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Aumento das custas judiciais no Estado de São Paulo: projeto de lei estadual 752/21 - ALESP

ALESP discute sobre a possibilidade, ou não, de aprovar mais um e, novamente, inconstitucional, aumento de custas judiciais no Estado de São Paulo, especificamente no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

sábado, 2 de setembro de 2023

Atualizado em 1 de setembro de 2023 14:23

Apenas para traçarmos uma linha do tempo de como era e como ficará. Quando começamos a advogar, há quase 30 anos, pagava-se 1% sobre o valor da causa para a distribuição da uma ação cível e outro 1% para a interposição de eventual recurso de apelação.

Com o tempo, de forma contínua e paulatina, as custas judiciais foram subindo. O valor das custas iniciais para a distribuição de uma demanda, manteve-se inalterado à ordem de 1% sobre seu valor. Já o valor para a interposição de recurso de apelação aumentou de 1% para 2% e, posteriormente, de 2% para 4%.

Por outra, tivemos um acréscimo de 400% de aumento nas "taxas" judiciais no TJSP nos últimos 20 anos.

O mesmo se deu com o Recurso de Agravo de Instrumento. De gratuita a sua interposição, passou-se a cobrar 5 ufesps, posteriormente o custo para a interposição deste recurso saltou a 10ufesps e agora tenciona-se elevar os custos de distribuição do mesmo para 15 ufesps, isto é, sem prejuízo da alteração que se pretende para os agravos de instrumento interpostos nos casos do artigo 356 do Código de Processo Civil.

Ocorre que o apetite do Estado-Leviatã por mais e mais tributos (os quais, no Brasil, deixam muito a desejar - como regra geral - em relação à qualidade dos serviços prestados) não para de crescer, da mesma forma que pessoas acometidas por parasitas, por vezes, têm uma fome incontrolável. Assim, discute-se, nesse momento na ALESP (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) o Projeto de lei 752 que objetiva o aumento de custas judiciais em São Paulo.

Antes de focarmos no Projeto e suas evidentes inconstitucionalidades, necessário se faz esclarecer o que são custas judiciais. Com efeito, trata-se de espécie - do gênero tributo - classificada pelo próprio legislador como taxa.

Inclusive no Projeto (disponível em https://www.al.sp.gov.br/spl/2021/11/Propositura/1000422698_1000514979_Propositura.pdf) se faz constar expressamente: "O Supremo Tribunal Federal, em diversas oportunidades, definiu que as custas processuais têm natureza tributária, enquadrando-se na categoria de taxa."

Por seu turno, é importante destacar que o artigo 77 do Código Tributário Nacional diz que as taxas não podem ter fato gerador igual ao do imposto. Citamos:

Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas.

Vinte e um anos depois, idêntica redação fora mantida em nossa Constituição da Republica de 1988, em seu artigo 145, 2º, II. Vejamos:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

I - impostos;

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

Da leitura dos textos legais podemos concluir, de forma indubitável, que há mais de 20 anos as custas judiciais em São Paulo, e diversas outras unidades da Federação, são cobradas de forma ilegal e inconstitucional. Da mesma forma que o valor de um carro não pode ser o parâmetro para a cobrança de quanto este pagará de pedágio numa estrada, custas judiciais não podem ter por base o valor do bem em discussão.

Com efeito, o processo não será encadernado com uma capa folheada à ouro numa ação que verse sobre um bem de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais).

De qualquer forma escrevemos isso para nossos botões, apenas, visto que esta é uma ilegalidade/inconstitucionalidade sedimentada pelo uso, pelo costume.

(Costuma-se dizer que no Brasil há leis que pegam e leis que não pegam.)

Caso o PL 752 seja aprovado, alterando outrossim as Leis Estaduais 11.608/03 e 16.897/2.018 a sistemática que já é ruim, que sufoca o jurisdicionado que, não raras vezes, não tem recursos necessários a praticar os atos processuais necessários.

Com eventual advento da norma em comento, as custas para interposição de Agravo de Instrumento passarão de 10 (R$ 342,60) para 15 UFESPs (R$ 513,90). Não é pouco, se considerarmos que alguns processos, por vezes, geram mais de um recurso contra decisões interlocutórias.

Já as custas iniciais, para a distribuição da ação, saltarão dos atuais 1% sobre o valor da causa para 1,5% sobre a mesma.

Mas nada é tão ruim que não possa piorar, a norma também prevê que para iniciar o processo de execução, ou ainda, o incidente de cumprimento de sentença, a parte credora, já sacrificada com diversas custas judiciais, ainda terá que arcar - de forma adiantada - sem saber se será frutífera ou não esta nova fase processual, com o valor de 2% sobre o valor da condenação.

Ainda há a previsão de incidência de custas de 15 UFESPs para a apresentação, em alguns casos, de Petição de contrarrazões de recurso de apelação (artigo 5º do citado PL).

Para além da discussão da negação do princípio constitucional de acesso à Justiça que há nesta norma, bem como a questão da inconstitucionalidade da cobrança de custas em percentual do valor da causa, temos que para a propositura de uma ação de reintegração de posse de um imóvel de R$ 500.000,00 na cidade de São Paulo; ação que poderia se seguir de perdas e danos da ordem de R$ 100.000,00 (e quem lida com Direito Imobiliário sabe que, na Comarca de São Paulo, esses valores não correspondem a imóvel suntuoso, muito ao contrário) o autor poderia ser instado a pagar: a) R$ 5000,00 para ajuizar a demanda; b) R$ 513,00 para a interposição de eventual agravo de instrumento; c) R$ 24.000,00 para o recurso de apelação, em hipótese de improcedência das demandas e, por fim; R$ 12.000,00 para cumprir a sentença e executá-la.

Por outra, um proprietário de imóvel padrão classe média, poderá ter que desembolsar até, incríveis, R$ 41.513,00 apenas com custas judiciais para tirar um ocupante ilegal de seu imóvel, sem prejuízo, obviamente, dos honorários que terá que arcar com a contratação de seu Advogado.

A aprovação deste tipo de norma, mormente com um quadro econômico recessivo-inflacionário se desenhando, terá o condão de afastar completamente do Poder Judiciário diversos demandantes que simplesmente não terão recursos para ajuizar suas demandas.

Sabemos a consequência disso, Colegas leitores. Se negamos ao ser humano o Direito de postular suas demandas através de um processo legal ele, fatalmente, tomará este mesmo Direito em suas mãos e apelará à violência.

Tão o mais grave quanto: a Advocacia restará, mais ainda, fragilizada com este tipo de medida. Urge que a Ordem dos Advogados do Brasil, através de suas inúmeras seccionais no Estado de São Paulo, se contraponha de maneira frontal a esta violência legislativa que se pretende praticar contra o Jurisdicionado e, de forma direta, contra o Direito.

Paulo Antonio Papini

VIP Paulo Antonio Papini

Advogado em São Paulo. Mestre e Doutorando pela Universidade Autónoma de Lisboa. Pós-graduado em Processo Civil. Especialista em Direito Imobiliário. Professor na ESA/UNIARARAS e ESD-Campinas.

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