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Venda de imóveis com dívida ativa prévia

A proteção da impenhorabilidade do bem de família é essencial para garantir o direito à moradia das famílias, mas sua aplicação deve ser feita com equilíbrio e consideração dos princípios jurídicos envolvidos, evitando-se injustiças decorrentes de interpretações excessivamente rígidas da lei.

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Atualizado às 13:13

Nesta dramática situação jurídica, a decisão em questão lança uma sombra de incerteza sobre a justiça e a equidade. Imagine um mundo onde a lei não considera o impacto real de uma transação, onde a mera presença de uma dívida ativa prévia é suficiente para condenar qualquer negócio imobiliário. Pergunta-se: É verdade que esta decisão pode ser aplicada independentemente de a alienação do imóvel causar ou não a insolvência do devedor fiscal? O mero fato de uma dívida existir, pendurada como uma espada de Dâmocles sobre a cabeça do vendedor, pode levar à anulação de uma transação que, de outra forma, seria legítima? a venda realmente causou prejuízo ao credor fiscal? Se a resposta for não, a lógica tradicional da justiça nos diria que não deveria haver nulidade. No entanto, esta decisão desafia essa lógica, forçando-nos a questionar se a justiça está verdadeiramente sendo servida. Mesmo quando uma certidão de negativa fiscal é apresentada no cartório para a lavratura da escritura definitiva, uma sombra de suspeita persiste. A lei exige que essa certidão seja obtida, mas mesmo quando o comprador recebe uma declaração negativa de débito fiscal, o espectro da fraude a credores ainda assombra a transação. Esta decisão nos leva a um precipício jurídico onde a mera aparência de fraude é suficiente para lançar dúvidas sobre a validade de uma venda. Em última análise, esta decisão nos coloca diante de um drama jurídico onde a justiça se equilibra na borda de um abismo, enquanto compradores, vendedores, e juristas contemplam o futuro incerto do mercado imobiliário. A busca pela verdade e pela equidade continua enquanto as cortinas deste drama permanecem abertas para mais reviravoltas e debates legais apaixonados.

1-Da impenhorabilidade do bem de família

O STJ em acórdão recente normatizou que a inscrição da dívida ativa ocorrida antes da alienação do imóvel é causa de nulidade absoluta e, sendo assim, a posse do adquirente está viciada e o registro da propriedade é anulável.

No plano seguinte, é inaceitável a alegação de que a posse dos adquirentes é viciada em função de que havia uma inscrição de dívida anterior a alienação, visto é imprescindível a prova de conluio entre o adquirente e o Executado fiscal para que impeça a aplicação da lei 8.009/90 que trata da impenhorabilidade dos bens de família.

É consabidamente assente, que os vícios que maculam a posse são a violência, clandestinidade e precariedade, então, se inexiste a informação no registro de imóveis de uma averbação dando conta de uma dívida inscrita na Fazenda Pública e, ao fazer a escritura, o órgão do Estado forneceu certidão negativa de débito fiscal torna-se impossível tipificar qualquer vício na aquisição da propriedade por erro dolo, coação ou fraude a credores na aquisição da propriedade.

A seu turno, os vícios da posse só podem ser alegados pelo possuidor, logo, são de natureza relativa, portanto, o credor fiscal não pode levantá-los porque não é proprietário e muito tinha a posse do bem.

Ademais, a posse do adquirente é intocável porque o negócio jurídico realizado com vendedor é válido e eficaz até que devidamente anulado.

A impenhorabilidade do bem de família visa proteger o direito fundamental de moradia, e para que o diploma legal seja ineficaz o credor fiscal deverá comprovar que o devedor fiscal e o adquirente fraudaram documentos e cometeram abuso do direito de propriedade.

2-Da ponderação de um Princípio de Garantia Constitucional com uma Regra.

Na teoria de Robert Alexy, a ponderação desempenha um papel fundamental na resolução de conflitos entre princípios, e estes com as regras no contexto da aplicação do direito¹.

Princípios como normas abstratas: De acordo com Alexy, os princípios são normas abstratas que devem ser aplicados na maior medida possível observando as possibilidades jurídicas e reais existentes. Eles são mais flexíveis e abertos do que as regras, pois não especificam condutas concretas, mas sim objetivos a serem alcançados.

Regras como normas descritivas: Por outro lado, as regras são normas concretas mais específicas e descritivas. Elas estabelecem condutas concretas a serem seguidas em situações particulares e possuem maior rigidez em comparação com os princípios.

A ponderação é o método proposto por Alexy para resolver conflitos entre princípios, e destes com as regras. Quando uma regra deixa margem para dúvidas ou quando há um conflito entre regras ou entre princípios, a ponderação é utilizada para encontrar a solução apropriada.

Resolução de conflitos: Os princípios podem colidir entre si, ou podem colidir com regras. Quando isso acontece, a ponderação envolve a análise de vários fatores, como a importância relativa dos princípios em questão, a intensidade dos valores em jogo e as consequências da decisão.

Correção de distorções: Os princípios, como normas abstratas que refletem valores fundamentais, desempenham um papel importante na correção de distorções que podem surgir da aplicação estrita de regras ou da colisão entre regras e princípios.

A regra 185 do CTN não pode criar um princípio, dado que princípios não podem ser criados por uma regra.

Posto isto, é incabível que a regra acima citada crie o princípio de nulidade absoluta de fraude à credores com a inscrição da dívida ativa sem que haja prova de que o comprador tivesse conhecimento desta ou fraudado documentos o que esta venda tenha causado insolvência do devedor fiscal, dado que uma regra, sendo uma norma concreta a depender de prova, em tese, criar uma norma abstrata.

Ou seja, não pode o juiz se valer de regras para justificar princípios, haja vista o nível de abstração do primeiro, como nos ensina Dworkin².

Assim, uma inscrição na dívida ativa não pode gerar um princípio de nulidade absoluta de fraude à execução ou a credores sem a prova que a alienação de um bem foi feita em conluio com o comprador e, que essa mesma alienação, tenha provocado a insolvência do devedor.

É inaceitável impor a nulidade absoluta de uma alienação de um bem, por fraude à credores quando houver a inscrição na dívida ativa anterior, e os próprios órgãos do governo tenham fornecido certidões negativas fiscais estaduais e federais para elaboração da escritura de compra e venda.

Entretanto, é importante ressaltar que essa fraude foi praticada pelo próprio Estado, tornando injusto que o comprador perca seu ativo e tenha que passar anos tentando recuperar seus recursos devido a um erro cometido pelo próprio Estado.

Ademais, resta evidente, a colisão da norma extraída da regra 185 do CTN com o direito fundamental à moradia, uma vez que os adquirentes confiando nos órgãos do governo acreditaram nas certidões negativas emitidas que asseguravam que o negócio jurídico podia ser levado a efeito.

3-Da Inexistência de Fraude à Execução

A fraude à execução é uma utopia uma vez que sejam encontrados inúmeros bens que sejam bastantes para o pagamento da divisa fiscal. Sendo, assim, o juiz da execução fiscal deixa de determinar a indisponibilidade de bens e direitos, à luz norma extraída regra 185-A do CTN, visto que o Executado possuía bens imóveis.

Resta notório que se a alienação de imóveis não causarem a insolvência do Executada fiscal e os bens restantes sejam suficientes para o pagamento da não há que falar em fraude à execução.

BERNARDES DE MELLO, assim define à fraude contra credores: são todos os atos de disposição e oneração de bens, créditos e direitos, a título oneroso ou gratuito, praticado por devedor insolvente, ou por ele tornado insolvente, que acarrete redução de seu patrimônio, em prejuízo do credor³.

E, nessa linha, continua o mestre a definir: "Para que a fraude se caracterize é necessário que o negócio jurídico de disposição seja praticado por devedor insolvente ou que assim se torne como consequência dele"

Conclusão

Em conclusão, a impenhorabilidade do bem de família é um direito fundamental que visa proteger a moradia das famílias, garantindo-lhes um mínimo de estabilidade e segurança em relação à sua habitação.

O recente acórdão do STJ estabeleceu que a inscrição da dívida ativa antes da alienação do imóvel é suficiente para anular a posse do adquirente e invalidar o registro da propriedade.

A regra 185 do CTN não pode criar um princípio de nulidade absoluta de fraude à execução sem a devida comprovação de conluio entre o adquirente e o devedor fiscal.

A ponderação, conforme proposta por Robert Alexy, desempenha um papel crucial na resolução de conflitos entre princípios e regras, considerando fatores como a importância relativa dos princípios em questão e as consequências da decisão.

Além disso, a fraude à execução deve ser analisada com base na existência de bens suficientes para o pagamento da dívida fiscal. Se a alienação de imóveis não levar à insolvência do devedor fiscal e houver recursos adequados para a quitação da dívida, não se pode alegar fraude à execução.

Em resumo, a proteção da impenhorabilidade do bem de família é essencial para garantir o direito à moradia das famílias, mas sua aplicação deve ser feita com equilíbrio e consideração dos princípios jurídicos envolvidos, evitando-se injustiças decorrentes de interpretações excessivamente rígidas da lei.

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1 ALEXY, Robert, TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA, 3ª. edição, forense, 2011.

2 DWORKIN, Ronald, O IMPÉRIO DO DIREITO, editora Martins Fontes, 3ª.edição, 2014,

3 BERNARDES DE MELLO, Marcos, TEORIA DO FATO JURÍDICO- PLANO VALIDADE, 10ª. edição, Saraiva, 2015,p. 261 e 262.

Romeu Fernando Carvalho de Souza

Romeu Fernando Carvalho de Souza

Presidente da Camerj - Central de Atendimento aos Mutuários do Estado do Rio de Janeiro.

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