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A exigência de motivação da dispensa de empregados públicos como fator de valorização do serviço público

Espera-se que o Supremo Tribunal Federal leve em consideração a necessidade da aplicabilidade dos princípios da administração pública às entidades estatais, além da valorização devida ao serviço público e ao princípio do concurso público, constantemente alvos de tentativas de precarização e aparelhamento do estado para fins privados.

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Atualizado às 14:19

Acerca do tema, é de pleno conhecimento que o Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Recurso Extraordinário de 589.998/PI, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, deliberou acerca da necessidade de motivação da dispensa sem justa causa de empregados públicos da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.

Na ocasião mencionada, a Corte Superior delimitou que a questão seria aplicada especificamente para os empregados da referida estatal, o que postergou a decisão de observância ou não da tese para a hipótese da dispensa de qualquer empregado público, seja qual for a entidade da administração indireta.

Isso se deu, consoante elucidação do Relator dos Embargos de Declaração opostos contra a decisão do Recurso em apreço, Ministro Luis Roberto Barroso, pelo fato disso não ter sido objeto da ação ou da repercussão geral reconhecida, o que acarretou a impossibilidade do exercício do direito do contraditório e da participação dos interessados a respeito do tema.

Postas tais premissas, a fim de dirimir a controvérsia, foi reconhecida a repercussão geral do tema 922, no âmbito do Recurso Extraordinário 688.267/CE, sob a relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, para que o Supremo Tribunal Federal delibere acerca da necessidade ou não da motivação para a dispensa dos empregados das estatais admitidos por concurso público, processo que foi incluído em pauta para julgamento ainda neste primeiro semestre de 2023.

Dito isso, em que pese haver opiniões dissidentes, entendo que a motivação da dispensa é o que mais se coaduna aos princípios estabelecidos no artigo 37 da Constituição Federal, de observância obrigatória a todos os entes da administração pública, seja direta ou indireta, de qualquer ente da federação.

Sob este aspecto, há quem diga que o fato de as estatais se submeterem ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários, nos termos do artigo 173, §1º, II, da Constituição Federal, seria razão suficiente para afastar qualquer necessidade de motivação de seus atos.

Ocorre que não obstante a Carta Magna tenha previsto essa sujeição, ao realizar uma interpretação sistemática e teleológica da Constituição, facilmente chega-se à conclusão de que o regime jurídico das empresas estatais tem natureza híbrida, fato com o condão de sujeitar os entes mencionados à normas aplicadas ao regime jurídico de direito público em diversas situações.

Em outras palavras, malgrado o patrimônio de uma estatal ser constituído por bens privados, ser possível, em regra, penhorar os seus bens, salvo afetação à serviço público, os atos praticados serem caracterizados, em regra, como privados e o regime de pessoal ser o celetista, há inúmeras situações em que as entidades referidas se submetem a tratamento diferenciado aos entes privados em geral.

Nesse sentido, a título de exemplificação, é possível citar a exigência da realização de licitação para contratações como regra geral, de concursos públicos para a admissão de pessoal, a impossibilidade da decretação de falência, o controle pelas Cortes de Contas, entre outros, ante o interesse público envolvido.

Ao que se vê, portanto, as estatais podem e devem ser tratadas de maneira diferenciada nas situações em que se exige a observância de normas constitucionais, legais e até mesmo infralegais, ainda que as diferencie do tratamento aplicado ao setor privado, por se tratar de entes da administração pública sujeitos a limites específicos.

No ponto, como perfeitamente esclarecido em voto de lavra do Ministro Ricardo Lewandowski, "Os empregados públicos não fazem jus à estabilidade prevista no art. 41 da CF, salvo aqueles admitidos em período anterior ao advento da EC  19/98. Precedentes. II - Em atenção, no entanto, aos princípios da impessoalidade e isonomia, que regem a admissão por concurso publico, a dispensa do empregado de empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos deve ser motivada, assegurando-se, assim, que tais princípios, observados no momento daquela admissão, sejam também respeitados por ocasião da dispensa. III - A motivação do ato de dispensa, assim, visa a resguardar o empregado de uma possível quebra do postulado da impessoalidade por parte do agente estatal investido do poder de demitir" (RE 589.998/PI; Plenário, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; Data de Julgamento: 20.3.13).

Significa dizer, o fato de haver a necessidade de motivar os atos praticados não se equipara a eventual estabelecimento de estabilidade ao empregado, uma vez que não seria exigido que essas empresas condicionassem a dispensa a um justo motivo, tampouco obrigando a estatal a realizar processo administrativo ou qualquer outro procedimento com contraditório para possibilitar uma despedida decidida por razões meramente pertinentes às próprias empresas.

Não bastasse, não encontra guarida o argumento de que o dever de motivação impediria a atuação do ente da administração em condições de igualdade aos demais do setor privado, uma vez que além de não se exigir justo motivo pela ausência de estabilidade, a prática propiciaria segurança aos empregados, fato com o condão de proporcionar até mesmo maior interesse por parte dos profissionais em fazer parte do corpo de funcionários das empresas.

Afinal, motivar atos inevitavelmente reduz a chance de perseguições e tomada de decisões infundadas, por possibilitar um controle maior por parte de toda a sociedade, privilegiando os princípios relativos à impessoalidade e moralidade, sem mencionar a inexistência da incompatibilidade da edição do ato formal especificado com o regime próprio das empresas estatais, pelas razões já expostas.

Ainda, na medida em que os empregados públicos da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos se beneficiaram com a anterior decisão tomada pela Corte Superior, patente que por uma questão de isonomia os demais também tenham o direito de seres despedidos somente com a edição de ato com a devida motivação, por não haver no caso concreto um motivo que justifique uma discriminação positiva, isto é, a aplicação da tese para apenas uma estatal.

Dessa forma, diante de um tema tão relevante, espera-se que o Supremo Tribunal Federal  leve em consideração a necessidade da aplicabilidade dos princípios da administração pública às entidades estatais, além da valorização devida ao serviço público e ao princípio do concurso público, constantemente alvos de tentativas de precarização e aparelhamento do estado para fins privados.

Guilherme Lobato de Oliveira Lima

VIP Guilherme Lobato de Oliveira Lima

Advogado. Possui graduação em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-Graduado em Processo Civil pela Fundação Getulio Vargas. Tem experiência em contencioso cível estratégico.

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