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Contratos de financiamento imobiliário pelo sistema de amortização constante (SAC) e os direitos fundamentais

É necessário que o Judiciário intervenha e promova uma modificação equitativa dos contratos, visando evitar danos financeiros para o devedor e garantir a realização do direito social à moradia.

sexta-feira, 23 de junho de 2023

Atualizado em 22 de junho de 2023 12:47

Introdução

Primeiramente, é necessário explicar a composição dos encargos mensais e anuais do financiamento, ou seja, ele é composto de uma parcela de juros remuneratórios e amortização do capital (juros remuneratórios + amortização do capital).

O plano de amortização constante é um método utilizado na gestão financeira para o reembolso de um empréstimo ou financiamento. Nesse plano, as parcelas são calculadas de forma que o valor amortizado seja constante ao longo do tempo, enquanto os juros diminuem gradualmente.

No início do plano, a maior parte do pagamento mensal é destinada ao pagamento de juros, enquanto o restante é utilizado para amortizar o valor principal. Conforme o tempo passa, a parcela destinada ao pagamento de juros diminui, enquanto a parte destinada à amortização aumenta.

É importante ressaltar que o plano de amortização constante difere do plano de amortização com juros iguais, em que as parcelas são compostas por uma parte fixa de amortização e uma parte variável de juros. No plano de amortização constante, o valor amortizado é constante ao longo do tempo, enquanto no plano com juros iguais, a parcela de juros é constante, mas a parte de amortização varia.

Todavia, ao apresentar o plano de Amortização o credor ressalta que o encargo mensal será reduzido mensalmente e com isso os valores não impactaram no orçamento do devedor. Porém, não é dito ao devedor que a redução mensal é ínfima, algo em torno de R$ 3,00 a 8,00 por mês.

Em contrapartida, as despesas fixas com plano de saúde, educação e alimentação sobem além da inflação e, desta forma, com o passar de poucos anos os serviços acima citados são descontinuados e, por fim, o Estado deverá arcar com as despesas com saúde e educação e alimentação em nome do capital.

Merece destaque que o números de leilões de imóveis sobem ano a ano, e os trabalhadores que entraram no Sistema Financeiro Imobiliário perdem seus investimentos e a expectativa do direito à propriedade e o Estado brasileiro arcará com os direitos sociais dos devedores que ficam sem saúde, educação, e moradia (geração sem SEM).

Para solucionar o problema propomos, a modificação equitativa do contrato para que seja pago imediatamente os juros remuneratórios mensalmente, juntamente com o seguro e taxas, e deste modo o credor não poderá dizer que não está recebendo a remuneração do capital. Quanto às amortizações não pagas, estas serão incluídas em uma conta em separado, mas não no saldo devedor para se evitar o anatocismo, que formará o saldo residual previsto no contrato, sendo aplicada tão somente a correção monetária.

O estudo ressalta a importância de garantir a equidade entre as partes, para que o credor receber o seu crédito e o devedor consiga pagar o capital mutuado. A política de equidade é essencial para uma sociedade justa e inclusiva.

O artigo também aborda a constitucionalização do direito civil e a necessidade de relativizar o princípio da autonomia da vontade e da liberdade contratual quando colidem com os direitos fundamentais.

Destaca-se a importância de interpretar os contratos de acordo com a real intenção das partes e não apenas com base na literalidade das cláusulas.

Conclui-se que os contratos de financiamento imobiliário pelo sistema SAC violam os direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal, e defende-se a necessidade de adaptação equitativa dos contratos para evitar danos financeiros para o devedor.

A Equidade que deve ser observada nos contratos.

Equidade refere-se à ideia de que todas as pessoas devem ter as mesmas oportunidades e recursos para alcançar seus objetivos, independentemente de suas origens ou circunstâncias.

Em vez de tratar todas as pessoas da mesma forma, a equidade reconhece que algumas pessoas enfrentam desvantagens e, portanto, requerem suporte e recursos adicionais para nivelar o campo de jogo.

A implementação de políticas e programas que visam promover a equidade é fundamental para garantir que todas as pessoas possam alcançar o seu potencial máximo e contribuir para a sociedade de maneira significativa. A equidade é frequentemente vista como um componente essencial da justiça social e deve ser perseguida para promover uma sociedade mais justa e inclusiva.

A equidade, embora justa, não é a justiça legal, contudo, é correção da justiça parcial.

No trabalho proposto, não se solicita uma revisão contratual, mas sim uma equidade contratual. Isso se deve ao fato de o contrato estabelecer que o financiamento deve ser pago, o que é um direito do credor.

No entanto, caso haja imperfeições ou distorções no contrato quando confrontado com a realidade econômica, a ponto de ferir a equidade, o credor, apesar de ter o direito garantido, poderá receber os juros de remuneração do capital, o seguro e as taxas, assim como as amortizações não pagas deste mesmo capital, as quais serão recebidas no final do prazo contratual com atualização monetária, visto que serão colocadas em conta em separado.

Nesse sentido, o contrato prevê um saldo residual, e é fundamental evitar prejuízos e a extinção do contrato, além de proporcionar moradia para a classe trabalhadora.

Portanto, uma  sentença a ser proferida deve basear-se na equidade e adequar o contrato para que ele fique equilibrado e atenda ao seu objetivo social.

É oportuno citar Aristóteles sobre o tema equidade:

"É evidente agora o que é o equitativo, e que ele é justo e superior a uma espécie de justiça. E daí está claro o que é o homem equitativo: é aquele que por escolha e hábito faz o que é equitativo, que não insiste em seus direitos de forma indevida, nas que se contenta em receber uma parte menor, embora tenha a lei a seu lado. E essa disposição descrita é a Equidade; é um tipo especial de justiça, não uma qualidade inteiramente diferente."1

Constitucionalização do Direito Civil, a liberdade e autonomia da vontade face à constitucionalização.

A constitucionalização do Direito Civil implica em considerar os direitos fundamentais como parâmetro nas relações privadas. Isso significa que a autonomia da vontade e a liberdade contratual devem ser relativizadas quando entram em conflito com os direitos fundamentais das partes envolvidas.

A Constituição Federal de 1988 estabelece a dignidade da pessoa humana e outros direitos fundamentais, os quais devem ser aplicados em todas as áreas do ordenamento jurídico.

O princípio da autonomia da vontade e o direito à liberdade contratual não podem ser absolutos, pois as cláusulas contratuais devem garantir relações justas, solidárias e dignas. Vivemos em uma sociedade atual muito diferente daquela do império romano, onde os indivíduos tinham total liberdade para contratar. Portanto, o direito civil não pode ser interpretado isoladamente, mas sim em conformidade com os princípios constitucionais.

Atualmente, é encorajada a relativização dos contratos para alcançar um equilíbrio contratual e garantir a igualdade das partes envolvidas. A revisão do direito civil, de acordo com a razão constitucional, está em curso, e esse ramo do direito não pode mais ser estudado como uma instituição separada.

A Constituição expõe discrepâncias políticas, ao estabelecer a eliminação da pobreza e das disparidades sociais como uma obrigação, mas ao mesmo tempo permitir contratos que não podem ser adaptados pelo devedor, o que vai contra a proteção do consumidor.

Essas contradições devem ser analisadas pelo Judiciário em busca de uma modificação equitativa do contrato, garantindo o mínimo existencial e preservando os direitos fundamentais das partes envolvidas.

Entretanto, a política evidencia uma contradição nesse sentido, já que é difícil de acreditar que leis ou contratos que favoreçam apenas o capital sejam aprovados ou celebrados prejudicando aqueles que mais precisam da moradia por fatores que comprometam circunstância intrínsecas do acordo sem que haja um direito de adaptá-los sem viola a base objetiva do contrato.

Os direitos fundamentais são violados pelas seguintes circunstâncias:

  1. O contrato visa atender a um fim social;
  2. O mínimo existencial resta esmagado no decorrer da execução do contrato com uma redução ínfima nos encargos mensais e, em contrapartida, as despesas fixas (Plano de Saúde, Educação e Alimentação) sobem acima da inflação;
  3. Assim, mínimo existencial é consumido nos 60 meses iniciais do contrato, e essas contradições entre as leis e a política devem ser visitadas pelo Judiciário buscando uma modificação equitativa para não extinguir o contrato.

Portanto, o juiz atendendo os princípios constitucionais relativizar o contrato (norma unilateral) através de normas processuais e constitucionais, harmonizando a norma privada com a norma secundária.

As normas secundárias são aquelas que outorgam a agentes públicos e privados poderes para modificar, criar, ou abolir as regras. Hart explica que as regras primárias incidem diretam[2]ente nas ações humanas, à medida que atribui ações ou omissões às pessoas.

Nesse contexto, o juiz desempenha um papel crucial, aplicando normas processuais e constitucionais para relativizar o contrato e harmonizá-lo com as normas secundárias, exercendo um controle privado de normas em conformidade com o duplo papel constitucional.

Os contratos SAC firmados com os bancos violam a Constituição Federal

O texto visa a discutir a problemática relacionada ao financiamento imobiliário para a classe trabalhadora, no contexto do direito fundamental à moradia.

Através do uso de recursos da poupança, o sistema de financiamento busca viabilizar a aquisição de imóveis por parte dessa classe, porém, devido a uma análise de crédito irresponsável, ocorre uma contaminação do mínimo existencial do mutuário.

O credor promete uma redução nos encargos mensais, porém, não explica que essa redução é insignificante em comparação com os aumentos praticados nos planos de saúde, educação e alimentação ao longo dos anos.

Isso resulta no agravamento das desigualdades sociais e da pobreza, levando à perda do imóvel financiado a partir do quinto ano. Nesse sentido, argumenta-se que tal prática viola o artigo 3º, inciso III da Constituição Federal.

É importante destacar a importância de uma análise de crédito inicial que não prejudique o mínimo existencial do devedor, mas ressalta que ao longo dos anos, a dificuldade de pagamento aumenta. Seria desejável que a análise de crédito ocorresse anualmente, no aniversário do contrato, a fim de evitar o desequilíbrio contratual para o devedor.

O contrato pelo plano SAC fulmina o dever constitucional do Estado erradicar a pobreza e proporcionar à moradia como os objetivos fundamentais da República, estabelecido no artigo 3º, inciso III da Constituição Federal.

As pessoas têm direito a uma existência digna, livre da pobreza, é um desdobramento desse objetivo fundamental.

Destaca-se ainda o art. 170 da Constituição, que proclama a garantir a todos a uma existência digna, observando princípios como a função social da propriedade e a defesa do consumidor.

A suposta redução nos encargos mensais é uma estratégia enganosa para induzir o trabalhador a assumir um contrato que não será capaz de honrar, uma vez que os reajustes em outras obrigações são muito maiores do que as reduções nos encargos.

O contrato pelo plano SAC é malicioso e viola os princípios de justiça contratual, como a reciprocidade, comutatividade, equivalência material, proporcionalidade e a proibição do enriquecimento sem causa.

Além disso, destaca-se que tanto o Sistema Financeiro de Habitação (SFH) quanto o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), ao utilizarem recursos da poupança, têm como objetivo fornecer moradia para a classe trabalhadora.

Portanto, o contrato em questão deveria buscar o fim social de erradicar a pobreza e as desigualdades sociais, facilitando a aquisição da moradia, conforme os artigos 3º, inciso III e 6º da Constituição Federal.

Conclusão

Com base na análise realizada, pode-se concluir que os contratos de financiamento imobiliário pelo Sistema de Amortização Constante (SAC) violam os direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal.

Esses contratos apresentam uma falta de equilíbrio entre as partes dado que seriam compatíveis apenas em um país de economia estabilizada, não podendo ser ofertados para classe trabalhadora que não tem possibilidade de aumentar os seus rendimentos antes de um ano.

O princípio da equidade é fundamental para garantir relações justas e inclusivas, assegurando que todas as pessoas tenham as mesmas oportunidades e recursos para alcançar seus objetivos. No entanto, o contrato SAC não leva em consideração essa equidade, resultando em dificuldades financeiras para o devedor.

A constitucionalização do Direito Civil implica em considerar os direitos fundamentais como parâmetro nas relações privadas e, nesse sentido, a autonomia da vontade e a liberdade contratual devem ser relativizadas quando entram em conflito com os direitos fundamentais. A interpretação dos contratos deve ser feita de acordo com a real intenção das partes e em conformidade com os princípios constitucionais.

O contrato SAC viola a Constituição Federal ao comprometer o direito fundamental à moradia e ao mínimo existencial.

A suposta redução nos encargos mensais é enganosa e não facilita os pagamentos das outras despesas fixas da família (plano de saúde, educação e alimentação) que aumentam anualmente acima da inflação, o que leva o devedor a retirar os filhos da escola, cancelar o plano de saúde para pagar o encargo mensal do credor e depois também não consegue pagar as mensalidades do financiamento levando à perda do imóvel financiado nos primeiros cinco anos.

É necessário que o Judiciário intervenha e promova uma modificação equitativa dos contratos, visando evitar danos financeiros para o devedor e garantir a realização do direito social à moradia.

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BARROSO, Curso de Direito Constitucional os conceitos fundamentais e construção do novo modelo, 9ª. edição, editora Saraiva, 2019.

GUERRA, Alexandre, Princípio da Conservação dos Negócios Jurídicos-Eficácia Jurídico-Social como Critério de Superação das Invalidades Negociais.

HART, H.L.A, Conceito de Direito, 2ª. Tiragem, editora Martins Fontes, 2018.

MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo, Revisão Contratual Onerosidade Excessiva e modificação Contratual Equitativa, Editora Almedina, 2020.

MENDES E GONET BRANCO, Curso de Direito Constitucional, Gilmar e Paulo Gustavo, Curso de Direito Constitucional, 17ª. edição, editora Saraiva, 2022.

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Ética a Nicômaco - editora Forense, Livro V, 2ª. Edição 2017

Romeu Fernando Carvalho de Souza

Romeu Fernando Carvalho de Souza

Presidente da Camerj - Central de Atendimento aos Mutuários do Estado do Rio de Janeiro.

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