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Medicamentos de alto custo e o tema 106 do STJ

Formou-se sólido entendimento em nossas Cortes de Justiça, cristalizados pelo tema 106 do STJ, no sentido de que ainda que dado medicamento não tenha sido incorporado ao rol do SUS (e/ou congêneres) eles devem ser fornecidos

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Atualizado às 09:00

Clientes de Planos de Saúde têm direito à medicamentos de alto custo

Infelizmente, ainda temos no Poder Judiciário, um número consideravelmente alto de processos movidos contra planos de saúde e, pasmem, contra o próprio Poder Público requerendo-se a determinação da obrigação de fazer consistente no fornecimento de medicamentos de alto custo. 

Sim, existem amigos para o tratamento de doenças específicas que chegam a custar US$ 2.000.000,00 (dois milhões de dólares americanos) a caixa1.

Na verdade, todo medicamento tem um altíssimo custo. Explicamos: Conversando, em diversas situações com médicos e representantes de indústrias farmacêuticas, concluimos que o desenvolvimento de uma medicação tem um custo que vai de US$ 0,5 a US$ 2bi (de meio bilhão a dois bilhões de dólares americanos). A questão é quantos pacientes utilizarão estes medicamentos a fim de que se possa diluir o custo. Remédios que são utilizados por milhões de pessoa, várias vezes ao ano, também têm um custo de desenvolvimento e pesquisa elevado, contudo este custo será diluído por um número enorme de usuários. 

Em contrapartida, há medicamentos criados para doenças muito raras, que afetam menos de 10.000 pessoas em todo o mundo, situação na qual o medicamento será, necessariamente, muito oneroso. 

(Para os fins deste artigo, não abordaremos razões subjacentes que incrementam os custos de pesquisas de Fármacos.)

Então temos OPERADORAS DE SAÚDE e o próprio Estado2, que são notoriamente recalcitrantes em descumprir suas obrigações. Justificam suas recusas ao fornecimento de tais medicamentos com os seguintes argumentos:

1) Muitas vezes tais medicamentos não estão no ROL da ANS/SUS, isto carecem de comprovações público/científicas de eficácia.

2) obrigar o plano de saúde a custear tratamentos caríssimos e não previstos em contrato importaria o aumento da sinistralidade, o que geraria um aumento de custo para todos os usuários. 

Com a devida vênia àqueles que têm posicionamento diversos, tais argumentos não param em pé e explicaremos, abaixo, sucintamente o porquê:

a) o tempo de pesquisa para que haja comprovação, indene de qualquer dúvida, sobre a eficácia de um remédio/fármaco não costuma ser menor que 5 anos. Estamos falando de pesquisas aprofundadas, com revisão por pares, utilização de critérios duplo-cego e grupos-controle. Ocorre que doenças altamente debilitantes não esperam 5 anos, as vezes mais, para uma plena comprovação científica de determinado medicamento. Por vezes se faz necessário uma "simples" comprovação científica, isto é, um número "X" de pacientes usou determinada droga e um número menor que "X" obteve resultados satisfatórios com a mesma. Temos um exemplo histórico de medicamento de que não atendia todos os requisitos de comprovação científica (e que é retratado no filme Clube de Compras Dallas). Existia apenas uma evidência estatística que justificassem o uso da  azidotimidina (AZT). Pacientes com AIDS, que usavam aquela droga tinham maior sobrevida, ganho de peso e massa muscular.

b) a justificativa do aumento da sinistralidade bem como a ausência de previsão contratual também não se justificam. Quanto à questão contratual, importa dizer que contratos de plano de saúde, para além de uma relação consumerista, são aquilo que se chama no direito de "contratos de trato sucessivo", isto é, contratos que se prolongam e prolongarão no tempo, sendo impossível fazerem-se previsões futuras de novas tecnologias e leis que orientarão aquela prestação de serviços. No que toca ao - suposto - aumento da sinistralidade e do custo dos serviços, com o devido respeito, este argumento também não se mantém. Primeiro lugar, problemas de saúde, como regra geral, acometem as pessoas na terceira idade, isto é, a partir dos 60. Significa dizer que por um grande lapso de tempo de relação contratual, estas empresas não gastarão recursos com esses clientes os quais, por diversos motivos outros, podem nunca vir a utilizar os serviços contratados. Mais ainda, grande parte dessas empresas pertencem a Instituições Financeiras e aqui a mágica acontece. Não há uma única norma jurídica sequer que obrigue um Plano de Saúde a investir os recursos recebidos, necessariamente, em sua própria operação empresarial. Por outra, uma Instituição Financeira que seja acionista de uma Operadora de Saúde pode usar parte dos valores recebidos emprestando-os a juros compostos no mercado, catapultando, outrossim, suas margens de lucros.

Por estão razão, formou-se sólido entendimento em nossas Cortes de Justiça, cristalizados pelo tema 106 do STJ, no sentido de que ainda que dado medicamento não tenha sido incorporado ao rol do SUS (e/ou congêneres) eles devem ser fornecidos observand0-se os seguintes critérios: i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.

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https://m2farma.com/blog/veja-quais-sao-os-5-medicamentos-mais-caros-no-pais/

2 E é sabido que a maior parte das 100.000.000 (cem milhões) de ações que tramitam na Justiça brasileira tem como parte a Fazenda Pública.

Paulo Antonio Papini

VIP Paulo Antonio Papini

Advogado em São Paulo. Mestre e Doutorando pela Universidade Autónoma de Lisboa. Pós-graduado em Processo Civil. Especialista em Direito Imobiliário. Professor na ESA/UNIARARAS e ESD-Campinas.

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