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Nova lei da igualdade salarial traz a expectativa de um mercado de trabalho mais justo e igualitário

Maiores detalhes a respeito da forma de implementar suas diretrizes são fundamentais para que ela alcance os resultados esperados.

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Atualizado às 08:30

Foi publicada em 4/7/23, a lei 14.611/23 (Lei da Igualdade Salarial), que dispõe de novas ferramentas para assegurar igualdade salarial entre mulheres e homens. 

A Lei da Igualdade Salarial não é pioneira na garantia da igualdade de salário entre trabalhadoras e trabalhadores. Contudo, é a primeira lei a trazer penalidades mais duras e medidas mais concretas com a finalidade de promover igualdade salarial, independentemente do gênero.

No Brasil, em linhas gerais, a igualdade de gênero é garantida por vários princípios previstos na Constituição Federal de 1988:

  • Princípio da Igualdade (Art. 5º, inciso I), homens e mulheres são iguais perante a lei em direitos e obrigações;
  • Princípio da Não Discriminação (Art. 3º, Inciso IV), um dos objetivos fundamentais da República é a promoção do bem de todos, sem preconceito de sexo;
  • Princípio da Valorização do Trabalho e da Dignidade da Pessoa Humana (Art. 1º, Inciso IV, e Art. 170), é garantida a igualdade de tratamento no ambiente de trabalho; e
  • Princípio da Proteção à Maternidade e à Família (Art. 6º e Art. 226, § 5º), a proteção à maternidade é um direito social, garantindo às mulheres condições de trabalho durante a gravidez e após o parto, e busca garantir a igualdade de responsabilidades e direitos entre homens e mulheres no âmbito familiar.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por sua vez, assegura que trabalhadores, independentemente do gênero, exercendo a mesma função, executando atividades com igual produtividade e perfeição técnica, tenham direito ao mesmo salário (CLT, art. 461):

  • Igualdade Salarial (Art. 461), estabelece que os empregadores são obrigados a pagar salários iguais para trabalhadores que exercem a mesma função, executando as mesmas atividades, com igual produtividade e mesma perfeição técnica;

A lei 9.029/95, que trata da discriminação no ambiente de trabalho, veda práticas discriminatórias no acesso à promoção ou ascensão profissional.

Apesar de todas essas normas antidiscriminação e de promoção à igualdade salarial e proteção das mulheres no ambiente de trabalho, a diferença salarial média entre homens e mulheres no Brasil ainda permanece alta.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) de 20191, as mulheres recebem, em média, cerca de 22,3% a menos do que os homens (R$ 1.985 diante de R$ 2.555). Em cargos de direção e gerência essa diferença é ainda maior - o salário médio das mulheres em cargos de direção é de R$ 4.666, enquanto o dos homens é de R$ 7.5422.

Essa diferença salarial também varia de acordo com os setores de trabalho. Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED)3 mostram que em setores como a indústria e a construção civil, as disparidades são ainda mais acentuadas. Por exemplo, na indústria extrativa mineral, a diferença salarial entre homens e mulheres chegou a 30,4% em 20204.

Esse fenômeno não é exclusividade do Brasil, segundo a ONU5, as mulheres ganham, em média, 77 centavos para cada dólar que os homens ganham. O estudo indica que, nas taxas atuais, levará 70 anos para fechar essa lacuna.

É importante ressaltar que esses dados não contemplam, ainda, toda a complexidade do assunto, que ainda inclui fatores como a falta de representatividade feminina em cargos de liderança.

Nesse contexto, a Lei da Igualdade Salarial cria mecanismos na tentativa de acelerar o fechamento desse gap. A lei estabelece uma série de medidas que as empresas devem seguir para promover e garantir igualdade salarial, entre elas:

  • O estabelecimento de mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios;
  • A disponibilização de canais específicos para denúncias sobre o tema;
  • A implantação de programas de diversidade e inclusão, com a capacitação de gestores, lideranças e empregados sobre o tema da equidade entre mulheres e homens no mercado de trabalho, com aferição de resultados;
  • O fomento à capacitação e formação de mulheres para ingresso, manutenção e ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições.

As empresas com mais de 100 empregados também ficam obrigadas, sob pena de pagamento de multa administrativa (até 3% da folha de pagamento, com limite de 100 salários-mínimos), a publicar relatórios semestrais de transparência salarial e de critérios remuneratórios, seguindo os preceitos da LGPD (e.g., dados anonimizados, entre outros requisitos), com informações que permitam a comparação objetiva entre salários, remunerações e proporção de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens.

Os relatórios devem trazer dados estatísticos sobre possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade. Caso seja constatada desigualdade salarial ou remuneratória entre mulheres e homens, o empregador deverá apresentar plano de mitigação dessa desigualdade, garantida a participação de representantes das entidades sindicais. Esses dados provavelmente serão utilizados pelo poder público para disponibilizar plataforma digital com indicadores atualizados sobre mercado de trabalho e renda assim como para a promoção de políticas públicas voltadas ao tema.

Ainda não há uma indicação do poder público dos critérios e requisitos que as empresas devem utilizar para elaborar o relatório ou o plano de ação, caso seja constatada desigualdade salarial ou remuneratória. Além disso, alguns conceitos trazidos pela Lei são vagos, como é o caso do conceito de critérios remuneratórios. Tais conceitos certamente deverão ser esclarecidos por meio de regulamentos (decreto ou norma do Ministério do Trabalho).

Em todo caso, iniciativas internacionais podem ajudar a balizar a implementação da Lei no Brasil. Em maio de 2023, por exemplo, foram aprovadas pelo Parlamento Europeu regras com o intuito de favorecer a transparência e combater o gap de gênero6. Essas novas regras estabelecem que os trabalhadores têm o direito de receber informações completas e transparentes sobre os níveis de remuneração individuais e médios, com indicações por gênero. Além disso, os anúncios de emprego deverão ser neutros do ponto de vista de gênero, com o processo seletivo adotando condutas não discriminatórias. A legislação internacional também prevê a criação de um relatório por meio do qual os empregadores com um determinando número de empregados devem indicar a existência de eventuais disparidades na remuneração entre os gêneros, observando diversas métricas. Há um esforço semelhante nos Estados Unidos, como demonstram as recentes alterações de regras promovidas pela New York City Human Rights Law, em 20227.

Vale pontuar que a Lei da Igualdade Salarial também altera a multa prevista no artigo 510 da CLT, estabelecendo multa para as empresas no caso de discriminação por motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade, no valor de 10 vezes o valor do novo salário devido pelo empregador ao empregado que foi discriminado, podendo ser dobrada em caso de reincidência. O pagamento das diferenças salariais devidas ao empregado discriminado não afasta seu direito de pleitear o pagamento de indenização por danos morais

A Lei da Equidade Salarial traz a expectativa de promover um mercado de trabalho mais justo e igualitário, garantindo a igualdade de gênero e o combate às disparidades salariais, estabelecendo direitos e responsabilidades claros para os empregadores. Contudo, maiores detalhes a respeito da forma de implementar suas diretrizes são fundamentais para que ela alcance os resultados esperados.

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1 Disponível em http://www.gemt.com.br/novo/index.php?cmd=noticias&id=43302- acesso em 13.7.2023.

2 Disponível em https://www.tst.jus.br/web/guest/-/lei-da-igualdade-salarial-homens-e-mulheres-na-mesma-fun%C3%A7%C3%A3o-devem-receber-a-mesma-remunera%C3%A7%C3%A3o - acesso em 13.7.2023;

3 Disponível em https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/assuntos/estatisticas-trabalho/noticias2/1257-ministerio-do-trabalho-divulga-dados-do-caged-de-outubro-2017 - acesso em 13.7.2023;

4 Disponível em  https://www.infomoney.com.br/carreira/paridade-salarial-entre-mulheres-e-homens-deve-ser-atingida-em-2035-na-industria-estima-fiesp/ - acesso em 13.7.2023;

5 Women at Work, Trends 2016, International Labour Organization; Women's economic empowerment in the changing world of work, Report of the Secretary-General, E/CN.6/2017/3, December 2016; Progress of the World's Women 2015-2016, UN Women.

6 Directive (EU) 2023/970 of the European Parliament and of the Council

7 Chromeextension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.nyc.gov/assets/cchr/downloads/pdf/publications/Salary-Transparency-Factsheet.pdf

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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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Maurício Fróes Guidi

Maurício Fróes Guidi

Advogado. Sócio de Pinheiro Neto Advogados.

Lucas Amaral Cunha Camargo

Lucas Amaral Cunha Camargo

Associado de Pinheiro Neto Advogados.

Natasha Ramos Soares

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Associada de Pinheiro Neto Advogados.

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