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Cashback tributário

É necessário a instituição de requisitos com seriedade, com sistema antifraude para que não haja aproveitamento e desvirtuação do instituto a ponto de se tornar ineficiente, desigual ou deveras complexo.

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Atualizado às 14:46

A reforma tributária pretende implementar o "Cashback" como um modelo de devolução dos tributos IBS e CBS para pessoas físicas de baixa renda, permitindo que essas famílias recebam de volta parte dos impostos pagos a título de consumo (compras de bens e serviços), cujo principal objetivo é reduzir as desigualdades de renda.

A justificativa é que pessoas de baixa renda tem uma proporção maior de seus rendimentos destinados ao consumo, fazendo com que a tributação seja mais onerosa para essa camada da população, o que os torna mais vulnerável.

Trata-se de uma inovação no ordenamento jurídico brasileiro, da qual haverá regulamentação via Lei Complementar com a definição das hipóteses de devolução, os limites e os beneficiários.

O Cashback, cuja tradução livre significa dinheiro de volta, é conhecido como um sistema de recompensa em que parte de compra é revertido em dinheiro ou pontos, variando as regras conforme da empresa que utiliza esse sistema, há cashback em pontos, programa de milhas, operadoras de cartão de créditos, como no caso das instituições financeiras, dentre outros. Não se trata de desconto, mas uma forma de recompensa para as compras realizadas pelo cliente.

Em outros países que possuem o IVA há o cashback no âmbito da tributação como Bolívia, Uruguai e Canadá, este inclusive vem sendo utilizado como inspiração para o cashback brasileiro. No Canadá especificamente a devolução é efetuada em valores fixos.

No Brasil, o estado do Rio Grande do Sul, existe o programa Receita Certa, uma modalidade de cashback, aprovada em 2020.

"O "cashback gaúcho" é uma forma de devolver à população o incremento real de arrecadação do Estado junto ao varejo. Trata-se de uma ação que beneficia o cidadão, as empresas e o Estado, uma vez que a sociedade gaúcha se engaja na fiscalização tributária ao solicitar a nota fiscal no momento da compra. O programa colabora com a manutenção da concorrência justa de mercado e contribui para o aumento da arrecadação do Estado, que aplica os recursos na prestação de serviços públicos de qualidade1."

Pois bem, esse sistema foi trazido no âmbito da reforma tributária e busca a efetivação da justiça fiscal e redistribuição de renda no país, mas por deixar a sua regulamentação a cargo da lei complementar, o conceito e seu funcionamento ainda são vagos. Quais são os requisitos? Como seria a devolução?

Todos esses pontos ainda estão sendo discutidos e o texto-base ainda não está pronto, pois há pressão e até resistência de alguns setores que temem que o instituto seja desvirtuado.

Segundo notícias, o Cadastro Único2 (CadÚnico) poderá ser utilizado na definição dos beneficiários que terão direito a essa devolução, ou seja, aquelas que possuem renda mensal de até meio salário-mínimo por pessoa, esse seria um dos critérios, mas existem outras possibilidades tais como por gênero, raça, consumo de produto específico da cesta básica etc.

Atualmente a possibilidade de devolução/restituição de tributos no atual sistema tributário brasileiro é prevista no artigo 165 a 169 do Código Tributário Nacional e trata sobre devolução de tributo indevido ou pago a maior em casos específicos.

No entanto, a ideia de devolução de tributo na reforma tributária tem enfoque diverso: a justiça fiscal que consiste na diminuição da desigualdade no Brasil.

Nesse aspecto, o direito tributário deve garantir e instrumentalizar a efetivação das desigualdades e liberdades por meio do Estado, o poder regulador da tributação, delineando e estabelecendo caminhos efetivos para que os cidadãos paguem tributos, respeitando as garantias fundamentais, principalmente levando em consideração a capacidade contributiva e, por outro lado, possa ter o retorno em investimentos não somente no aspecto econômico, mas também no aspecto social.

É notório (ou ao menos deveria ser) que a carga tributária suportada pelos contribuintes deve estar de acordo com sua capacidade contributiva, ou seja, cada um deve contribuir de acordo com sua riqueza, concretizando o efetivo princípio da capacidade contributiva, partindo da premissa de que sempre  que  possível,  os  impostos  terão  caráter  pessoal  e  serão  graduados  segundo  a   capacidade   econômica   do  contribuinte, respeitando por óbvio, os   direitos   individuais   e   nos   termos   da lei,  o   patrimônio,   os  rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Sob outro enfoque é necessário a instituição de requisitos com seriedade, com sistema antifraude para que não haja aproveitamento e desvirtuação do instituto a ponto de se tornar ineficiente, desigual ou deveras complexo.

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1 Receita Certa distribui R$ 44,1 milhões a inscritos no programa Nota Fiscal Gaúcha Disponível em: https://www.estado.rs.gov.br/receita-certa-distribui-r-44-1-milhoes-a-inscritos-no-nota-fiscal-gaucha

2 O Cadastro Único é um grande mapa das famílias de baixa renda no Brasil. Ele mostra ao governo quem essas famílias são, como elas vivem e do que elas precisam para melhorar suas vidas. Disponível em: https://www.gov.br/mds/pt-br/acoes-e-programas/cadastro-unico

Fábio Rodrigues Garcia

VIP Fábio Rodrigues Garcia

Sócio fundador da RGSA, coordena as áreas tributária e de recuperação judicial. Especialista em direito tributário pela PUC/SP, LL.M em Direito Empresarial pela AESE Business School Lisboa, Portugal

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