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O contrato de mútuo conversível em participação societária e as 12 principais cláusulas que não podem faltar no seu contrato

Nathália Carvalho e Ana Flávia Barbosa

O objetivo aqui foi dar ao leitor um breve panorama das principais preocupações e pontos a serem abordados neste contrato.

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Atualizado às 10:40

O contrato de mútuo conversível em participação societária, como o próprio nome sugere, é um instrumento misto, formalizado por meio de um contrato particular de mútuo, no qual existe a alternativa para o investidor escolher, em vez de reaver o montante investido, receber uma participação societária da startup para a qual o empréstimo foi concedido.

Dito isso, de maneira mais objetiva, o contrato de mútuo nada mais é senão um empréstimo oneroso que pode - ou não - ser convertido futuramente em participação societária (cotas ou ações) da empresa, normalmente startups. O propósito é viabilizar um investimento de risco na empresa e atrelá-lo mais a uma recompensa do que efetivamente a uma garantia do pagamento.

Um aspecto prático interessante desse mecanismo contratual é que o investidor, na maioria das vezes, está interessado não necessariamente em receber o valor emprestado com os juros e correções legais mas em participar futuramente da empresa em que ele investiu (emprestou) o recurso, acreditando na potencialidade do sucesso daquela startup e consequentemente na sua participação societária em uma futura empresa de sucesso.

Embora possa parecer ao leitor mais desatento um instituto novo, o mútuo tem origem no Direito Civil enquanto a conversibilidade de ações se alimenta do direito societário. É uma derivação do Convertible Notes e das Debêntures Conversíveis das Leis de SA.

Atualmente, sua regulação vem expressa na LC 182/21, o Marco Legal das Startups. Embora haja a regulamentação expressa por força desta lei, o instituto sempre foi costumeiramente utilizado pelos investidores em startups. A regulamentação traz, todavia, muito mais segurança jurídica aos investidores e aos founders que passam a contar com uma espécie de contrato típico - previsto em lei.

Nele, o investidor empresta determinada quantia à startup estabelecendo os juros e a correção monetária, enquanto também define os cenários em que o investidor tem a opção de escolher entre substituir a obrigação da startup em quitar o empréstimo com dinheiro ou pela conversão do valor do mútuo em uma parte da sociedade. Caso opte pela conversão, esta é feita por meio da emissão de novas quotas.

E como funciona? O contrato é utilizado para captação de recursos financeiros visando conceder ao investidor participação societária futura. No instrumento, deve-se conter o valor investido e as regras de conversão futura.

Como já dissemos, o objetivo precípuo do investidor está atrelado à expectativa de sucesso da empresa e muito pouco - usualmente - ao retorno do capital investido atualizado. Isso porque espera-se que a empresa investida e a conversão societária em benefício daquele investidor garantam muito mais rentabilidade do que o próprio pagamento do mútuo.

É possível, porém, encontrarmos investidores interessados no pagamento do mútuo e nessas hipóteses é comum encontrarmos cláusulas de bonificação ao investidor no período de liquidação daquele mútuo. Por todas essas questões o contrato precisa contar com grande flexibilidade para que seja ajustado à vontade das partes.

Uma característica importante dessa modalidade é que os investidores não ingressam desde logo na estrutura societária da empresa e, por isso, não se envolvem nos riscos jurídicos da operação, mas podem a depender do quanto ajustado, atuarem como mentores dos seus mutuários.

Apesar de poder atuar como mentor, os Investidores não devem participar da Administração da sociedade, sob pena de descaracterização do negócio como mútuo conversível para então assumirem o mesmo risco dos sócios que compõem o quadro societário.

O mútuo conversível tem sido um importante mecanismo de captação de recursos para os fundadores de startups que têm a oportunidade de angariar recursos para sua empresa sem que os investidores se envolvam no dia a dia da operação e da tomada de decisões, mantendo sua autonomia na tomada de decisões.

Ao final do contrato, o Investidor tem a possibilidade de receber o valor investido com os acréscimos previstos no contrato ou também de efetivamente converter o seu empréstimo em ações. O contrato pode deixar essa prerrogativa somente ao investidor ou criar situações ou requisitos em que a startup tenha a possibilidade de pagar e impedir a conversão de ações e tudo isso depende do que for negociado e minutado pelas partes.

O mútuo conversível pode ser utilizado tanto em rodadas precificadas (aquela em que já está precificado o valuation da empresa) quanto em rodadas não precificadas (aquela em que o valuation ainda não está precificado).

O mútuo pode ser utilizado por quais tipos societários? O mais adequado é a utilização em Sociedades Anônimas, mas é possível utilizarmos o instrumento nas sociedades Limitadas e até mesmo na sociedade unipessoal.

O problema se situa nos Microempresários Individuais (MEIs), nessa hipótese o mais adequado é que haja uma readequação societária para que viabilize o ingresso futuro do sócio investidor.

No caso das Sociedades Limitadas é comum que o contrato de mútuo conversível normalmente preveja a conversão futura dessa sociedade em Sociedade Anônima porque essa conversão vai facilitar a nova distribuição do capital social e aquisição de novas cotas por outros investidores.

Como foi possível perceber o Contrato de Mútuo Conversível é bastante complexo e é importante que o investidor e os fundadores contem com assessoria jurídica especializada para esse momento. Listamos abaixo alguns dos itens/cláusulas indispensáveis e que você investidor/fundador deve estar atento para que contenha no seu contrato de mútuo conversível: 

1.     Prazo: é de extrema importância que conste o prazo de vencimento do mútuo (pagamento do investimento) ou o prazo em que o investidor irá optar pela conversão ou não. Aqui ainda é muito importante prever as hipóteses de vencimento antecipado, isso normalmente acontece quando o negócio dá muito certo, a startup cresceu rapidamente e se fortificou no mercado, ou muito errado, quando por exemplo em razão de decisões, da administração ou por outros fatores a startup não tem se solidificado no mercado, e por último, também nos eventos de liquidez.

2.     Pagamento do Valor Investido: é imprescindível se atentar às cláusulas sobre o reajuste ou não do valor emprestado, incidência de correção monetária, juros, formas de devolução do dinheiro, possibilidade de vencimento por descumprimento do contrato etc.

3.     Conversão: O contrato deve prever as regras e condições para efetivação da conversão, caso o investidor escolha converter o valor investido em ações na startup. Não podemos deixar de fora o prazo e momento da conversão, possibilidade de antecipação, fixação de percentual mínimo ou pré-estabelecido.

4.     Direitos Pré Conversão e Pós Conversão: é importante que o mútuo conversível estabeleça o papel e prerrogativas dos investidores e fundadores antes e depois da conversão. Estabelecer as condições de diluição ou não das cotas, regras sobre a posição do investidor em caso de novos aportes, hipóteses e condições de diluição e até mesmo cláusulas que estabeleçam a possibilidade de mitigação de nova diluição ou de anti diluição como estratégias que garantem ao investidor a possibilidade de realizar aportes adicionais para manter sua posição de participação anterior.

5.     Direito Especial de Voto ou Veto: essa cláusula garante aos fundadores a possibilidade de manter-se no controle e autonomia da administração da empresa. E possibilita ao sócio investidor o veto em determinadas ações administrativas. 

6.     Acesso irrestrito à informação: direito do investidor de manter-se informado sobre a empresa que investiu seus recursos.

7.     Representação nos Conselhos: tem o objetivo de garantir o direito de indicar possíveis conselheiros pelos investidores.

8.     Remuneração dos Fundadores: tema controvertido e de máxima importância, deve-se estabelecer a remuneração dos fundadores (pró- labore) de maneira expressa de modo a impedir que haja alegação futura de retirada indevida ou má administração.

9.     Lockup dos Fundadores: Garantir ao Investidor que os sócios fundadores permanecerão na sociedade por um prazo mínimo. Normalmente, o investidor que aporta capital em uma startup o faz acreditando na potencialidade do negócio e também pelo perfil, know how dos seus sócios fundadores. Por isso, além de ser uma cláusula comum nos contratos de mútuo conversível, é uma das mais importantes para aqueles investidores que entendem que o sucesso da operação está atrelado à permanência dos sócios nos quadros societários da empresa.

10. Preferência de Aquisição: tem o objetivo de garantir a preferência de aquisição de novas cotas aos investidores

11. Preferência de liquidação: tem o objetivo de garantir a preferência de recebimento pelo investidor nos eventos de liquidez. 

12. Confidencialidade: cláusula usual nos contratos empresariais e tem o objetivo de garantir o compromisso de sigilo de informações e dados da empresa para que não possam ser divulgados.

No ecossistema das startups o tema do mútuo conversível em ações é um dos instrumentos de importância mais elevada e complexa e que certamente não podem ser limitadas às doze cláusulas mencionadas nesse texto. O objetivo aqui foi dar ao leitor um breve panorama das principais preocupações e pontos a serem abordados neste contrato. 

Contudo, outros aspectos importantes como os negociais, exclusividade do segmento de investimento, exclusividade de atuação dos fundadores, regime de atualização e tributação, dentre outros ficaram propositadamente de fora deste texto e para tanto recomendamos a você investidor ou fundador que procure um escritório de advocacia especializado no tema para que tenha os seus interesses resguardados.

Nathália Carvalho

Nathália Carvalho

Advogada. Doutoranda em Direito Processual Civil pela PUC/SP

Ana Flávia Barbosa

Ana Flávia Barbosa

Advogada. Especialista em Direito Processual Civil pela Puc-Rio e Pós- Graduanda em Direito Empresarial pelo INSPER.

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