MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Funrural - Legitimidade do adquirente para repetir o indébito, e a decisão do STJ no AREsp 1.755.253/SC

Funrural - Legitimidade do adquirente para repetir o indébito, e a decisão do STJ no AREsp 1.755.253/SC

Gustavo Leite e André Freitas

É inafastável a conclusão que, nos moldes expostos aqui, o adquirente/substituto tributário, no caso do Funrural, possui legitimidade ativa, tanto para discutir a inexigibilidade do tributo, quanto para requerer a repetição do indébito tributário.

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Atualizado às 14:59

O STF, ao julgar a ADIn 4.395, entendeu que a sub-rogação prevista no art. 30, inciso IV da lei 8.212/91, é inconstitucional.

A partir deste julgamento, é oportuno o questionamento sobre quem poderia repetir o indébito tributário relativo a esta contribuição.

O inciso IV do art. 30 da mencionada lei tem a seguinte redação: 

"IV - a empresa adquirente, consumidora ou consignatária ou a cooperativa ficam sub-rogadas nas obrigações da pessoa física de que trata a alínea "a" do inciso V do art. 12 e do segurado especial pelo cumprimento das obrigações do art. 25 desta Lei, independentemente de as operações de venda ou consignação terem sido realizadas diretamente com o produtor ou com intermediário pessoa física, exceto no caso do inciso X deste artigo, na forma estabelecida em regulamento;"

Esta sub-rogação que a lei instituiu constitui uma substituição tributária, já que há a sujeição tributária a outro sujeito.

O STJ, ao julgar o AREsp 1.755.253/SC, entendeu que uma empresa "não tem legitimidade ativa para pleitear a inexigibilidade da contribuição previdenciária parte empregado (art. 20, da Lei n.8.212/91) sobre as verbas que reconhecidamente não possuem natureza salarial, eis

que não teria qualquer pretensão de recuperação valores", tal entendimento decorreu do raciocínio de que "a empresa, ao reter a contribuição social devida por seus empregados, age como mero agente arrecadador, não se confundindo com a figura do responsável tributário, porquanto não integra a relação jurídico-tributária."

Ou seja, no caso de retenção de tributos, o agente retentor não possui legitimidade ativa para pleitear a inexigibilidade do tributo retido, tendo em vista que ele não teria legitimidade para requerer a restituição dos valores, pois "não integra a relação jurídico-tributária". Por via transversa, quando o agente é substituto tributário, ele possui tal legitimidade.

No caso analisado pelo STJ, entendeu-se que, como o agente retentor apenas retém o valor de outro contribuinte, para posterior repasse para o Fisco, este não teria legitimidade para discutir a inexigibilidade do tributo e nem requerer a repetição do indébito tributário.

Situação diversa acontece no caso do Funrural, em que a empresa adquirente, consumidora ou consignatária ou a cooperativa ficam sub-rogadas nas obrigações da pessoa física.

Conforme já defendido em outro artigo, a substituição tributária, denominada sub-rogação no caso do Funrural, se dá "...quando, em virtude de uma disposição expressa em lei, a obrigação tributária surge desde logo contra uma pessoa diferente daquela que esteja em relação econômica com o ato, ou negócio tributado: nesse caso, é a própria lei que substitui o sujeito passivo direto por outro indivíduo." (Rubens Gomes de Sousa)

Ou ainda, nas palavras de Fábio Fanucchi: "a obrigação tributária surge desde logo contra pessoa diferente daquela que esteja em relação econômica direta com o ato, fato ou negócio tributado. A própria lei substitui o sujeito passivo direto por outro indireto".

Diante de tais considerações, percebe-se que o substituto tributário não substitui ninguém (a denominação da figura apresenta-se enganosa). O substituto tributário, na relação jurídica, apenas ocupa o lugar do contribuinte (este nem chega a fazer parte da relação jurídica respectiva), sem o substituir (o substituto tributário aparece, na relação jurídica respectiva, como devedor originário e único). Em verdade, a obrigação tributária já nasce com a pessoa do substituto tributário como devedora.

Sendo assim, não há dúvida de que o substituto tributário paga dívida própria e não dívida alheia. Por força de lei, o encargo da prestação tributária não é do contribuinte, mas sim do substituto.

Um argumento que é comumente utilizado pelo Fisco para refutar a possibilidade de o adquirente/substituto tributário, no caso do Funrural, não repetir o indébito é que há o repasse do encargo para a pessoa física/substituído tributário.

Esta questão nem é afeta ao direito tributário, já que trata da relação comercial entre vendedor e comprador. Caso assim não fosse, como poderia haver a certeza de que o produtor rural, sabendo que seria descontado o valor do Funrural em nota com destaque do tributo, não embutiria o valor do tributo na mercadoria? Fazendo assim, uma espécie de "gross up". Assim, no final das contas, o ônus ainda seria efetivamente sustentado pelo adquirente e, com o entendimento do Fisco, ainda assim não haveria a legitimidade do adquirente para repetir o indébito, pois seria impossível fazer prova de que o produtor rural embutiu o tributo no preço da mercadoria, já que o Fisco faz a presunção seletiva. Por este argumento é que deve haver a distinção das relações do direito tributário com as relações de direito privado. Tais suposições não são afetas ao direito tributário.

A decisão do STJ confirma que, caso haja substituição tributária, e, por consequência, o substituto integre a relação jurídico-tributária, estará presente a legitimidade deste para discutir a exigibilidade de tributo e a possibilidade de repetir o indébito tributário.

Portanto, é inafastável a conclusão que, nos moldes expostos aqui, o adquirente/substituto tributário, no caso do Funrural, possui legitimidade ativa, tanto para discutir a inexigibilidade do tributo, quanto para requerer a repetição do indébito tributário.

Gustavo Leite

Gustavo Leite

Advogado no escritório Martins Freitas Advogados Associados.

André Freitas

André Freitas

Sócio Administrador no escritório Martins Freitas Advogados Associados.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca