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Desvios no combate ao crime organizado

Afirma-se, por oportuno, que o respeito às "regras do jogo", mesmo que em um contexto de graves violações à sociedade, não deixa de beneficiar nenhum dos atores processuais e, ao invés disto, bonifica a todos os que se inserem no seio social, tendo em vista que aquele que acusa, noutro momento poderá ser acusado e, da mesma forma, suportará os malefícios dos desvios antes praticados.

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Atualizado às 14:28

A lei de organizações criminosas representou um importante marco evolutivo no combate ao crime organizado em nosso país, trazendo inovações e positivando providências estatais já adotadas anteriormente, mas que demandavam uma melhor regulamentação, tal como o acordo de colaboração premiada, comumente conhecido como "delação premiada".

A delação premiada é entendida como um meio de obtenção de provas, não sendo, portanto, um instrumento processual para fazer prova direta da prática de uma infração penal pois, como a própria classificação leva a entender, o seu uso apenas possibilita que o Estado tenha acesso a uma porta que poderá ou não acarretar na colheita de novas provas, estando o prêmio submetido, exatamente, ao sucesso da aquisição probatória.

Neste contexto, nota-se que o acordo entre o Estado e o acusado-colaborador é a ferramenta de maior eficiência que se pode adotar para que se alcance o fim proposto pelo procedimento processual penal - a sentença condenatória -, vez que permite a extração de provas sem que se empregue, até a exaustão, o aparato de investigação estatal.

Por este aspecto, a celebração deste pacto negocial entre as partes envolvidas na relação processual pode tornar-se extremamente atrativa para ambos os lados, vez que o acusado também irá se beneficiar através da obtenção de prêmios processuais, os quais podem alcançar até o perdão de sua pena.

Entretanto, os desvios na utilização das peças processuais à disposição do Estado para montar o quebra-cabeça da acusação é o que ocasiona a corrupção dos poderes, a perda da eficácia dos instrumentos utilizados e até mesmo a anulação de todo o processo, permitindo que se escorra pelos ralos da decepção todo o empenho dispendido.

É importante que se diga, outrossim, que apesar do processo penal lidar com os bens mais sensíveis, cuja violação afeta a toda a sociedade, isto não justifica o vilipêndio às regras do jogo, as quais devem seguir a normativa processual como mecanismo de limitação do poder, o qual pode ser desviado quando o fator humano entra em jogo, ocasionando o desprezo das razões que fundamentam a utilização de dispositivos tão importantes, como a prisão preventiva.

Isto posto, a própria segregação cautelar, aliada à uma pretensão de forçar a realização do acordo de colaboração premiada, é uma das providências que marcou uma das maiores operações da história brasileira envolvendo personalidades políticas, escancarando o mau uso de ambos os institutos, o que levou a anulação de diversas provas colhidas e a devolução da inocência a diversos envolvidos, deixando uma importante lição para os futuros operadores do direito, a qual parece não ter sido aprendida em sua integralidade.

Desta forma, é necessário relembrar que o Ministério Público, além de titular da ação penal pública, ocupa também o importante papel de fiscal da lei, o qual exige que suas condutas estejam pautadas na boa-fé processual - uma espécie de fair play - , o que recai com maior peso sobre a figura ministerial, diante da atribuição constitucional a ele conferida de fiscalizar o correto andamento da marcha procedimental, sendo severamente repreensível o uso de expediente como a prisão preventiva para forçar uma delação premiada.

Afirma-se, por oportuno, que o respeito às "regras do jogo", mesmo que em um contexto de graves violações à sociedade, não deixa de beneficiar nenhum dos atores processuais e, ao invés disto, bonifica a todos os que se inserem no seio social, tendo em vista que aquele que acusa, noutro momento poderá ser acusado e, da mesma forma, suportará os malefícios dos desvios antes praticados.

Leonardo Tajaribe Jr.

VIP Leonardo Tajaribe Jr.

Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM). Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM). E-mail: [email protected]

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