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A proceduralização constitucional em meio às intempéries socioeconômicas

A grande questão a ser futuramente respondida é a da aceitação das autoridades descritas constitucionalmente ao novo tipo de criação legislativa, mais inclusiva e representativa, sem a antiga parcialidade política intrínseca.

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Atualizado às 13:46

Inicialmente, faz-se necessário contextualizar a tratativa da proceduralização criada para tentar conter a crise de estatalidade, em meio a um modelo de sociedade internacional fragmentada. Ou seja, a insegurança jurídica e as lacunas axiológicas trouxeram à tona a necessidade de se estabelecer um ensejo ao novo arquétipo regulatório que coadunasse com o ideal expansionista e positivista de cada nação. Nesse viés, o questionamento intrínseco se propagava em relação ao papel real do estado e a sua relação para com a sociedade vanguardista. Nesse prisma, de acordo com alguns juristas, existem a racionalidade formal e a material, cada qual com sua especificidade, prerrogativa e sujeição. Destarte, os paradigmas clássicos do direito, herdados do século XIX, foram taxados como flagrantemente formalistas, com modelos absenteístas e liberais que tentavam suceder o estado abolicionista em xeque. 

Nessa linha argumentativa, havia um embate entre o Estado liberal, com obrigações negativas e o estado social, cuja aptidão demonstrava-se na positivação de políticas públicas erga omnes. Todavia, após todas as mudanças relacionadas à Segunda Guerra Mundial, ascenderam, nos países ocidentais, a racionalidade substantiva, com intervenção do Estado, regulando diretamente a economia. Assim, o mundo foi oscilando entre o liberalismo clássico e o welfare state, sem, contudo, chegar a um equilíbrio de demandas internacionais. Todavia, toda a contextualização dessa tratativa nos remete à consequente falibilidade e à real aplicabilidade dos direitos sociais, para com os contribuintes. Consequentemente, chegou-se à conclusão de que o neoliberalismo poderia ser a solução para as lacunas oriundas dos sistemas pretéritos relativamente deficitários. Segundo o advogado e consultor jurídico, Georges Abboud, "a formalização e a materialização vêm travando uma disputa cíclica que ora favorece uma, ora outra". 

Nesse contexto de discussão, sabe-se que houve uma tendência à deslegalização, retirando da seara alguns elementos de regulação estatal, sem perder a eficácia do direito coletivo, cuja denominação era proceduralização. Nessa toada, o estado teria uma dupla função: uma vez que não podia negar a intervenção e nem ostentava a aptidão para promover a efetiva regulamentação. Destarte, para diversos juristas, preconizava-se o modelo procedural que privilegiava a terceira via processual, ora formalizando e ora materializando, com incorporação da auto-organização do setor privado, sem renunciar ao interesse público erga omnes (paradigma de regulação reflexiva). 

Explicando melhor, segundo o jurista e sociólogo Gunther Teubner a proceduralizaçao abrange três ferramentas indispensáveis: o diálogo, o acordo e autorregulação. Assim, se houver a necessidade de prolongar a existência do Direito, em meio à complexidade crescente das demandas, dever-se-ia utilizar de tal método processual, abrindo um leque ativo de pensadores, até então, invisíveis ao constitucionalismo. Por conseguinte, é notória a deficiência do poder público na intervenção no tocante aos movimentos sociais, sendo que o legislador, escolhido pelo sufrágio universal, também carece da representatividade das leis para tentar suprir as lacunas hermenêuticas 

Ademais, faz-se necessário que haja o rompimento gradativo com o constitucionalismo antigo que reduzia o Direito ao âmbito político para abastecer as questões de bem-estar social. Para Teubner, a saída de tal desperdício legislativo seria expandir o potencial de constitucionalização a outros setores funcionalmente diferenciados da sociedade mundial. Portanto, a iniciativa jurídica teria a autonomia de ser criada, reflexivamente, no interior de outros sistemas sociais, gerando um sistema de autorregulação e autorreposição entre o estado a sociedade. Desse modo, a grande questão a ser futuramente respondida é a da aceitação das autoridades descritas constitucionalmente ao novo tipo de criação legislativa, mais inclusiva e representativa, sem a antiga parcialidade política intrínseca.

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Cf. ABBOUD, Georges.Direito Constitucional Pós-Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, pp. 597 e ss; e ABBOUD, Georges.?Processo Constitucional Brasileiro, 5ª Ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, pp. 536 e ss. 

TEUBNER, Gunther. "O Projeto da Sociologia Constitucional: Estímulos do Constitucionalismo de Estado Nacional", in: TEUBNER, Gunther/CAMPOS, Ricardo/FERREIRA VICTOR, Sérgio Antônio (org).?Jurisprudência Sociológica: Perspectivas Teóricas e Aplicações Dogmáticas, trad. Geraldo Luiz de Carvalho Neto e Gercélia Batista de Oliveira Mendes, São Paulo: Saraiva, 2020, pp. 123-150 (p. 125). 

Cf. EHRLICH, Eugen.?Fundamental Principles of the Sociology of Law, trad.?Walter L. Moll, Nova Iorque: Routledge, 201 

Joseane de Menezes Condé

VIP Joseane de Menezes Condé

Pós Graduação em Direito Constitucional Damásio ,Discente de Direito Anhanguera, estagiária do TRT 15, coautora do Livro Direito do Trabalho- Impactos da pandemia e das Revistas Judiciais TRT

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