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Alimentos avoengos, possibilidades e execução

Os alimentos avoengos são passíveis de arbitramento e execução, até mesmo solidários entre si, mas jamais pelo rito da prisão.

terça-feira, 13 de junho de 2023

Atualizado às 14:35

No direito brasileiro resta muito bem definido pelo Código Civil a regulamentação dos alimentos, tanto por parte de quem os requer, como daqueles que devem prestá-los.

Resta claro que podem os parentes pedir uns aos outros o auxílio alimentar para que possam viver de forma digna, sendo providas necessidades básicas como educação, segurança e saúde.

Importante dizer, que na fixação dos alimentos, deve imperar a proporcionalidade, de modo a se evitar o enriquecimento ilícito e a subsistência da necessidade de quem os pleiteia.

Tal questão deve ser minuciosamente analisada pelo juiz no caso concreto, ao passo que, além da proporcionalidade, há de se averiguar a ausência de bens ou sustento pelo próprio trabalho de quem os pede, além da possibilidade da prestação de quem os deve, sem que comprometa a sua própria mantença.

Imperioso mencionar, o fato de que não se exige que o padrão de vida do alimentado se mantenha compatível com o anterior, mas sim que seja assegurada a real compatibilidade com a condição social a que aquele se insere.

Na maioria das vezes quem recebe alimentos, seja um ex cônjuge, seja um filho, terá o seu padrão de vida diminuído, não se autorizando, porém, o seu decaimento da escala social que desfrutava, afastando-se dos seus grupos sociais originários.1

Poderíamos, ainda, mencionar situações interessantes, como a prestação de alimentos voluntários por terceiros não obrigados, que podem reaver o despendido daquele legalmente obrigado, além da diferenciação dos alimentos civis e naturais e o dever de se prestar alimentos entre parentes unidos pelo vínculo da afinidade, porém a análise dessas questões extrapolaria o objeto ora de estudo.

Adentrando ao cerne da questão, a obrigação alimentícia avoenga não possui a característica da solidariedade, mas sim da subsidiariedade.

A lei é clara2, ao atestar que os alimentos são obrigação entre pais e filhos, além de extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação sempre nos mais próximos, e, apenas na ausência ou impossibilidade desses, nos de grau sucessivamente mais remoto.

Pois bem. É ai que se indaga acerca da possibilidade da prestação alimentícia pelos avós, na falta ou impossibilidade material de prestá-los pelos genitores daquele que deles necessita.

Os alimentos consubstanciam prática de tamanha relevância, que até mesmo a suspensão ou destituição do poder familiar não exoneram os genitores da sua regular prestação.3

Caso assim o fosse, a perda do poder familiar consistiria em um prêmio, mas não em uma sanção civil.

Nessa seara, surge a responsabilidade dos avós daqueles que necessitam de alimentos, na falta ou impossibilidade dos alimentandos ou alimentantes originários.

É fato notório tanto na doutrina, como na jurisprudência, que os avós podem ser responsabilizados pela prestação de alimentos no lugar dos pais.

Antes de adentrarmos no tema, cumpre esclarecer que não somente aos ascendentes cabe o dever de prestar alimentos, na falta desses, caberá aos descendentes e aos irmãos o aludido dever.4

O tema central do presente ensaio diz respeito ao dever e a possibilidade de chamamento dos avós na prestação de oferecer alimentos, no que a doutrina classificou como alimentos avoengos.

Ressalta-se, o fato de que consiste em obrigação subsidiária, jamais solidária, não se revelando possível o chamamento dos avós apenas em razão dos pais proverem um valor baixo ou não serem pontuais na obrigação.

Importante lembrar que, no direito civil a solidariedade não se presume, decorre da lei ou da vontade das partes.

O fato de a condição financeira dos avós ser superior à dos pais não é suficiente para que aqueles sejam responsabilizados a prestação alimentícia.

O filho, enquanto menor ou sob o poder familiar, deve possuir a condição de vida condizente com a de seus pais, não se revelando adequado chamar aqueles subsidiariamente responsáveis por terem um melhor padrão social.5

As obrigações civis resultam da lei, mas podem surgir por mera liberalidade de quem as provê.

Aqueles avós que possuem uma excelente condição financeira, podem optar em ajudar os seus netos, mas jamais serem compelidos a fazê-lo de maneira forçada, antes de obrigados os genitores.

Para isso, é necessária a clara comprovação da impossibilidade dos pais, atraindo o ônus avoengo no melhor interesse do menor ou, sendo maior, excetuada por uma razão especial.6

Além disso, atingida a maioridade, ou desaparecida a condição de necessidade que ensejou a responsabilização dos avós, necessária se faz a exoneração do encargo.

O único exemplo de responsabilidade solidária na prestação de alimentos em nosso ordenamento jurídico encontra-se no Estatuto do Idoso, que no seu artigo doze, alude que a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores.

Passada a definição e a possibilidade da prestação de alimentos pelos avós, surgem algumas indagações acerca do tema, digamos controvertidas, ao passo que a própria aplicação do artigo 1.698, do Código Civil é controvertida nos tribunais pátrios, não havendo uma unidade ou convergência jurisprudencial.

Insta deixar claro, primeiramente, que o Código de Processo Civil ao regulamentar o cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de prestar alimentos, artigo 528, não faz distinção acerca de quais avós devam ser chamados para cumprir a obrigação, tampouco da possibilidade ou não da inclusão de todos no polo passivo.

Ou seja, apenas aduz que o condenado a prestação alimentícia se submeterá as regras executivas daquele capítulo.

Porém, deve-se deixar claro, o fato de que caso seja condenado um avô, ou todos em litisconsórcio e em medidas iguais, os pais não podem ser incluídos em eventual execução pela inadimplência daqueles.

O cumprimento de qualquer sentença só e possível entre aqueles constantes na ação de conhecimento, não fazendo coisa julgada entre os que não participaram da ação, qualificados como terceiros.

Portanto, os efeitos de eventual execução, seja pelo rito da penhora ou da prisão, não poderão recair sobre aqueles.

Na hipótese de ausência de condição comprovada do cumprimento do encargo de alimentar os filhos, os avós poderão ser chamados para cumpri-lo.

Porém, entendo que essa obrigação, perpassado o caráter subsidiário da obrigação, deverá ser solidária entre os avós vivos e que possuírem condições para tanto.

A título de exemplo, caso se demande em face de um avô materno, esse poderá chamar ao processo os demais, posto que, nesse estágio, trata-se de uma obrigação solidária.

A esse respeito, interessante decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios:

APELAÇÃO. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ALIMENTOS AVOENGOS. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA, COMPLEMENTAR, SOLIDÁRIA E CONCORRENTE DOS AVÔS PATERNOS E MATERNOS. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DOS AVÓS MATERNOS. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. NULIDADE EX OFFICIO. ART. 115, PARAGRÁFO ÚNICO, DO CPC. SENTENÇA CASSADA.

  1. A obrigação alimentícia é subsidiária e complementar, sendo extensiva a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns na falta dos outros, se demonstrada a incapacidade do parente que deve prestar alimentos em primeiro lugar, segundo os arts. 1.696 e 1.698, do CPC.
  2. Em se tratando de alimentos avoengos, há litisconsórcio necessário entre os avôs paternos e maternos, diante da responsabilidade solidária e concorrente pela manutenção e provimento da obrigação alimentícia por força do dever de ascendência, descendência e consanguinidade. Precedentes do colendo STJ.
  3. A ausência de citação dos avós maternos para compor o polo passivo da demanda configura nulidade processual, que, por se tratar de matéria de ordem pública, pode ser declarada ex officio.
  4. Nulidade processual declarada ex officio por ausência de chamamento de litisconsorte necessário. Sentença cassada. Determinado o retorno dos autos ao juízo de origem para os fins do art. 115, parágrafo único, do CPC.

(Acórdão 1133350, 20170110143686APC, Relator: ARNOLDO CAMANHO, 4ª TURMA CÍVEL)

O entendimento encontra amplo espectro de divergência, ao passo que há a exegese de que se trata de um litisconsórcio facultativo, podendo o avô chamar os demais para integrar a lide, bem como sendo litisconsórcio necessário, por se tratar de responsabilidade solidária e concorrente, de acordo com a compreensão exarada no acórdão acima colacionado.

No que diz respeito ao tema mais sensível que ronda o assunto, há a possibilidade de prisão civil dos avós em eventual inadimplência da obrigação alimentar assumida.

Em que pese a possibilidade da execução de alimentos pelo rito da prisão, inexistindo qualquer distinção acerca da inadimplência dos alimentos avoengos, não parece a melhor solução.

Vale lembrar, que a obrigação dos avós na prestação de alimentos é subsidiária, o que denota um caráter diferente para esse tipo de procedimento.

Além de tal fato, não se amolda com a proteção ao idoso a sua inserção no sistema penitenciário, em decorrência de dívida civil, por não guardar relação com qualquer crime, denotando a ausência de periculosidade, assumindo total desproporcionalidade.

Outrossim, existem meios eficazes e passíveis para o cumprimento da obrigação, como a penhora e expropriação de bens.

Vai de encontro ao sistema protetivo do idoso, bem como navega pelas balizas da irrazoabilidade, lançar na prisão avós, não sendo detentores primários da obrigação e que fazem as vezes de pais, muitas vezes irresponsáveis, no intuito de manter seus netos.

Existem precedentes do STJ, concedendo a ordem, em habeas corpus, a pacientes idosos que tiveram ordem de prisão expedida e cumprida, perfazendo-se o melhor direito.7

A situação deve se alterar um pouco quando não se tratar de avós idosos, ainda abaixo dos sessenta anos.

Penso que o caso concreto, mesmo quando tratar de avós não idosos, deva-se pautar por uma análise minuciosa e junto ao fato de que os avós são responsáveis subsidiários.

Independentemente da idade, não possuem a obrigação primária, como ascendentes e descendentes mediatos, bem como os colaterais, sempre na ausência ou impossibilidade daqueles que deveriam cumprir a obrigação em primeiro lugar.

Posto isto, os alimentos avoengos são passíveis de arbitramento e execução, até mesmo solidários entre si, mas jamais pelo rito da prisão, seja pelo fato da idade avançada, pela ausência de periculosidade e sentido manter um idoso detido por esse motivo, bem como pela natureza da obrigação avoenga, qual seja, mediata e subsidiária.

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1 PAULO LÔBO, Famílias, Saraiva, 2008, p. 360

2 Art. 1.696, Código Civil

3 CRISTIANO CHAVES DE FARIAS, Alimentos decorrentes do parentesco, in ALIMENTOS NO CÓDIGO CIVIL, IBDFAM, Saraiva, p. 54/55

4 Art. 1697, Código Civil e Súmula 596 do STJ

5 ADRIANA KRUCHIN, Obrigação alimentar dos avós, in Grandes Temas da Atualidade, Vol. 5, Forense, 2006, p. 11/12

6 Apelação Cível 07278958820218070000, TJDFT

7 HC 416.886/SP

Luís Eduardo de Resende Moraes Oliveira

VIP Luís Eduardo de Resende Moraes Oliveira

Advogado e especialista em direito processual civil. Membro da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil.

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