarquia das normas (Pirâmide de Kelsen), além de violar expressamente o texto constitucional e a própria segurança jurídica.

Não se está diante da possibilidade de uma interpretação integrativa, mas, conforme já argumentado, deve-se fazer uma interpretação sistemática restritiva. A aplicação do instituto criado para regulamentar e interromper prazo prescricional infraconstitucional, mesmo que o argumento esteja amparado na proteção do trabalhador, não pode extrapolar, tampouco contrariar, a regra constitucional da prescrição.

Ainda que se pudesse importar o protesto judicial (art. 769 da CLT) do processo comum, não se pode olvidar a regra da prescrição, extintiva do direito e quinquenal, prevista no art. 7º, XXIX, da Constituição vigente.

A medida é acautelatória do direito de ação legalmente previsto, mas não pode, em se tratando de matéria trabalhista, ampliá-lo, fazendo com que normas infraconstitucionais se sobreponham à regulamentação da prescrição prevista na Constituição Federal.

O próprio Supremo Tribunal Federal já se manifestou expressamente acerca da necessidade de interpretação conforme a Constituição, no que diz respeito à prescrição trabalhista. Referimo-nos ao julgamento do tema 608 da repercussão geral, em que a Corte Suprema trouxe a prescrição do FGTS (antes de 30 anos) à inserida no art. 7º, XXIX, da CF.

Fixou-se a seguinte tese:

"O prazo prescricional aplicável à cobrança de valores não depositados no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) é quinquenal, nos termos do art. 7º, XXIX, da Constituição Federal."

Na oportunidade do referido julgamento, restou consignado que:

"Ademais, o princípio da proteção do trabalhador não pode ser interpretado e aplicado de forma isolada, sem a devida atenção aos demais princípios que informam a ordem constitucional. De fato, a previsão de prazo tão dilatado para o ajuizamento de reclamação contra o não recolhimento do FGTS, além de se revelar em descompasso com a literalidade do Texto Constitucional, atenta contra a necessidade de certeza e estabilidade nas relações jurídicas, princípio basilar de nossa Constituição e razão de ser do próprio Direito"

E mais:

"Cumpre salientar, neste ponto, que, com tais referências à legislação ordinária, não se está a defender a submissão do Supremo Tribunal Federal à interpretação conferida ao texto constitucional pela lei, mas apenas a demonstrar que o FGTS - garantia institucional e direito fundamental de âmbito de proteção marcadamente normativo - possui conformação legislativa apta a afastar toda e qualquer tentativa de se atribuir ao art. 7º, XXIX, da Constituição interpretação outra que não a extraída de sua literalidade."  (grifamos)

Portanto, nessa linha de raciocínio, sustenta-se o não cabimento da ação de protesto interruptivo da prescrição na Justiça do Trabalho, para interromper o marco prescricional destinado àquelas verbas oriundas da relação de emprego, sob pena de se violar frontalmente o artigo 7º, XXIX, da CF/88, inclusive, diante do quanto já decidido no tema 608 pelo STF.

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1 PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. AJUIZAMENTO DE PROTESTO JUDICIAL. MARCO INICIAL.

O protesto judicial é medida aplicável no processo do trabalho, por força do art. 769 da CLT e do art. 15 do CPC de 2015. O ajuizamento da ação, por si só, interrompe o prazo prescricional, em razão da inaplicabilidade do § 2º do art. 240 do CPC de 2015 (§ 2º do art. 219 do CPC de 1973), incompatível com o disposto no art. 841 da CLT. Observação: (republicada em razão de erro material) - Res. 209/2016, DEJT divulgado em 1, 2 e 3/6/2016

2 A exemplo das decisões no AIRR-641-61.2018.5.14.0092, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 02/12/2022; RRAg-10952-85.2019.5.03.0059, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 03/06/2022; AIRR-889-68.2018.5.09.0673, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 07/02/2022, e RR-10711-43.2019.5.15.0006, 3ª Turma, rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 19/11/2021.

3 MARTINEZ, Luciano. Reforma trabalhista - entenda o que mudou: CLT comparada e comentada. São Paulo: Saraiva, 2018. Página 42.

Luiz Rodrigues Wambier

Luiz Rodrigues Wambier

Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina - UEL. Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG. Professor nos cursos de Especialização em Direito Processual Civil da Cogeae - PUC-SP. Professor no Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar (Curitiba-PR).

Gustavo dos Santos

Gustavo dos Santos

Advogado, Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho

Tatiana Vargas Marques Giffoni

Tatiana Vargas Marques Giffoni

Advogada, Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho

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