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Os Tribunais de Contas e a tutela do meio-ambiente

Embora a atuação do Tribunais de Contas não se confunda com a de um órgão ambiental, também não está limitada ao acompanhamento da aplicação dos recursos públicos no seu âmbito.

segunda-feira, 24 de julho de 2023

Atualizado às 11:21

Ao ler a frase "A gestão de resíduos adotada pelo município com a destinação inadequada dos resíduos sólidos gera danos ao meio ambiente e à saúde humana e reveste-se de natureza grave", 9 entre 10 profissionais do direito a associaria ou a alguma decisão administrativa dos órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios que constituem o Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA ou a uma decisão judicial decorrente de uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público.

Entretanto, diferentemente do "senso comum" referido acima, a frase em questão faz parte de um acórdão proferido pelo Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (Acórdão 207/22 da 2ª Câmara).

Sim, o TCE/PE, um dos Tribunal de Contas brasileiros que, nos termos do art. 71, II da Constituição Federal de 1988 é competente para realizar o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, inclusive das fundações e sociedades instituídas ou mantidas pelo Poder Público, e das contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outras irregularidades de que resulte prejuízo à Fazenda também atua na tutela do meio ambiente.

Nesse contexto, embora a atuação do Tribunais de Contas  não se confunda com a de um órgão ambiental, também não está limitada ao acompanhamento da aplicação dos recursos públicos no seu âmbito| É que o art. 71, III, da Constituição Federal de 1988 amplia seu desempenho ao prever a realização de auditorias de natureza operacional e patrimonial nas unidades administrativas do poder executivo, o que lhe possibilita, inclusive, exercer o controle dos resultados da gestão do meio ambiente, enquanto patrimônio público na qualidade de bem de uso comum do povo, conforme dispõe o artigo 255, caput, da  Constituição Federal de 1988.

Os Tribunais de Contas exercem um controle de legalidade sob seus jurisdicionados que lhes permitem conceder prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, quando verificada a ilegalidade (art. 71, IX da CF/88).

E nesse controle de legalidade, o TCE/PE, por exemplo, atuou diversas vezes para, por exemplo, garantir o cumprimento dos arts. 47 e 48 da lei 12.305/10 (Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS) que proíbem a destinação de resíduos sólidos domiciliares - RSD a céu aberto, vedando in natura expressamente a utilização de rejeitos de alimentação, catação e fixação de habitações temporárias.

Seja orientando, seja aplicando penalidades ou ainda celebrando Termos de Ajustes de Gestão (TAGs) com seus jurisdicionados, é possível afirmar com segurança que o Tribunal de Contas teve um papel muito importante, no âmbito de suas competências e auxiliando os órgãos ambientais e o Ministério Público, na redução dos chamados "lixões" no Estado de Pernambuco.

Além de coibir o descumprimento da legislação ambiental, quando o TCE/PE atuou na defesa do meio ambiente ele também atuou para defender o erário, vez que uma inadequada gestão de resíduos sólidos também prejudica a arrecadação financeira municipal, pois o ente torna-se inapto a receber parcela do ICMS Socioambiental por não depositar seus resíduos em aterro sanitário devidamente licenciado junto à Agência Estadual de Meio Ambiente - CPRH, como estabelece o art. 2º da Lei Estadual  10.489/90, com redação alterada pelo art. 1º da Lei Estadual 12.432/03.

E claro, a atuação do TCE/PE na tutela do meio ambiente não é insular, conforme se pode ver, por exemplo, no Acórdão 2628/2007 do Plenário do TCU onde se afirmou que "as obras e serviços de restauração e construção de rodovias não devem ser executadas sem o cumprimento das exigências previstas na legislação ambiental, notadamente no que diz respeito à expedição do licenciamento, à elaboração de planos de controle e à adoção de medidas mitigadoras" e no Acórdão 1045/16 do Pleno do TCE/PR em que se determinou que "deve-se assegurar que o passivo ambiental (pneu usado pela administração) tenha uma destinação correta, adequada e segura, sobretudo em razão do risco ambiental do produto (princípio da prevenção)".

Registre-se que tal tutela do meio ambiente exercida pelos Tribunais de Contas inclusive reverbera no controle das licitações e contratações públicas, conforme se depreende dessa decisão da Segunda Câmara do TCE/MG na denúncia  1101628 na qual se afirmou que "o dever estatal de defesa do meio ambiente e o enquadramento da proteção ambiental como vetor principiológico da ordem econômica nacional fundamentaram a delimitação da promoção do desenvolvimento nacional sustentável como uma das finalidades precípuas das licitações e das contratações públicas". Outro exemplo é o acórdão 1374/2021-8 da 2ª Câmara do TCE/ES onde se entendeu que "é permitida a` Administração, dependendo da natureza do objeto, exigir na fase de habilitação da licitação certificado de regularidade junto ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em nome do fabricante, com supedâneo nas normas de defesa do meio ambiente". E, por fim, veja-se o acórdão 552/22 do Pleno do TCE/PR com a seguinte fundamentação "a opção pela aquisição de materiais biodegradáveis, que visam à sustentabilidade do meio ambiente, atende às disposições constantes na Constituição Federal e na lei 8.666/93. Diversos itens dos materiais escolares licitados exigiam a sua confecção em poliestireno reciclado ou com material derivado de PET reciclado, com demonstração através de laudos, inclusive do INMETRO, estando tais exigências de acordo com o sistema normativo pátrio, que permite e incentiva a adoção de aquisições públicas que visem preservar o meio ambiente e propiciar sustentabilidade em sua utilização".

Os Tribunais de Contas inclusive exercem o controle operacional sobre órgãos ambientais, tendo por foco, mesmo que indiretamente a tutela do meio ambiente, conforme se pode ver na Auditoria Operacional executada pelo TCE/SC no Processo 1700740641, onde se analisou o processo administrativo de apuração de infrações ambientais e atividades lesivas ao meio ambiente, no âmbito do Instituto Estadual do Meio Ambiente (IMA) e no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) e se chegou à seguinte conclusão: "a fase de monitoramento é curial a avaliação do funcionamento do Sistema Gaia, até mesmo porque a superação do problema referente à morosidade processual pressupõe a automatização de fluxos e etapas, níveis de segurança de sistema e alertas para o descumprimento de prazos. Logo, a verificação das melhorias é um dos pontos principais da averiguação a ser feita". Outro exemplo foi a decisão monocrática do TCE-RO no processo 3625/18 na qual se determinou o seguinte: "ante a necessidade de os Órgãos e autoridades ambientais, nos termos de suas atribuições constitucionalmente previstas, adotarem medidas urgentes visando conter os desmatamentos ilegais e as queimadas em curso, que tendem a aumentarem no período de estiagem que se aproxima, cuja postergação das providências saneadoras podem causar prejuízos irreparáveis ao patrimônio ambiental, à economia local e à saúde pública, inclusive, intensificar os casos de COVID-19, que se faz necessário proceder à reiteração das recomendações aos gestores para que implementem as ações contidas nos Atos Recomendatórios Conjuntos, realizados nos exercícios de 2018 e 2019, celebrados pelo Tribunal de Contas, o Ministério Público do Estado de Rondônia e o Ministério Público de Contas do Estado de Rondônia".

Os exemplos acima expostos por óbvio não esgotam as hipóteses em que as Cortes de Contas atuam na tutela do meio ambiente, pois, num contexto de uma Auditoria Operacional, registre-se que o controle dos Tribunais de Contas poderia se aprofundar no processo ambiental de desativação dos "lixões a céu aberto" pelos municípios, uma vez que o manejo regular de resíduos sólidos pressupõe (i) seu descarte ambientalmente adequado, ou seja, demanda o acompanhamento dos processos de licenciamento pelos ente ambiental licenciador dos aterros que irão receber tais resíduos e (ii) a execução dos Planos de Recuperação de Áreas Degradadas - PRAD nas áreas exaustivamente impactadas pela disposição inadequada do lixo, com fins de proteger o meio ambiente e a saúde humana, nos termos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (art., 3º, VIII, c/c art. 9º; art. 17, IX, "b"; art. 19, §4º).

Fora que, seja na lei 8.666/93 (art. 12, VII), seja na lei 14.133/21 (art. 6º, XXV) se faz expressa referência à necessidade de os projetos básicos de obras e serviços contratados pela Administração Pública observarem o impacto ambiental, algo que, por óbvio, atrai a possibilidade de fiscalização por parte dos Tribunais de Contas. E a lei 14.133/21, a Nova Lei Geral de Licitações e Contratos (NLGLC), traz muito mais preocupações com o meio ambiente, trazendo, por exemplo, a necessidade de descrição de possíveis impactos ambientais no ETP - Estudo Técnico Preliminar (art. 18, § 1º, XII), abrindo-se mais uma possibilidade de fiscalização por parte das Cortes de Contas.

Ao final, podemos concluir que, uma vez que os Tribunais de Contas brasileiros, na esfera de sua competência constitucional e legal, têm o dever de adotar providências para que seus jurisdicionados cumpram com suas obrigações legais nos limites de suas atribuições e competências, a atuação das Cortes de Contas na tutela do meio ambiente, muito embora não seja, como já dito, sequer conhecida por quem opera com o direito, é sim, na prática, não só bastante frequente, como também efetiva.

Aldem Johnston Barbosa Araújo

VIP Aldem Johnston Barbosa Araújo

Advogado em Mello Pimentel Advocacia. Membro da Comissão de Direito à Infraestrutura da OAB/PE. Especialista em Direito Público.

Amanda Moreira Quintino

Amanda Moreira Quintino

Advogada de Mello Pimentel Advocacia.

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