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Unidades de inteligência financeira e o combate à lavagem de capitais

No âmbito do sistema de combate à lavagem de capitais, as informações fornecidas pelas pessoas obrigadas à unidade de inteligência financeira são cruciais para munir os órgãos de persecução criminal de elementos suficientes para dar início a investigações relativas ao cometimento de crime de lavagem de dinheiro, bem como para subsidiar as investigações em curso.

terça-feira, 9 de maio de 2023

Atualizado em 10 de maio de 2023 10:38

Introdução

No centro da estrutura de governança de combate à lavagem de capitais de qualquer nação se encontra um ator fundamental para a consecução desse objetivo1. Trata-se da Unidade de Inteligência Financeira (UIF), órgão responsável por receber, analisar e disseminar os relatórios de inteligência financeira elaborados para subsidiar as agências policiais e ministeriais na persecução penal do crime de lavagem de ativos.

Além de funcionar como órgão de consolidação e tratamento de informações financeiras, as UIFs também desempenham importante interface com outras entidades, locais e internacionais, em seu papel de coordenação de atividades destinadas a tornar o combate à lavagem de capitais e a recuperação de ativos mais eficiente e efetivo2.

A existência de um órgão central responsável pelo tratamento de informações financeiras é elemento fundamental para maior efetividade no combate a atividades vinculadas à lavagem de capitais, conforme se observa nas publicações do Financial Action Task Force (FATF) que recomenda3 a implantação de unidades nacionais de inteligência financeira com competência para centralizar o recebimento e a análise de comunicações de transações suspeitas e outras informações relevantes para o combate à lavagem de dinheiro, crimes antecedentes, bem como para a divulgação dos resultados dessas análises.

Nessa perspectiva, considerando-se a relevância do papel desempenhado pelas unidades de inteligência financeira no combate à lavagem de capitais, o presente artigo tem por objetivo descrever os tipos de UIF existentes, apresentar os fluxos típicos de informações de uma unidade de inteligência financeira administrativa e apresentar as principais competências da unidade de inteligência financeira do Brasil.

TIPOS DE UNIDADES DE INTELIGÊNCIA FINANCEIRA

Apesar de todas as UIFs desempenharem as funções de recebimento, análise e disseminação de informações financeiras, a forma como essas competências são executadas pode variar, a depender de como são organizadas na estrutura administrativa do país de origem.

Nesse sentido, ao passo que em alguns países as UIFs estão vinculadas diretamente aos órgãos de persecução penal, em outros, elas funcionam como uma interface entre as instituições financeiras e agências policiais e ministeriais4. As principais formas de organização das UIFs são: administrativas; departamentos especializados das agências policiais; departamentos especializados das agências judiciais e ministeriais; e mistas.

Administrativa

A principal característica de unidades de inteligência financeira administrativa é funcionar como um repositório de tratamento e disseminação de informações financeiras entre as pessoas obrigadas a comunicar operações suspeitas e as agências policiais e ministeriais. Frequentemente, esse tipo de UIF é parte integrante da estrutura administrativa de algum órgão ou entidade da administração pública, sendo poucos os casos de estruturas administrativas totalmente independentes5.

Nesse tipo de estrutura organizacional, apesar de as instituições financeiras estarem mais dispostas a compartilhar as informações financeiras com as unidades de inteligência, por entenderem que a disseminação das informações estará limitada a casos de lavagem de dinheiro e de financiamento ao terrorismo, existe maior risco de ingerência política no órgão, a menos que a estrutura administrativa seja completamente independente6.

Departamento especializado das agências policiais (law-enforcement)

Unidades de inteligência financeira vinculadas a agências policiais, geralmente, trabalham em estreita sintonia com outros departamentos de investigação, como, por exemplo, com unidades de crimes financeiros. Apesar da agilidade de comunicação com as equipes de investigação, as unidades de inteligência deste tipo costumam alocar seus recursos - financeiros, tecnológicos e humanos - majoritariamente em atividades de investigação, em detrimento de ações preventivas de lavagem de capitais e de combate ao financiamento do terrorismo7.

Departamento especializado das agências judiciais e ministeriais

Alguns países posicionam suas unidades de inteligência financeira dentro da estrutura do sistema judicial, notadamente dentro da estrutura organizacional do próprio Poder Judiciário ou do Ministério Público. Em países onde se observam rígidas regras de privacidade sobre as operações financeiras, o posicionamento das UIFs dentro da estrutura do Poder Judiciário ou do Ministério Público pode assegurar uma maior cooperação das instituições financeiras8.

Hibridas

Alguns países optam por combinar diferentes estruturas organizacionais de unidades de inteligência financeira com a finalidade de obter vantagens específicas provenientes de cada tipo de UIF9.

FLUXO DE INFORMAÇÕES TÍPICO DE UMA UNIDADE DE INTELIGÊNCIA FINANCEIRA ADMINISTRATIVA

No âmbito do sistema de combate à lavagem de capitais, as informações fornecidas pelas pessoas obrigadas à unidade de inteligência financeira são cruciais para munir os órgãos de persecução criminal de elementos suficientes para dar início a investigações relativas ao cometimento de crime de lavagem de dinheiro, bem como para subsidiar as investigações em curso10.

Em regra, os fluxos de informações típicos de uma UIF podem ser classificados como fluxo de informação ativo (FIA) ou passivo (FIP), a depender se a iniciativa de compartilhamento de informações foi realizada de ofício pela UIF ou se foi decorrente de uma solicitação de intercâmbio de informações realizada por autoridades competentes, respectivamente.

No primeiro caso, a UIF recebe as comunicações relativas a transações em espécie ou a operações suspeitas, tanto de instituições financeiras como de outras entidades susceptíveis de serem utilizadas por criminosos para a lavagem de capitais, realiza as análises necessárias sobre as informações e, a depender do resultado da avaliação de risco, elabora relatórios de inteligência financeira para compartilhamento com agências policiais e ministeriais locais, bem como com outras unidades de inteligência financeira estrangeiras11.

No segundo, autoridades responsáveis pela persecução criminal, durante procedimentos inquisitoriais de investigação, encaminham solicitações de intercâmbio de informações à UIF, no intuito de verificar a existência de operações suspeitas de lavagem de dinheiro por determinado conjunto de investigados12.

CONSELHO DE CONTROLE DE ATIVIDADES FINANCEIRAS - COAF

As competências do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), bem como sua posição dentro da estrutura da administração pública brasileira, fazem com que a unidade de inteligência financeira brasileira seja classificada como uma UIF administrativa, que, além de desempenhar competências próprias de unidades de inteligência financeira -  receber, examinar e disseminar relatórios de inteligência financeira com outros órgãos e entidades -, também desempenha o papel de regulador e supervisor de entidades obrigadas a colaborar com o combate à lavagem de capitais para as quais não exista órgão fiscalizador próprio13.

Nesse contexto de subsidiariedade e de complementariedade da regulação e da supervisão de sujeitos obrigados, vigente no atual sistema brasileiro de combate à lavagem de capitais, o Coaf elabora um conjunto de normativos14, na forma do art. 14, § 1º, da lei 9.613/98, que estabelecem os procedimentos a serem observados por pessoas físicas ou jurídicas que: i) comercializem joias, pedras e metais preciosos15; ii) comercializem bens de luxo ou de alto valor ou intermedeiem a sua comercialização16; iii) atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas ou artistas17; e iv) empresas de fomento comercial ou mercantil (factoring)18.

No tocante ao fluxo de informações financeiras, além de o Coaf disponibilizar aos órgãos de persecução penal relatórios de inteligência financeira elaborados a partir das informações constantes das comunicações recebidas pelos sujeitos obrigados, também coopera com as autoridades competentes, por meio do Sistema Eletrônico de Intercâmbio (SEI-C)19, respondendo solicitações de intercâmbio de informações que devem conter: i) o número e a natureza do procedimento de investigação instaurado; ii) informações sobre os fundados indícios da existência dos ilícitos sob investigação, com a indicação dos respectivos tipos penais; e a iii) identificação das pessoas envolvidas na investigação, com a indicação do nome e do CPF ou CNPJ, conforme o caso20.

CONCLUSÃO

As unidades de inteligência financeira são órgãos de suma importância para a eficácia do sistema internacional de combate à lavagem de capitais, e podem possuir configurações organizacionais que variam de acordo com o país de origem e com os benefícios almejados com sua implementação.

Apesar de constituírem um verdadeiro repositório central de tratamento e de disseminação de informações financeiras, as unidades de inteligência financeira ainda podem ser utilizadas para preencher lacunas de investigações criminais em curso, que envolvam tanto as infrações penais antecedentes quanto o delito de lavagem de capitais propriamente dito, possuindo mecanismos de intercâmbio de informações para subsidiar as ações inquisitoriais das agências policiais e ministeriais.

No Brasil, além de o Conselho de Controle de Atividades Financeiras desempenhar as típicas competências de unidade de inteligência financeira - receber, analisar e disseminar informações financeiras - também é o órgão responsável por regular e supervisionar setores obrigados a colaborar com o combate à lavagem de capitais para os quais não exista órgão regulador específico.

A regulação e supervisão de setores obrigados para os quais exista órgão fiscalizador específico recaem sobre o próprio órgão de fiscalização - a exemplo do Bacen, da CVM, da Susep, da Previc etc -, em virtude do contexto de subsidiariedade e de complementariedade da regulação existentes no país, bem como da maior expertise que possuem os órgãos especializados em apontar situações suspeitas de lavagem de dinheiro que podem ocorrer nos respectivos mercados regulados.

_________________

No panorama internacional, as Convenções de Palermo (Decreto 5.015/2004. Artigo 7.1.b) e de Mérida (Decreto 5.687/2006. Artigo 14.1.b) estabelecem que as autoridades responsáveis pela detecção e repressão à lavagem de capitais devem considerar a possibilidade de criar um serviço de informação financeira que funcione como centro nacional de coleta, análise e difusão de informação relativa a eventuais atividades de lavagem de dinheiro. 

2 A Convenção de Mérida (Decreto 5.687/2006), em seu Artigo 58, estabelece a diretriz segundo a qual os Estados Partes devem cooperar entre si a fim de impedir e combater a transferência do produto de quaisquer delitos qualificados de acordo com a referida Convenção e promover meios para recuperar o mencionado produto e, para tal fim, considerarão a possibilidade de estabelecer um departamento de inteligência financeira que se encarregará de receber, analisar e dar a conhecer às autoridades competentes toda informação relacionada com as transações financeiras suspeitas.

3 Recommendation 29 do FATF. The FATF Recommendations. 2022. Disponível em: https://www.fatf-gafi.org/en/publications/Fatfrecommendations/Fatf-recommendations.html. p. 24.

4 IMF. Financial Intelligence Units: An Overview. 2004. Internacional Monetary Fund. Disponível em https://www.imf.org/external/pubs/ft/fiu/fiu.pdf. p. 9.

5 Ibid., p. 10.

6 Ibid., p. 11.

7 Ibid., p. 14.

8 Ibid., p. 16.

9 Ibid., p. 17.

10 Para maiores informações sobre a importância das pessoas obrigadas para um efetivo combate à lavagem de capitais: https://www.migalhas.com.br/depeso/385845/a-vigilancia-privada-para-um-efetivo-combate-a-lavagem-de-capitais

11 IMF. Financial Intelligence Units: An Overview. 2004. Internacional Monetary Fund. Disponível em https://www.imf.org/external/pubs/ft/fiu/fiu.pdf. p. 4.

12 COAF. Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Inteligência financeira. Disponível em https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/prevencao-lavagem-dinheiro/inteligencia-financeira.

13 De acordo com o art. 14, § 1º, da Lei de Lavagem de Capitais, as instruções referidas no art. 10 destinadas às pessoas mencionadas no art. 9º, para as quais não exista órgão próprio fiscalizador ou regulador, serão expedidas pelo Coaf, competindo-lhe, para esses casos, a definição das pessoas abrangidas e a aplicação das sanções enumeradas no art. 12.

14 Coaf. Quem são os supervisionados pelo Coaf? Disponível em https://www.gov.br/coaf/pt-br/assuntos/avaliacao-nacional-de-riscos/quem-sao-as-pessoas-supervisionadas-pelo-coaf.

15 Coaf. Resolução nº 23, de 20 de dezembro de 2012. Disponível em https://www.gov.br/coaf/pt-br/acesso-a-informacao/Institucional/a-atividade-de-supervisao/regulacao/supervisao/normas-1/resolucao-no-23-de-20-de-dezembro-de-2012.

16 Coaf. Resolução nº 25, de 16 de janeiro de 2013. Disponível em https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&data=18/01/2013&pagina=13.

17 Coaf. Resolução nº 30, de 4 de maio de 2018. Disponível em https://www.gov.br/coaf/pt-br/acesso-a-informacao/Institucional/a-atividade-de-supervisao/regulacao/supervisao/normas-1/resolucao-no-30-de-4-de-maio-de-2018.

18 Coaf. Resolução nº 41, de 8 de agosto de 2022. Disponível em https://www.gov.br/coaf/pt-br/acesso-a-informacao/Institucional/a-atividade-de-supervisao/regulacao/supervisao/normas-1/resolucao-coaf-no-041-de-08-08.2022.

19 Para maiores informações: https://www.gov.br/coaf/pt-br/sistemas/sei-c 

20 Coaf. Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Inteligência financeira. Disponível em https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/prevencao-lavagem-dinheiro/inteligencia-financeira.

Thiago da Cunha Brito

VIP Thiago da Cunha Brito

Auditor Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União. LLM Direito Penal Econômico (IDP). Graduação Direito (IDP). Lic. Engenharia Informática (ISEP). Pós-graduado Marketing (UMinho).

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