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Contrato de trespasse e a responsabilidade das partes

Clarice Souza Martins e Leonardo Theon de Moraes

Ao elaborar o Contrato de Trespasse, todas as premissas fixadas previamente devem ser levadas em conta, principalmente para que não haja omissão contratual ou para que seja possível prever de forma diversa da lei ou até mesmo resguardar o cumprimento do contrato nos casos de relacionamento com credores e devedores, ou seja, terceiros à relação contratual.

sexta-feira, 16 de junho de 2023

Atualizado em 15 de junho de 2023 14:30

O Contrato de Trespasse é comumente adotado por empreendedores no momento da transferência de um estabelecimento comercial que, conceitualmente, caracteriza-se pela venda do complexo de bens, corpóreos ou incorpóreos, especialmente organizado para desenvolver atividades empresariais, seja por empresário ou por sociedade empresária.

Neste tipo de negócio, as partes deverão especialmente se atentar à formalização das particularidades negociadas, através de contrato próprio, a fim de delimitar os deveres e diretos de cada uma. Aqui, é importante mencionar que nos casos em que o contrato firmado for omisso ou não possuir previsão de forma diversa da lei, caberá a aplicação da regra dos arts. 1.142 a 1.149 do Código Civil Brasileiro.

Por outro lado, além da relação jurídica entre as próprias partes contratantes, elas também estarão submetidas à responsabilidade perante terceiros, razão pela qual deverão ser adotadas medidas que vão desde a notificação dos credores, especialmente da parte alienante, até a o registro do Contrato de Trespasse perante a junta comercial e publicação em jornal de grande circulação.

É importante ter em mente que o cumprimento de tais requisitos e a cautela de informar os credores têm o objetivo de fixar o marco temporal que dará início ao prazo para extinção da responsabilidade do alienante quanto à algumas obrigações. Desta forma, as partes se resguardarão entre si e perante terceiros, mitigando boa parte das discussões referentes à transferência do estabelecimento comercial.

Nessa linha, oportuno ponderar sobre alguns dos principais tópicos envolvendo o trespasse:

Responsabilidade das partes

No Contrato de Trespasse, é de suma importância que as partes prevejam a extensão da responsabilidade após a venda do estabelecimento comercial e disponham sobre o tratamento a ser dado às dívidas reconhecidas e eventuais passivos ainda não reconhecidos do alienante.

Conforme previsão legal, caso o alienante não reste com bens suficientes para pagamento de suas dívidas, a eficácia do Contrato de Trespasse dependerá da quitação integral com os credores ou a obtenção do consentimento destes quanto à alienação do estabelecimento comercial. Significa, portanto, que ao iniciar as tratativas sobre a transferência do estabelecimento, o alienante precisa decidir qual estratégia assumirá: (i) manutenção de bens suficientes para quitação dos credores; (ii) quitação integral das dívidas; (iii) notificação aos credores informando o trespasse, para obtenção do consentimento destes.

Outra cautela relevante é a contabilização dos passivos atrelados ao próprio estabelecimento comercial, garantindo que o adquirente assuma de forma integral a obrigação de quitar tais débitos a partir da transferência.

É válido destacar, também, que o alienante permanecerá solidariamente responsável pelo prazo de 1 ano que começará a contar a partir da publicação do Contrato de Trespasse, acima mencionada, no caso dos créditos vencidos, e a partir do vencimento, no caso dos demais créditos. Portanto, caberá às partes determinar a forma de reembolso dos valores dispendidos pelo alienante em situações que tal dispêndio caberia ao adquirente do estabelecimento.

Isto porque, usualmente, os empreendedores costumam optar por uma quarta estratégia, no sentido de prever contratualmente o marco temporal para a assunção de responsabilidade sobre as obrigações relacionadas àquele estabelecimento objeto do trespasse. Assim, as partes conseguem alocar no preço e nas condições a melhor formatação para a assunção de tais passivos, sendo certo que tal previsão garantirá às partes o direito de regresso e obtenção de reembolso, a depender do que restar fixado contratualmente.

Vedação à concorrência do alienante com o adquirente

No que tange à não concorrência entre o alienante e o adquirente, as partes também precisarão atentar para a previsão contratual, haja vista que a omissão nesse ponto gera a aplicabilidade da lei no sentido ser proibida a concorrência pelo prazo de 5 anos após a transferência.

Ademais, caso seja de vontade das partes, o contrato poderá instituir regras de vedação da concorrência exclusivamente em certo ramo de atuação, bem como localização e período.

Ausência de sub-rogação dos contratos

Após a assinatura do Contrato de Trespasse, o adquirente deve ter especial atenção à inexistência de sub-rogação (cessão automática de posição contratual) destes, principalmente o contrato de locação do imóvel em que se encontra o estabelecimento comercial. A negociação para fins de aditamento dos contratos vigentes deve ser previamente avaliada, levando em conta a hipótese de rescisão e, consequentemente, inviabilização do estabelecimento.

Inclusive, no âmbito da III Jornada de Direito Civil foi publicado o enunciado 234, restou fixado o entendimento de que: "Quando do trespasse do estabelecimento empresarial, o contrato de locação do respectivo ponto não se transmite automaticamente ao adquirente."1

Essa ausência da sub-rogação do contrato de locação pode inviabilizar o negócio como um todo, já que em grande parte das vezes a assunção do estabelecimento comercial envolve o ponto comercial, pela localização e clientela.

A depender das circunstâncias fáticas, recomenda-se, ao invés do trespasse, a própria compra e venda das quotas/ações da sociedade, tendo em vista que, nestes casos, em regra, não se faz necessária qualquer alteração no contrato de locação originalmente celebrado. Inobstante, há que ser verificada a ausência de cláusula de rescisão por mudança do controle social, implicando na análise detida dos contratos para buscar a melhor solução.

Cessão de créditos inerentes ao estabelecimento

Além da assunção dos contratos e dívidas, as partes devem atentar para a cessão dos créditos do estabelecimento, visando que os devedores passem a pagar diretamente ao adquirente. O devedor que não estiver informado e realize o pagamento ao alienante, não poderá ser responsabilizado, havendo regular quitação, restando às partes o devido repasse de valores.

Inobstante seja recorrentemente utilizado pelo empresariado, o ato de "passar o ponto" envolve diversas particularidades e consequências jurídicas que devem ser observadas no momento da transação entre as partes.

Por essa razão, ao elaborar o Contrato de Trespasse, todas as premissas fixadas previamente devem ser levadas em conta, principalmente para que não haja omissão contratual ou para que seja possível prever de forma diversa da lei ou até mesmo resguardar o cumprimento do contrato nos casos de relacionamento com credores e devedores, ou seja, terceiros à relação contratual.

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1 https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/453#:~:text=Quando%20do%20trespasse%20do%20estabelecimento,se%20transmite%20automaticamente%20ao%20adquirente

Clarice Souza Martins

Clarice Souza Martins

Advogada, graduada em direito, pela Universidade FUMEC e graduação mista pela Universidade Santo Antônio de Murcia - Espanha (2016), inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Minas Gerais (OAB/MG) (2016). Pós-graduada através do L.L.M em Direito Corporativo pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (2018). Global MBA/LLM Loyola University Chicago/IL (2019), especialista em Reorganizações Societárias pela FIPECAFI (2022) e pelo IBDT (2023), membro do Conselho Estadual de Direito Comercial da FEDERAMINAS. Advogada Sênior na Lacerda Diniz Sena (2021).

Leonardo Theon de Moraes

Leonardo Theon de Moraes

Advogado, graduado em direito, com ênfase em direito empresarial, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2012), inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP) (2012). Pós-graduado e Especialista em Direito Empresarial pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (2014), Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2017), autor de livros e artigos, palestrante, professor na graduação, MBA e Educação Executiva na FIPECAFI, membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) e Presidente do Conselho Estadual de Direito Comercial da FEDERAMINAS. Sócio fundador do TM Associados.

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