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Decisões do STJ ajudam a nortear o uso da técnica do puffing na publicidade

E assim seguimos com o supermercado que brada diariamente ser "o mais barato, mais barato!", a cerveja que se coloca como "a número 1" e, agora, com o "melhor hambúrguer do mundo".

sexta-feira, 31 de março de 2023

Atualizado às 07:52

Em fevereiro último, pleito da Unilever contra a Heinz no REsp 1.759.745/SP não foi provido pela 4º Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que não viu ilegalidade em claims utilizados pela Heinz nas propagandas de seu ketchup, a saber: "Heinz, o ketchup mais consumido do mundo" e "Heinz, melhor em tudo que faz".

A controvérsia foi iniciada por uma representação provocada pela Unilever contra a Heinz perante o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), que recomendou a suspensão do uso das expressões acima. A Heinz então acionou judicialmente a Unilever, sendo que na decisão de primeiro grau o juiz entendeu que as expressões eram lícitas, porém, no caso do claim "Heinz, o ketchup mais consumido do mundo", determinou que a Heinz incluísse na propaganda do seu ketchup informações sobre pesquisa que confirmasse a afirmação.

A Heinz recorreu da decisão e, ao final, a 4ª Turma do STJ entendeu que os claims continham expressões de superioridade e exagero publicitário comuns nas propagandas e baseadas na técnica publicitária conhecida como puffing e, portanto, não se caracterizariam como propaganda enganosa ou abusiva, consideradas ilícitas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Esta semana, no REsp 18662323/SP, a 3ª Turma do STJ manteve decisão do relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que afastou o ônus da prova para que o Madero comprovasse que produz "o melhor hambúrguer do mundo".

A obrigação do Madero provar que tem o melhor hambúrguer do mundo havia sido imposta pelo juiz de primeiro grau, que transferiu o ônus da prova ao Madero a pedido do Burger King, com base no art. 38 do CDC, pelo qual se inverte o ônus da prova da veracidade e correção da comunicação publicitária, que cabe a quem a patrocina. Em segunda instância, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que não havia relação de consumo entre Madero e Burger King, tese reforçada pela decisão do ministro relator Paulo de Tarso Sanseverino do STJ, que concordou e negou provimento ao Recurso Especial do Burger King.

Ainda que a decisão final no caso do Burger King versus Madero não tenha sido fundamentada em afastar a caracterização de propaganda enganosa pelo uso do puffing, a decisão inicial impunha ao Madero provar que tem o melhor hambúrguer do mundo como se fosse uma afirmação literal e não um exagero publicitário. E, também neste caso, a decisão inicial aludia à necessidade de inclusão de fonte de pesquisa para atestar a dita liderança no ranking mundial de hambúrgueres.

Assim, diretamente pela decisão da 4º Turma em favor da Heinz, e indiretamente pela decisão da 3ª Turma do STJ em favor do Madero (na prática negando obrigação do Madero para que se abstivesse de usar a publicidade "o melhor hambúrguer do mundo" sem fonte da pesquisa que atestava a dita liderança), a jurisprudência vem sinalizando pela descaracterização do puffing como propaganda enganosa ou abusiva.

Ambas as decisões ajudam a dar mais claridade ao tema do puffing, técnica por vezes difícil de ser definida.

Ressalte-se que é nitidamente enganosa a publicidade que propagandeia características que os produtos não têm, que ofertam condições de uso que não se cumprem ou que iludem no cálculo do preço. Ou seja, quando o contexto enganoso de fato induz o consumidor em erro, ainda que somente de forma potencial. Este exagero publicitário com uso da mentira de forma deliberada ou sutil e dissimulada, com potencial para realmente induzir o consumidor em erro, não vem sendo admitido pela jurisprudência.

Porém, apelos publicitários como "o melhor sabor", "o mais vendido do mundo", "o mais tradicional", "o número 1" tratam-se mais de "licenças publicitárias", que mexem com o inconsciente e com as emoções do consumidor, porém dificilmente têm capacidade de causar danos diretos ou indiretos ao consumidor.

Neste sentido, muito feliz a percepção do relator ministro Marco Buzzi no Recurso Especial Unilever versus Heinz, no qual afirmou que não é razoável proibir um anunciante de se autoproclamar o melhor em sua área de atuação, especialmente quando não há qualquer mensagem depreciativa contra os concorrentes e considerando que a proibição dos claims da Heinz configura "uma excessiva infantilização do consumidor médio brasileiro - como se a partir de determinada peça publicitária tudo fosse levado ao pé da letra".

E assim seguimos com o supermercado que brada diariamente ser "o mais barato, mais barato!", a cerveja que se coloca como "a número 1" e, agora, com o "melhor hambúrguer do mundo". Que, convenhamos, não têm o condão de automaticamente convencer o consumidor de sua superioridade.

Luciana Guimarães Betenson

Luciana Guimarães Betenson

Advogada formada pela USP, atua no escritório Mendonça de Barros Advogados na equipe de Consultoria e Contratos, com experiência na elaboração e análise de contratos comerciais, bem como em auditorias de contratos e no aconselhamento jurídico para empresas em geral.

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