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A inteligência artificial no Judiciário brasileiro

A inteligência artificial está cada vez mais presente no nosso dia-a-dia, e deve ser bem aplicada na melhoria do atendimento do cidadão pelo Estado.

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Atualizado às 14:17

Sócrates, Rafa e Victor não são nomes corriqueiros quando o tema envolve aplicação da tecnologia e da Inteligência Artificial no Poder Judiciário Brasileiro. Juntos, os algoritmos auxiliam e devem otimizar ainda no enfrentamento do volumoso número de processos em trâmite no país.

De acordo com o último relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça1, o ano de 2021 foi encerrado com 77,3 milhões de processos em tramitação, com 19,8% desses estavam arquivados ou sobrestados, o que representam um passivo em curso de 62 milhões de litígios.

Com previsão da Resolução CNJ 335/2020, o Poder Judiciário deu início à Plataforma Digital do Poder Judiciário (PDPJ-BR), que visa não só incentivar o uso da ferramenta PJe, mas também permitir a maior colaboração e integração entre as aplicações existentes nos 90 (noventa) tribunais do país.

Ocorre que além de integrar sistemas, há um franco (e saudável) movimento de aplicação de mais ferramentas tecnológicas para aplicação e realização da justiça no país.

O Socrates, já em versão 2.0, é a ferramenta do STJ que auxilia os ministros na identificação antecipada de controvérsias jurídicas no bojo dos recursos especiais. Para um universo gigante de processos, a aplicação mostra-se de inegável valia. Athos e e-Juris são outros dois algoritmos aplicados no Tribunal da Cidadania para identificar previamente recursos com regime de afetação e extração selecionada de referências legislativas e jurisprudenciais, respectivamente.2

Rafa e Victor são aplicações conduzidas pelo STF. A Rafa 2030 (Redes Artificiais Focadas na Agenda 2030), é ferramenta de Inteligência Artificial utilizada para classificar as ações de acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).

Já o Victor, utilizado desde 2017 pela Suprema Corte, é responsável pela análise de temas de repercussão geral para triagem de recursos extraordinários interpostos em todo o país. O STF também lançou, mediante cerimônia conduzida pela Ministra Rosa Weber3, a mais nova ferramenta da corte, batizada de VictorIA, aplicação usando IA com a finalidade de agrupar e classificar processos na corte. A Ministra celebrou, ainda, a "tecnologia a serviço das pessoas, e nunca o contrário".

Se a aplicação da IA no ambiente judicial brasileiro já é uma prática real, não se pode concordar com ufanismo de alguns a ponto de afastar a intervenção humana na aplicação da justiça, até porque, como assevera a nossa Constituição em seus art. 5º, XXXVII e LIII, há inafastável garantia de julgamento por meio de juiz natural que, embora possa contar com apoio autômato, a nosso ver, não deve ignorar a necessária figura humana, dotada de empatia, senso ético, sentimentos e percepções, que a máquina não detém (não até hoje).

E, mesmo que se imagine em um futuro distópico a aplicação da lei por magistrados robóticos, ou conduzida por super juízes como no cinema[4] é certo que a sensibilidade humana parece ser indispensável, desde que contribua para aplicação da Justiça.

Com efeito, ainda que não se romantize nem se ojerize a aplicação de IA no judiciário, tem-se que a avaliação dessas ferramentas, além de ser conduzida com cautela e rigor, deve ser bem-vista, notadamente quando comprovada a capacidade de entregar uma prestação jurisdicional em favor do tutelado de forma justa, sendo certo que é esta a pessoa destinatária das ações do Poder Judiciário.

Talvez seja essa a combinação necessária para diminuição do volume de ações no país, melhora na prestação jurisdicional e, como efeito reflexo, quem, sabe, também maior previsibilidade judicial e mitigação no acionamento de novas demandas. Além disso, ainda há a possibilidade da IA contribuir com a resolução de casos. Ou seja, um Juiz pode perfeitamente intimar um chatbot ou uma IA Generativa para depor em juízo. Vivemos a era da "testemunha máquina" e chegamos na era da "testemunha algorítmica".

Mas uma coisa é certa, a inteligência artificial está cada vez mais presente no nosso dia-a-dia, e deve ser bem aplicada na melhoria do atendimento do cidadão pelo Estado.

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1 Disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/justica-em-numeros-2022-1.pdf Acesso em 26/06/2023

2 Disponível em https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/09032021-Inteligencia-artificial-esta-presente-em-metade-dos-tribunais-brasileiros--aponta-estudo-inedito.aspx Acesso em 26/06/2023.

3 Disponível em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=507426&ori=1 Acesso em 04/07/2023.

4 No filme Judge Dredd, Sylvester Stallone é policial, acusador e julgador sobre crimes praticados no mundo futurista de 2139. Disponível em https://www.adorocinema.com/filmes/filme-13005/ Acesso em 04/07/2023.

Patricia Peck Pinheiro

Patricia Peck Pinheiro

Advogada especialista em Direito Digital, Propriedade Intelectual, Proteção de Dados e Cibersegurança com mais de 20 anos de atuação no Brasil. Graduada e Doutorada pela Universidade de São Paulo, PhD em Direito Internacional. Professora de Direito Digital da ESPM. Conselheira titular nomeada para o Conselho Nacional de Proteção de Dados (CNPD). Membro do Comitê Consultivo do Movimento Transparência 100% do Pacto Global da ONU. Membro do Conselho da Iniciativa Smart IP Latin America do Max Planck Munique para o Brasil. Condecorada com 5 medalhas militares. Árbitra do Conselho Arbitral do Estado de São Paulo - CAESP. Autora/co-autora de 40 livros de Direito Digital. CEO e sócia fundadora do Peck Advogados. Presidente do Instituto iStart de Ética Digital. Programadora desde os 13 anos.

Henrique Rocha

Henrique Rocha

Sócio do Peck Advogados.

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