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Planejamento sucessório por meio de holding familiar - Pontos polêmicos parte II

O tema 796 resolveu parte do problema, mas criou outros. Há que se ter uma clareza além daquela que seria razoável quando se trata de temas sensíveis como questões relacionadas à tributação.

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Atualizado às 14:55

O planejamento sucessório pode ser realizado de diversas formas. Não necessariamente o que é a melhor opção para um caso será a melhor escolha para outro. Este artigo será dedicado à análise da holding familiar, instrumento usado para o planejamento sucessório e que ganhou relevância nos últimos anos. Em função da complexidade e dimensão dos temas a serem tratados, o artigo será dividido em três partes. Na primeira parte, publicada no dia 18 de julho, tratou-se da visão geral do processo sucessório através de holding familiar, bem como discutiu-se o conceito de planejamento tributário, elisão e elusão fiscal, propósito negocial e a desconsideração de atos e negócios jurídicos. Na segunda parte será tratada, especificamente, a questão do ITBI e os seus aspectos controvertidos à luz da jurisprudência. Finalmente, na terceira e última parte serão discutidos os aspectos polêmicos, à luz da doutrina e jurisprudência do ITCMD

  1. Imunidade do ITBI na integralização de capital - visão geral

 A imunidade do ITBI está prevista na Constituição Federal, no seu artigo 156, conforme se verifica a seguir:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

[...]

II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

[...]

§ 2º O imposto previsto no inciso II:

I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;

II - compete ao Município da situação do bem.

[...]

A análise do texto parece ser relativamente clara no sentido de que não incidirá ITBI sobre a transmissão de bens ou direitos tal qual descrito na norma. Apesar da aparente simplicidade, alguns pontos controversos estão inseridos no corpo do texto legal, especialmente acerca da imunidade no caso de empresas em que a atividade preponderante seja imobiliária. Tal assunto será melhor tratado no item 3 do presente artigo.

  1. Análise do Recurso Extraordinário 796.376/SC

O Recurso Extraordinário em questão diz respeito a uma situação na qual a prefeitura de São João Batista (SC) reconheceu parcialmente a imunidade do ITBI sobre os bens imóveis incorporados ao capital social da empresa em questão, com a cobrança do ITBI sobre a diferença. Para tornar mais claro, o capital social da holding era de R$ 24.000,00, e foi integralizado com 17 imóveis, com valor de R$ 802.724,00.

Do total de R$ 802.724,00, R$ 24.000,00 foi integralizado como capital social e R$ 778.724,00 foi lançado à conta de ágio, no patrimônio líquido.

A decisão foi no sentido de se negar provimento ao pedido da Holding, sendo fixada a seguinte tese, de repercussão geral (Tema 796): " A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I § 2º do art. 156 da CF, não alcança o valor dos bens que exceder o limite de capital a ser integralizado".

Embora tenha sido uma decisão bem razoável, pode-se argumentar que muitas dúvidas ficaram no ar. Pode-se argumentar, por um lado, que não há razão para que se constitua uma reserva através de ágio da magnitude aqui vista, em face de um capital social tão pequeno. Além disso, como previsto no inciso I do art. 36 do CTN, a não incidência de impostos sobre a transmissão de bens e direitos se dará "quando efetuada sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito". Por outro lado, ainda de acordo com os dispositivos legais disponíveis, pode-se argumentar que, do ponto de vista contábil, a reserva de capital também faz parte do patrimônio líquido da instituição, de modo que não deveria haver incidência de ITBI em tal operação (reserva de capital), pois de uma maneira, ou outra, houve efetiva integralização de capital na empresa. Tal tese, todavia, foi vencida.

Um ponto interessante que o voto do Ministro Alexandre de Moraes colocou, e aqui concordamos com a tese apresentada, a qual, por sinal, sempre foi defendida pelo professor Harada (HARADA, Kiyoshi. ITBI- Doutrina e Prática. Dialética, 2021), de que a imunidade decorrente da integralização de bens imóveis ao capital das sociedades independe do tipo de atividade da empresa que os recebe. Ou seja, a imunidade destacada na primeira parte do inciso I, do § 2º, do artigo 156 da CF é incondicionada.

  1. Pontos controversos: tentando aparar as arestas

3.1) Cobrança da diferença entre o valor histórico e o valor de mercado

Aqui parece não haver polêmica. O tema já foi pacificado pelos tribunais superiores no sentido de que o ITBI, quando tiver que ser cobrado será com base no valor venal do imóvel, considerado como o valor de venda do imóvel, em condições de mercado. Um ponto que penso que valha ser destacado é que caso seja exigido o pagamento do ITBI, a base de cálculo deve ser o valor venal e não o valor da declaração do IR. Isso é possível, para se evitar tributação sobre ganho de capital (IR), mas não poderia ser usado para a apuração do valor a ser pago de ITBI. Veja, este caso apontado é um aparte, apenas para apresentar a minha visão de que o fisco municipal poderia questionar, e com razão, a utilização de uma norma do IR para buscar um pagamento à menor de ITBI.

Vale destacar, que no caso de imunidade do ITBI, em integralização de capital, tal qual prevista na CF, não faz o menor sentido os fiscos municipais tentarem fazer o lançamento e efetuarem a cobrança da diferença entre o valor contábil e o valor de mercado (valor venal). Não faz sentido, pois trata-se de imunidade, assim definida na CF.

3.2) ITBI e atividade preponderante da pessoa jurídica

Como colocado no final do item 2), tal assunto foi pacificado com relação ao voto do Min. Alexandre de Moraes, de modo que creio que não será mais problema buscar a imunidade do ITBI, na integralização de capital, independentemente do tipo de atividade da empresa. Ainda existe, por parte dos fiscos municipais, a tentativa de tributação no caso de preponderância da atividade imobiliária, mais isso vai contra o sentido do voto vencedor no STF.

  1. Considerações finais

O tema 796 resolveu parte do problema, mas criou outros. Há que se ter uma clareza além daquela que seria razoável quando se trata de temas sensíveis como questões relacionadas à tributação. Na minha visão ainda teremos demandas judiciais questionando, ou buscando a cobrança de ITBI, mesmo quando não for o caso. Existem muitos argumentos e muitas outras teses que podem ser utilizadas e que aqui não foram abordadas por uma questão de espaço. De todo modo, creio que houve um avanço em relação ao assunto.

Domingos Rodrigues Pandelo Junior

VIP Domingos Rodrigues Pandelo Junior

Graduado e mestre pela FGV/SP. Doutor pela Unifesp. Especialista em direito empresarial e público (IBMEC) e em Holding Familiar ( Verbo Jurídico). Experiência em M&A.

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