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Na era dos amores líquidos como os Tribunais brasileiros têm tratado os casos de infidelidade matrimonial e o instituto dos danos morais

Gabriela Kreusch Serena e Giovana Tortato Poleza

Trata-se de uma análise de acordo com o caso concreto, balizada pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

terça-feira, 18 de abril de 2023

Atualizado às 08:33

O caso da separação da cantora Shakira e do jogador Piqué tem dado o que falar nas últimas semanas, especialmente após a música "BZRP Music Sessions" que expôs a traição cometida pelo atleta. Segundo a cantora, a descoberta se deu ao notar que uma geleia que o jogador nunca consumia estava pela metade durante a ausência da colombiana.1

Apesar de se tratar de um caso de jurisdição espanhola, não são poucas as situações similares que acometem o dia a dia dos brasileiros. Aliás, 50% do homens já foram infiéis segundo uma pesquisa realizada pelo Mosaico 2.0, conduzida pela psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, com o apoio da farmacêutica Pfizer.2

Isso resplandece a partir da ideia de Bauman sobre a liquidez das relações tratada no livro "Amor Líquido". Segundo o filósofo, na contemporaneidade a relações, em especial as amorosas, tem se tornado cada vez mais descartáveis na medida em que a vida exige certa praticidade. Ou seja, os relacionamentos se tornam cada vez mais rasos, descartáveis e trocáveis ao passo que as pessoas passaram a não aceitar mais as dificuldades (normais de uma relação) e as responsabilidades que um relacionamento implica.

Nesta toada, o que se buscará compreender no presente artigo é como os casos de infidelidade matrimonial são tratados pelos tribunais brasileiros.

Durante muito tempo, o adultério foi considerado crime por reconhecer a família enquanto um patrimônio que deveria ser protegido. Aliás, esta era uma das principais prerrogativas do direito brasileiro: a proteção da família. No entanto, tal dispositivo foi revogado em 2005 pela lei 11.106.

No âmbito do direito civil, por influência do cristianismo e da moralidade estabelece isonomia entre os cônjuges. Contudo, por muito tempo, por força do art. 233 do CC de 1916 o homem tinha uma posição de supremacia no casamento e a mulher restava a posição subalterna. Mas com a implementação de diversas leis e estatutos como o Estatuto da Mulher Casada (lei 4.121/62), a Lei do Divórcio (lei 6.515/77), a Carta Federal de 05 de outubro de 1988, pelo Código Civil de 2002 (lei 10.406/02) e pela Emenda Constitucional 66, de 13 de julho de 2010, a mulher tomou seu lugar de destaque e equidade na relação.

O casamento tomou forma de uma relação entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, assumem mutuamente a condição de companheiros e responsáveis pelos encargos da família.3

Na mesma perspectiva, a Comissão Americana de Direitos Humanos, ou Pacto San José da Costa Rica, instituiu como pilar essencial a proteção da família, sob os moldes de seu art, 17, §1º a §3º4, reconhecendo o livre direito de comunhão entre as partes, observado o princípio da não-discriminação e o ordenamento jurídico interno de onde for celebrado o matrimônio.

O art. 1.566 do CC de 2002 expõe os deveres conjugais e dentre eles a  fidelidade toma posição importante ligada à boa-fé objetiva. A boa-fé objetiva é um princípio basilar do direito que traz o dever das partes em agir dentro dos valores éticos e morais da sociedade.

Para Victor Reina e Josep María Martinell "o matrimônio não deixa nada à livre vontade das partes, desde o momento em que carecem de toda competência dispositiva para regular o regime do vínculo de maneira diversa daquela que a lei estabelece".5

Nesta perspectiva, cumpre trazer a constituição da família sob uma perspectiva ampla, para além dos moldes tradicionais de casamento, sendo os demais modelos constitutivos igualmente abarcados pela normativa pátria. Em resultado, tem-se a mesma atribuição dos direitos e deveres relativos à vida matrimonial e à família. Neste sentido, elucida-se que:

"Respeita-se o instituto do casamento, que, uma vez preservado o vínculo do amor entre os cônjuges, por certo se configura como a união ideal, tanto mais próxima da perfeição quanto unidos seus componentes - pais e filhos - numa família estável, à luz da moralidade e do direito. Mas não se pode olvidar a realidade social, dos que vivem sob estado de casados, igualando-se à família regularmente constituída, em seus múltiplos direitos e deveres6".

Com a celebração do casamento, portanto, origina-se a família em um sentido amplo, adquirindo conotação jurídica e implicando em proteção do Estado, com a atribuição de direitos e obrigações. A relação conjugal, por sua vez, faz-se como condição basilar necessária à criação do vínculo e do relacionamento familiar, que, ainda que rompido por outros institutos do direito - como o falecimento de um dos cônjuges, a nulidade do ato, a separação judicial ou o divórcio -, nunca terá sua existência negada ou cessada.

De outra face, a modificação da situação jurídica da relação conjugal, por quaisquer das circunstâncias supra, implica na alteração consequente do estado desta relação familiar, que, muito embora continue existindo, passará a ser entendida de outra forma7.

Sob a mesma ótica, os deveres que o casamento traz podem ser dispensados tão somente com a observância de uma das circunstâncias de rompimento acima postas, como a separação de fato ou com o divórcio, que põem termo final ao casamento no âmbito prático.

Antes do vigente Código Civil, a Lei do divócio sempre buscava um culpado pela ruína da sociedade conjugal.8 Mas para o código atual isso pouco importa. O que importa é o fato em si, a responsabilidade e a reparação dos danos causados ao cônjuge traído.

Nesta seara, a aplicabilidade do instituto do dano moral perpassa por uma análise quanto à atribuição da responsabilidade civil ao cônjuge, quando quebrado o vínculo conjugal, tido como uma relação contratual em sentido amplo. Desta forma, cumpre verificar a ocorrência do prejuízo de caráter moral, intelectual ou psíquico em desfavor do ofendido, e a gravidade e reversibilidade deste prejuízo, observando os requisitos necessários ao dimensionamento do dano moral (a conduta, o resultado e o nexo causal).

O questionamento que impera no entendimento jurídico é justamente quanto à aplicação da responsabilidade civil - desde seu cabimento propriamente dito à sua extensão - no âmbito do casamento e do direito de família.

Parte da corrente doutrinária defende a aplicabilidade do instituto como forma de sancionamento à conduta ofensiva cometida por um dos cônjuges, que levou à ruptura da relação conjugal. Segundo Belmiro Pedro Welter9:

"(...) é admissível a indenização de dano moral no casamento e na união estável, desde que observados os seguintes critérios objetivos e subjetivos: 01) a ação de separação judicial ou dissolução de união estável e/ou indenização por dano moral deve ser ajuizado logo após a ocorrência da conduta culposa, sob pena de incidir o perdão do cônjuge ofendido; 02) o direito ao dano moral é exclusivo do cônjuge inocente; 03) o pedido somente é possível na ação de separação judicial ou dissolução de união estável litigiosa e com culpa; 04) a conduta do cônjuge culpado deve ser tipificada com o crime; 05) o comportamento delituoso deve ser ofensivo à integridade moral do cônjuge ofendido, produzindo dor martirizante e profundo mal-estar e angustia."

Neste ângulo, o Superior Tribunal de Justiça inaugurou o entendimento jurisprudencial quanto à possibilidade do pleito indenizatório em face da relação conjugal corrompida. Leia-se:

Separação judicial. Proteção da pessoa dos filhos (guarda e interesse). Danos morais (reparação). Cabimento.

1. O cônjuge responsável pela separação pode ficar com a guarda do filho menor, em se tratando de solução que melhor atenda ao interesse da criança. Há permissão legal para que se regule por maneira diferente a situação do menor com os pais. Em casos tais, justifica-se e se recomenda que prevaleça o interesse do menor.

2. O sistema jurídico brasileiro admite, na separação e no divórcio, a indenização por dano moral. Juridicamente, portanto, tal pedido é possível: responde pela indenização o cônjuge responsável exclusivo pela separação.

3. Caso em que, diante do comportamento injurioso do cônjuge varão, a Turma conheceu do especial e deu provimento ao recurso, por ofensa ao art. 159 do Cód. Civil, para admitir a obrigação de se ressarcirem danos morais. (STJ - Terceira Turma - REsp 37051 / SP - rel.: Min. Nilson Naves, J. 17/04/2001).

Apesar disso, muitos juristas defendem que, em pleno século XXI, bem como levando em consideração as relação líquidas10, a infidelidade não deveria ensejar reparação por danos morais. Neste sentido é a jurisprudência do TJRS:

DANO MORAL. SEPARAÇÃO. O DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE FIDELIDADE NÃO GERA, AO CÔNJUGE TRAÍDO, O DIREITO A SER INDENIZAÇÃO, POR DECORRÊNCIA DE PRESSUPOSTO PARA O RECONHECIMENTO DO DANO MORAL. APELOS IMPROVIDOS. (TJRS. 7ª CÂM. CÍV. APEL. CÍV. Nº 70000849893. J. 21.06.2000. DJE 10.10.2000. REL. DESA. MARIA BERENICE DIAS. UNÂNIME)

Por sua vez, o STJ vem aplicando frequentemente o instituto dos danos morais em casos de família a depender de certas particularidades do caso concreto. Este é o caso, por exemplo, de transmissão de infecções sexualmente transmissíveis - ISTs por um dos cônjuges. Neste sentido:

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AIDS. RELAÇÃO DE FAMÍLIA. TRANSMISSÃO DO VÍRUS HIV. COMPANHEIRO QUE INFECTOU A PARCEIRA NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. CARACTERIZAÇÃO DA CULPA. OCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E DANOS MORAIS. CABIMENTO.[...] 2. O parceiro que suspeita de sua condição soropositiva, por ter adotado comportamento sabidamente temerário (vida promíscua, utilização de drogas injetáveis, entre outros), deve assumir os riscos de sua conduta, respondendo civilmente pelos danos causados.  5. Na hipótese dos autos, há responsabilidade civil do requerido, seja por ter ele confirmado ser o transmissor (já tinha ciência de sua condição), seja por ter assumido o risco com o seu comportamento, estando patente a violação a direito da personalidade da autora (lesão de sua honra, de sua intimidade e, sobretudo, de sua integridade moral e física), a ensejar reparação pelos danos morais sofridos.[...] (STJ - REsp: 1760943 MG 2018/0118890-8, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 19/03/2019, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/05/2019) (Grifos nossos)

Mesmo assim, para a responsabilização é necessária a demonstração dos elementos da responsabilidade civil - ação ou omissão do agente, dano e nexo de causalidade - nos moldes dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. O TJES já se manifestou sobre o tema na seguinte decisão:

APELAÇÃO CÍVEL 0002963-55.2010.8.08.0026 APELANTE: ADELSON DE CASTRO APELADOS: VALDINEIA SANTOS FERREIRA e WEDSON DA SILVA RELATOR: DES. SUBST. JÚLIO CÉSAR COSTA DE OLIVEIRA ACÓRDÃO EMENTA : APELAÇÃO CÍVEL - UNIÃO ESTÁVEL - DANO MORAL - SUPOSTA INFIDELIDADE - DEVER DE INDENIZAR - RECURSO IMPROVIDO. 1.Não há dúvidas quanto à incidência das regras de responsabilidade civil nas relações do âmbito familiar, devendo o caso em comento ser analisado à luz do artigo 186 do Código Civil. Assim, para que seja caracterizado o dano moral, e gerado o dever de indenizar, é necessária a comprovação de existência do dano, do nexo de causalidade entre o fato e o dano e da culpa do agente. 2.Com relação ao apontado cúmplice do convivente infiel, não há como se imputar o dever de indenizar, já que ele não possui, legal ou contratualmente, vínculo obrigacional com o convivente supostamente traído, não sendo possível exigir sua responsabilização pelo descumprimento de deveres inerente ao casamento. 3.Ainda que a união estável imponha o dever de fidelidade recíproca e de lealdade, a violação pura e simples de um dever jurídico familiar não é suficiente para caracterizar o direito de indenizar. A prática de adultério, isoladamente, não se mostra suficiente a gerar um dano moral indenizável, sendo necessário que a postura do cônjuge infiel seja ostentada de forma pública, comprometendo a reputação, a imagem e a dignidade do companheiro. 4.Recurso improvido. VISTOS, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Desembargadores que integram a Primeira Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, à unanimidade de votos, NEGAR PROVIMENTO ao recurso. Vitória/ES, 06 de outubro de 2015. PRESIDENTE RELATOR (TJ-ES - APL: 00029635520108080026, Relator: ANNIBAL DE REZENDE LIMA, Data de Julgamento: 06/10/2015, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 14/10/2015)

Apesar da posição da impossibilidade de aplicação da reparação por danos morais por infidelidade, a realidade dos tribunais brasileiros é outra. Segundo tem se constatado a jurisprudência tem entendido a aplicação dos danos morais quando exposição de cônjuge traído a situação humilhante que ofenda a sua honra, imagem ou integridade física ou psíquica enseja indenização por dano moral.11 Veja:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. INFIDELIDADE CONJUGAL. PROVA. OFENSA A ATRIBUTO DA PERSONALIDADE. DANO MORAL CONFIGURADO NO CASO. 1. O simples descumprimento do dever jurídico da fidelidade conjugal não implica, por si só, em causa para indenizar, apesar de consistir em pressuposto, devendo haver a submissão do cônjuge traído a situação humilhante que ofenda a sua honra, a sua imagem, a sua integridade física ou psíquica. Precedentes. 2. No caso, entretanto, a divulgação em rede social de imagens do cônjuge, acompanhado da amante em público, e o fato de aquele assumir que não se preveniu sexualmente na relação extraconjugal, configuram o dano moral indenizável. 3. Apelação conhecida e não provida. (Acórdão 1084472, 20160310152255APC, Relator: FÁBIO EDUARDO MARQUES, 7ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 21/3/2018, publicado no DJE: 26/3/2018. Pág.: 415-420)

PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. RAZÕES QUE NÃO ENFRENTAM O FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA. AÇÃO DE DIVÓRCIO E INDENIZATÓRIA. INFIDELIDADE COMPROVADA. HUMILHAÇÕES E CONSTRANGIMENTOS PÚBLICOS. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR. R$ 30.000,00. ALTERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. 1. As razões do agravo interno não enfrentam adequadamente o fundamento da decisão agravada. 2. Admite a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, excepcionalmente, em recurso especial, reexaminar o valor fixado a título de indenização por danos morais, quando ínfimo ou exagerado. Hipótese, todavia, em que o valor foi estabelecido na instância ordinária, atendendo às circunstâncias de fato da causa, de forma condizente com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no AREsp: 1673702 SP 2020/0051590-6, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 14/09/2020, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/09/2020)

Neste passo, pode-se observar que a publicidade da infidelidade, com a intenção de humilhar, é fator determinante na aplicação da sanção.

Ainda, outro caso que se tem entendido pela aplicação do instituto é se, para além da infidelidade, adveio o nascimento de um filho na constância do casamento, fato que seria suficiente para o reconhecimento dos danos na medida que causou vergonha, humilhação e grande constrangimento ao traído. É a decisão:

RESPONSABILIDADE CIVIL Dano moral Infidelidade da requerida demonstrada, com nascimento de filho fruto de relacionamento amoroso com outro homem Conduta desonrosa da ré que ocasionou ao autor sofrimento e humilhação, com repercussão na esfera moral Dano moral indenizável caracterizado Indenização devida Culpa concorrente não verificada Manutenção da verba indenizatória arbitrada Ação procedente Ratificação dos fundamentos da sentença (art. 252, do RITJSP/2009) Recurso desprovido. (TJ-SP - APL: 21887820078260629 SP 0002188-78.2007.8.26.0629, Relator: Luiz Antonio de Godoy, Data de Julgamento: 13/11/2012, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/11/2012)

A traição na residência do casal também é fato ensejador para a aplicação da indenização. Segundo a 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, a simples traição não seria suficiente para a aplicação da medida, contudo, no caso, o dever de reparar advém da "da insensatez do réu ao praticar tais atos no ambiente familiar, onde as partes moravam com os três filhos comuns". Além disso, outra tese levantada é que a mulher teria sido exposta a situação vexatória perante a vizinhança e "é óbvio que a situação sub judice altera o estado emocional, atinge a honra subjetiva, ocasiona enorme angústia e profundo desgosto, o que autoriza a fixação de danos morais em razão da excepcionalidade da situação, como bem observou o juiz sentenciante".12

Quanto ao cúmplice, o STJ sedimentou uma importante decisão que dispõe que este não tem o dever de indenizar. Segundo o Tribunal Superior "O cúmplice de cônjuge infiel não tem o dever de indenizar o traído, uma vez que o conceito de ilicitude está imbricado na violação de um dever legal ou contratual, do qual resulta dano para outrem, e não há no ordenamento jurídico pátrio norma de direito público ou privado que obrigue terceiros a velar pela fidelidade conjugal em casamento do qual não faz parte."13

Como se pode observar, o instituto do dano moral é uma garantia constitucional do rol do art. 5° inciso V e X da CF. Isso significa que é aplicável a qualquer ramo do direito, inclusive no Direito de Família, abrangendo casamento, união estável e as relações parentais. As infrações neste âmbito geram a responsabilidade de indenizar os danos causados. Mesmo assim, não se podem aplicar de maneira desenfreada devendo o julgador ponderar no caso concreto a existência dos elementos do ato ilícito e a aplicação da indenização.

Para a devida ponderação e aplicabilidade da responsabilidade civil no âmbito conjugal e familiar, portanto, deve-se considerar a efetiva lesão aos interesses socialmente protegidos, que justifique e fundamente o dever de reparação em face do cônjuge lesionado, para além de sua perspectiva pessoal a respeito da relação familiar.

Trata-se de uma análise de acordo com o caso concreto, balizada pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, estendendo-se não somente às circunstâncias conjugais e familiares - à exemplo de uma traição, mas também às hipóteses de descumprimento da própria promessa de casamento14 - com o rompimento de um noivado que resulte em consequências de ordem material e moral.

Isto posto, conclui-se com a pontuação de que a jurisprudência brasileira tem entendido a possibilidade da aplicação do instituto nos casos de infidelidade matrimonial, desde que presentes outros elementos que subsidiem a tese da exposição da vítima ao sofrimento e constrangimento, essenciais para a configuração e aplicação dos danos morais.

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informações: https://gshow.globo.com/tudo-mais/pop/noticia/shakira-e-pique-traicao-descoberta-por-pote-de-geleia-teria-motivado-separacao-relembre.ghtml

informação: https://g1.globo.com/bemestar/noticia/2016/07/50-dos-homens-brasileiros-ja-trairam-diz-estudo-mulheres-traem-menos.html

REsp. 1.183.378-RS

Art. 17, da Convenção Americana de Direitos Humanos:

1. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado.

2. É reconhecido o direito do homem e da mulher de contraírem casamento e de fundarem uma família, se tiverem a idade e as condições para isso exigidas pelas leis internas, na medida em que não afetem estas o princípio da não-discriminação estabelecido nesta Convenção.

3. O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos contraentes.

REINA, Victor; MARTINELL, Josep María. Curso de derecho matrimonial. Madrid: Marcial Pons Ediciones Jurídicas S.A., 1995, p. 27.

Rodrigues, Oswaldo Peregrina. A família decorrente do casamento e sua repercussão no código civil de 2002. 2006. 329 f. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006. Apud Antônio Chaves, Tratado de direito civil: direito de família, v. 5, t.1, p. 32.

Rodrigues, Oswaldo Peregrina. A família decorrente do casamento e sua repercussão no código civil de 2002. 2006. 329 f. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.

8 MADALENO, Rolf. Direito de Família. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN 9786559644872

DE ALMEIDA JUNIOR, Jesualdo Eduardo. Os danos morais pelo descumprimento dos deveres pessoais no casamento. Intertem@ s ISSN 1677-1281, v. 19, n. 19, p. 09-33, 2010. Apud Dano Moral. Culpa. Porto Alegre: Síntese Publicações, 2002, CD-ROM n. 37, Produzida por Sonopress Rimo Industria e comercio fonográfico Ltda.

10 BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. Mundo Livre: Revista Multidisciplinar

11 TJDFT. Acórdão 1084472, 20160310152255APC, Relator Des. FÁBIO EDUARDO MARQUES, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 21/3/2018, publicado no DJe: 26/3/2018.

12 TJ-SP - AC: 10028467520218260506 SP 1002846-75.2021.8.26.0506, Relator: Natan Zelinschi de Arruda, Data de Julgamento: 07/09/2021, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/09/2021

13 STJ - REsp: 1122547 MG 2009/0025174-6, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 10/11/2009, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação:  DJe 27/11/2009

14 LARRATÉA, Roberta Vieira. O dano moral e a dissolução da promessa de casamento. Direito & Justiça, v. 35, n. 1, 2009.

Gabriela Kreusch Serena

Gabriela Kreusch Serena

Acadêmica de direito pela UFPR. Estagiária do escritório Antonietto & Guedes de Castro e Pesquisadora acadêmica do IBDPE (Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico).

Giovana Tortato Poleza

Giovana Tortato Poleza

Advogada e bacharela em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Sócia do escritório Brunetta & Poleza Advogados Associados, com atuação nas áreas cível, empresarial e tributária. Membro da Comissão de Direito Internacional da OAB/PR, com formação nos cursos de Retórica e Persuasão pela Universidade de Harvard e de Gerência Executiva - Liderança nas Organizações Humanas, pela Universidade de La Verne, CA.

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