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Aplicabilidade ponderada das normas consuetudinárias ao direito condominial

Pode haver, no âmbito das normas condominiais, um desuso de tamanha envergadura, que faça com que a norma condominial não mais se apresente com força normativa.

terça-feira, 25 de abril de 2023

Atualizado às 14:02

A despeito da predominância e da precedência da lei, no direito condominial, o costume desempenha relevante papel, especialmente porque a lei não logra abarcar todas as possibilidades de situações passíveis de sua aplicação concreta; ademais, nos condomínios, a dinâmica da vida coletiva culmina por traduzir determinadas realidades difíceis de subsunção exata ao texto legal. Sabe-se, portanto, que o uso reiterado de uma prática gera os usos e os costumes, que podem variar de região para região, de tempos em tempos e de condomínio para condomínio.

São os usos, uma vez reiterados, que haverão de solidificar o costume. No campo do direito condominial, os usos se convolam em normas consuetudinárias quando a prática reiterada se torna imperativa na consciência do coletivo dos condôminos. Deve-se advertir, contudo que, nem todo uso deve ser reconhecido como costume. A obrigatoriedade e a impositividade das normas consuetudinárias é que serão identificadas como os fenômenos genéticos do costume.

Temos assim que o costume decorre da consciência do coletivo condominial, de modo a não se restringir a um dos grupos comunitários, mas a todo o agrupamento coletivo. Assim, por exemplo, sabe-se que é uma norma constante das convenções de condomínio a que veda a exposição de objetos ou a conduta de estender roupas, bandeiras ou tapetes nas janelas ou sacadas, tendo por escopo a tutela e a preservação dos aspectos estéticos da fachada.

Contudo, por força das normas consuetudinárias, tanto por ocasião de eventos comemorativos cívicos como sói ocorrer na denominada "Semana da Pátria", como quadrienalmente, por ocasião do advento das Copas do Mundo de Futebol, vê-se com frequência bandeiras em tons verde e amarelo desfraldadas e estendidas nas janelas de condomínios edilícios, exemplos que confirmam a admissibilidade regrada de tais comportamentos nestas datas especiais, atendendo ao espírito próprio das normas consuetudinárias que, nesta hipótese, encontra-se associado ao sentimento de nacionalidade de um povo, não sendo razoável impor multas ou advertências ao condômino  "transgressor", que assim atue em sua propriedade exclusiva, uma vez que o sentimento de patriotismo possui, inclusive, foro constitucional.

Da mesma forma, apresenta-se como prática reiterada o ato de decorar a fachada dos edifícios por ocasião dos festejos natalinos, não sendo prudente se cogitar de punir aquele que age em consonância com os costumes sociais do meio comunitário em que se encontra inserido, a menos que tal conduta possa gerar dano ou perigo de dano à vida, à integridade física ou à propriedade.

Para que os usos possam ser reconhecidos com a qualidade de normas consuetudinárias torna-se necessário que ocorra uma prática repetitiva e constante, durante lapso temporal extenso. O costume leva tempo e se instala quase de forma imperceptível na comunidade condominial. Não raro, tais costumes são transformados em lei, como foi o caso das assembleias permanentes e das assembleias realizadas por meio virtual, que vinham sendo realizadas sem base estritamente legal, mas com inequívoca frequência e reiteração no tempo e no espaço.

Os costumes não devem ser confundidos com as praxes da gestão condominial, também denominadas de "cláusulas de estilo", inseridas nas atas das assembleias condominiais ou nos contratos. Assim, por exemplo, costuma-se encerrar as atas assembleares com os seguintes dizeres: "nada mais a discutir e deliberar, foi a presente assembleia geral extraordinária encerrada às 12:00h, cuja ata segue assinada pela Sr. Presidente e por mim, Secretária, que a lavrei".

Uma das grandes vantagens das normas consuetudinárias é o fato delas se amoldarem às características próprias da realidade condominial, especialmente quando inexistem leis ou normas convencionais regendo a matéria. O costume nasce espontaneamente da vontade do coletivo de condôminos, diversamente do que ocorre com os textos legais, eis que estes derivam da vontade estatal. Não se há olvidar, todavia, que os condomínios edilícios, por se situarem posicionados sob a égide do princípio da legalidade, restringem pouca margem para aplicação dos costumes.

Não é porque a influência dos costumes nos sistemas jurídicos de direito positivado se descortina como limitada e reduzida, que seu alcance possa ser desprezado ou subestimado. Lembremos que o vigente Código Civil brasileiro prestigia os usos e costumes, quando não os identificam como formas aptas a permitir a integração de normas jurídicas, para o especial fim de colmatar lacunas no direito. Daí decorre o seu status de fonte formal subsidiária e secundária do direito condominial, na exata medida em que, sendo omissa a lei, deverá o magistrado decidir em conformidade com a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito (art. 4° da LINDB).

A doutrina classifica a norma consuetudinária em costume segundo a lei (ou secundum legem), além da lei (ou praeter legem) e em oposição ao texto legal (ou simplesmente contra legem). O costume segundo a lei possui relevância prospectiva, eis que serve de base à edição da lei, de cujo exemplo podemos citar o emprego das assembleias abertas ou em seguimento. 

O costume além da lei (ou praeter legem) tem por objetivo suprir a lacuna legal, colmatando-a. Deve o juiz a ele recorrer todas as vezes em que houver omissão legal. Já o costume contra legem pode ser usado episodicamente, em especial nas hipóteses em que a lei não vem sendo empregada ou observada, gerando um vazio legislativo. Nas hipóteses de desuso, não há se falar em revogação da lei, mas em substantiva perda de sua legitimidade. Nosso ordenamento jurídico rechaça, como regra, essa modalidade de norma consuetudinária, visto que, segundo as diretrizes basilares que orientam a validade das normas jurídicas, somente uma lei pode revogar outra, da mesma estatura e da mesma ou superior hierarquia.

Pode haver, no âmbito das normas condominiais, um desuso de tamanha envergadura, que faça com que a norma condominial não mais se apresente com força normativa. É o caso da regra que veda a presença de animais domésticos em condomínios, muitas vezes previstas expressamente em convenções de condomínio. Nesse sentido, punir os proprietários de unidades privativas e autônomas, ou mesmo os demais moradores a qualquer título, não mais atende ao sentimento do coletivo de condôminos, sendo um exemplo de hipótese em que o costume se impõe sobre a norma convencional escrita. O mesmo se diga das normas condominiais que vedam a realização de atividades comerciais em unidades privativas, quando se sabe que, muitas vezes, pode haver lojas virtuais ou atividades profissionais sendo exercidas em sistema home office, prática muito comum atualmente, que em nada incomodam a coletividade condominial, razão pela qual, devem ser aceitas e incorporadas à nova realidade dos condomínios edilícios.

Vander Andrade

VIP Vander Andrade

Advogado. Especialista, Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Professor Universitário e de Pós-Graduação. Presidente da Associação Nacional de Síndicos Profissionais.

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