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Advocacia predatória e a necessidade de combate a essa prática no Brasil

Encontrar uma forma eficaz de eliminar essa prática está longe de ser uma missão fácil, mas é certo que, embora muito desafiadora, a providência deve ser encarada como prioridade para o bem da justiça brasileira.

sábado, 8 de julho de 2023

Atualizado em 7 de julho de 2023 14:48

Muito se tem falado em advocacia predatória, notadamente no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis e na Justiça do Trabalho, sendo essa prática motivo de preocupação por parte de órgãos do Poder Judiciário.

Em linhas gerais, a advocacia predatória ou litigância predatória consiste no ajuizamento de um grande volume de demandas por um mesmo advogado ou escritório de advocacia, com pedidos similares, contendo narrativas genéricas, desprovidas de provas e com a intenção de obter importâncias indevidas, que muitas vezes sequer são repassadas ao autor da ação.

Segundo o juiz de direito Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani, da vara de Fazenda Pública de Araraquara/SP, em entrevista concedida ao portal Migalhas, a litigância predatória "consiste no ajuizamento de ações em massa, através de petições padronizadas, artificiais e recheadas de teses genéricas, em nome de pessoas vulneráveis e com o propósito de enriquecimento ilícito."

Imagina-se que isso hoje seja facilitado muito pela utilização dos meios tecnológicos e até mesmo do processo judicial eletrônico. Os oportunistas beneficiam-se do baixo custo para promover as ações, da facilidade que há na protocolização das demandas em massa, da inversão do ônus da prova e da confiança na concessão da gratuidade de justiça, para exercer essa prática.

Mas essa facilitação não é um mal em si, é só o meio. O importante é observar, acima de tudo, os elementos concretos que apontem para a ocorrência, de fato, da litigância predatória.

O simples ajuizamento de ações em massa utilizando modelos, com teses genéricas e sem o devido cuidado de adequação das peças às peculiaridades de cada caso, tudo com o intuito de dificultar a defesa do réu, já pode caracterizar a prática.

A conduta pode ser ainda mais grave quando o ajuizamento de ações aventureiras e genéricas ocorre sem haver sequer o consentimento da parte autora, situação que muitas vezes vem acompanhada do crime de falsificação de documentos.

Segundo reportagem veiculada no site da editora Justiça & Cidadania, há indícios de advocacia predatória espalhados por diversas regiões do país. Em Mauá, no ABC Paulista, por exemplo, a juíza Tatiane Pastorelli Dutra, do TRT da 2ª região, verificou 563 ações ajuizadas por uma mesma advogada no período de apenas seis meses. No Amazonas, o juiz Anderson Luiz Franco de Oliveira, da 3ª Vara de Parintins, extinguiu processo contra uma instituição bancária em que a autora sequer tinha conhecimento da ação e cujo patrono havia ajuizado mais de 90 processos em três meses. Um único advogado em Coronel Bicaco, no Rio Grande do Sul, ajuizou 972 ações.

E os exemplos não param por aí, segundo o mesmo site, o juiz Alexandre Meinberg Ceroy, da 3ª vara Cível de Barra do Garças, no Mato Grosso, passou a exigir procurações atualizadas de advogados ao suspeitar que as partes não haviam autorizado os profissionais a pleitear ações de indenização. Na comarca de Saloá, município de 15 mil habitantes no agreste de Pernambuco, o juiz de Direito Rômulo Macedo Bastos, titular da vara Única de Saloá, após a constatação de fortes indícios de litigância predatória, decidiu extinguir, de uma só vez, 1.476 processos.

Esse mal compromete a atividade do Poder Judiciário, que é tão cara para a sociedade. O grande volume desse tipo de litigiosidade temerária, muitas vezes criminosa, gera sérios prejuízos ao erário com o impacto no tempo de tramitação dos processos, afetando a celeridade e a própria eficiência do sistema de justiça.

O problema acarreta prejuízo para a própria advocacia, pois, além de ocasionar o abarrotamento do Judiciário, tomando o tempo da justiça que poderia ser vertido para a solução de demandas sérias, que contam com a atuação de profissionais comprometidos com a ética, atitudes inescrupulosas como essas terminam ferindo de um modo generalizado a reputação da entidade.

Por isso mesmo, muitos tribunais estão alerta, como é o caso do Tribunal de Justiça da Bahia, que possui um centro de inteligência, o Núcleo de Gestão e Enfrentamento de Demandas de Massa - NUGEDEM, cuja missão é monitorar e combater a advocacia predatória.

No Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua vez, existe o Núcleo de Monitoramento do Perfil de Demandas - NUMOPEDE, que também possui a tarefa de centralizar as informações sobre distribuição de ações, perfis de demandas e práticas fraudulentas reiteradas, promovendo melhores estratégias para auxiliar os magistrados, respeitado o caráter sigiloso das informações.

Sem dúvida alguma, há a premente necessidade de uma postura firme da justiça no sentido de coibir esse tipo de prática e punir os responsáveis. Obviamente que isso deve ser feito com a devida cautela, para não acabar incorrendo em privação do direito de petição e do acesso ao Poder Judiciário, garantias fundamentais previstas na Constituição Federal.

Aqueles, porém, que comprovadamente incidirem no comportamento voltado à advocacia predatória podem e devem ser responsabilizados, tanto por litigância de má-fé (arts. 5º, 80 e 81 do Código de Processo Civil), dentro do próprio processo, quanto fora dele, nas esferas civil, por perdas e danos (arts. 79 e 186 do Código Civil e 5º, inciso X, da Constituição Federal) e criminal, no caso de apropriação indevida, estelionato e falsidade (arts. 168, 171 e 298 do Código Penal, respectivamente).

À semelhança das previsões contidas no Código Civil e Código de Processo Civil, a Reforma Trabalhista (lei 13.467/17) incluiu disciplina própria no direito processual do trabalho, estabelecendo sanções e responsabilidade por perdas e danos àqueles que litigarem de má-fé, seja como parte reclamante, reclamado ou interveniente, acrescentando à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) os arts. 793-A a 793-D.

Sem prejuízo dessas sanções processuais, civis e criminais, existem ainda as punições disciplinares junto ao órgão de classe, conforme preveem os arts. 32, 34 e 35 do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (lei 8.906/94).

Tem crescido ultimamente a preocupação do Conselho Nacional de Justiça no combate à advocacia predatória. Tanto que o órgão, por meio da sua Corregedoria Nacional, incluiu entre as diretrizes estratégicas das corregedorias para o ano de 2023 a Diretriz Estratégica 7, que visa regulamentar e promover práticas e protocolos para o combate à litigância predatória, preferencialmente com a criação de meios eletrônicos para o monitoramento de processos, bem como de transmissão de informações, com vistas à alimentação de um painel único, que deverá ser criado com essa finalidade.

Encontrar uma forma eficaz de eliminar essa prática está longe de ser uma missão fácil, mas é certo que, embora muito desafiadora, a providência deve ser encarada como prioridade para o bem da justiça brasileira.

Francisco de Assis Brito Vaz

Francisco de Assis Brito Vaz

Sócio da área trabalhista do escritório SiqueiraCastro.

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