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A responsabilidade trabalhista da sociedade anônima do futebol, de acordo com a lei 14.193/21

Embora nos pareça que a lei 14.193/21 seja clara ao traçar os limites da responsabilidade da SAF pelas obrigações trabalhistas, ainda não há um consenso na Justiça do Trabalho.

quarta-feira, 24 de maio de 2023

Atualizado às 07:41

A lei 14.193/21, de 6/8/21, criou a Sociedade Anônima do Futebol (SAF), uma companhia voltada à prática profissional de futebol feminino e masculino. No Brasil, grandes clubes como Cruzeiro, Vasco e Botafogo já adotaram tal formato de "clube-empresa", contando com investimentos de grandes nomes como, o ex-jogador Ronaldo Nazário, o grupo de investimentos "777 Partners" e o executivo John Textor.           

Essa lei trouxe algumas mudanças à Lei Pelé e ao Código Civil (que regulavam o assunto), o que tem gerado muita discussão entre aqueles que atuam com Direito Desportivo.

Este é o caso da responsabilidade trabalhista atribuída à SAF. De acordo com a lei 14.193/21, tal Sociedade não responde pelas obrigações do clube ou da pessoa jurídica que a constituiu, salvo em se tratando das atividades específicas de seu objeto social1. Nesses casos, a lei dispõe que os pagamentos de eventuais credores trabalhistas serão feitos por meio de receitas que serão transferidas pela SAF ao clube ou à pessoa jurídica originária2. A lei prevê, ainda, que, enquanto tais receitas forem transferidas, é proibida qualquer forma de constrição ao patrimônio ou à receita da SAF (como, penhoras, bloqueios etc.).3

No entanto, o que se tem visto, na prática, são algumas decisões proferidas na Justiça do Trabalho reconhecendo a existência de um "grupo econômico" entre a SAF e o clube ou pessoa jurídica que a constituiu.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê a existência de um grupo econômico sempre que uma ou mais empresas tiverem o mesmo controlador ou quando duas ou mais empresas tiverem sócios ou acionistas comuns e atuarem de forma coordenada e com interesses comuns. Uma vez reconhecido o grupo econômico, todas as empresas que o compõem teriam responsabilidade solidária, ou seja, um credor poderia cobrar uma dívida (sem limite) contra qualquer membro desse grupo.

Essas decisões permitiriam que credores passassem à frente dos demais, que estivessem recebendo seus pagamentos dos clubes originais.

Esse não nos parece, contudo, o melhor entendimento. A lei 14.193/21 é mais específica, devendo prevalecer sobre os dispositivos (mais gerais) contidos na CLT. Sendo assim, uma vez que a legislação especial é explícita ao determinar os exatos limites da responsabilização da SAF, bem como o modo com que as dívidas deverão ser adimplidas, não há que se falar em responsabilização da SAF de outra maneira que não nos exatos moldes previstos pela lei.

Dessa forma, a responsabilidade da SAF restringe-se a destinar para o clube ou para a pessoa jurídica originária (i) 20% das receitas correntes mensais por ela auferidas, conforme plano aprovado pelos credores e (ii) 50% dos dividendos, dos juros sobre o capital próprio ou de outra remuneração recebida desta, na condição de acionista4, como, inclusive, já reconhecido judicialmente5. Cabe ao clube ou à pessoa jurídica original que recebe esses valores realizar o pagamento dos débitos, inclusive trabalhistas, não sendo razoável atribuir à SAF a responsabilidade solidária de adimplir diretamente as verbas trabalhistas devidas após já ter feito os repasses previstos na lei 14.193/21.

Além disso, como a própria legislação prevê tão somente a responsabilidade subsidiária da SAF e, mesmo assim, em condições e limites específicos6, não há que se falar em solidariedade entre a SAF e o clube originário.

Embora nos pareça que a lei 14.193/21 seja clara ao traçar os limites da responsabilidade da SAF pelas obrigações trabalhistas, ainda não há um consenso na Justiça do Trabalho. É fundamental uma melhor reflexão a respeito do tema, pois a legislação tem boas respostas aos credores trabalhistas, sem a necessidade de se buscar outras formas de ressarcimento, algumas delas, em detrimento de outros credores ou da sobrevivência da própria SAF.

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1 Artigo 9º da lei 14.193/2021

2 Artigo 10 da lei 14.193/2021

3 Artigo 12 da lei 14.193/2021

4 Artigo 10, incisos I e II

5 Processo 0100240-44.2022.5.01.0043. Nessa decisão, a magistrada da 43ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro entendeu que a obrigação da SAF restringe-se ao repasse das verbas previstas no artigo 10 da Lei nº 14.193/2021, não havendo que se falar em grupo econômico ou sucessão trabalhista. A inclusão da SAF no polo passivo da demanda, segundo a decisão, poderia ocorrer apenas em caso de descumprimento comprovado da obrigação legal de repasse dos valores.

6 Artigo 24 da lei 14.193/2021

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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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Maurício Fróes Guidi

Maurício Fróes Guidi

Advogado. Sócio de Pinheiro Neto Advogados.

Lucas Amaral Cunha Camargo

Lucas Amaral Cunha Camargo

Associado de Pinheiro Neto Advogados.

Isabella Cocchiola Silva

Isabella Cocchiola Silva

Integrante de Pinheiro Neto Advogados.

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