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Metodologia da CAPAG presumida compromete o sucesso da transação tributária federal

É preciso corrigir as distorções ora apresentadas para fortalecimento e ampliação do instituto que vem se consolidando como o principal método alternativo de resoluções de conflito em matéria tributária.

sábado, 14 de outubro de 2023

Atualizado em 13 de outubro de 2023 10:10

Contribuintes que desejam aderir a uma transação tributária federal, seja ela por adesão ou individual, foram surpreendidos, no mês de março do corrente ano, com a alteração na fórmula de apuração da capacidade de pagamento para equalização do passivo transacionado, cujo resultado determina a aplicação ou não de descontos.

A capacidade de pagamento, apelidada de CAPAG, é calculada de forma a estimar se o contribuinte possui condições de efetuar o pagamento integral em até 5 anos, dos débitos inscritos ou não em dívida ativa da União, sem descontos, considerando a possibilidade de geração de resultados da pessoa jurídica, segundo a ótica das autoridades fiscais.

Quando a capacidade de pagamento do contribuinte não for suficiente para liquidação integral de todo o passivo fiscal, os prazos e os descontos ofertados pela PGFN serão graduados de acordo com a condição de adimplemento dos débitos, observados os limites previstos na legislação de regência da transação.

Pois bem, a fórmula vigente até o início do presente ano para a identificação da categoria do débito - se passível de redução ou não - trazia as seguintes variáveis:

"V1: Valor da massa salarial" - Peso 0,08;

"V2: Valor total pago com guias da Previdência Social-GPS"-  Peso 0,08;

"V3: Valor total pago com documentos de arrecadação de receitas federais-DARF" - Peso 0,08;

"V4: Valor total dos rendimentos pagos por terceiros" - Peso 0,80;

"V5: Valor total de rendimentos em aplicações financeiras+-Peso 10,0;

"V6: Valor total das inscrições em benefícios fiscais";

"V7: Valor total das inscrições garantidas" 

Tais indicadores eram multiplicados aos percentuais aplicados e somados, nestes termos: Capag-p = 5 x(0,10V1 + 0,10V2 + 0,10V3 + 0,05V4 + 0,05V5 + 0,05V6 + 0,40V7) + V8 + 0,80V9 + 0,80V10).

E mais, até então, para aferição da CAPAG da pessoa jurídica, considerava-se qual o impacto da redução concedida na capacidade de geração de resultados, a partir da inclusão, pelo contribuinte, de dados de receita bruta comparada entre os anos anteriores, o número de funcionários, as demissões, entre outros. O percentual de impacto observado era utilizado como redutor da capacidade de pagamento do contribuinte. Ato contínuo, o sistema da PGFN indicava um rating, de sorte que apenas aqueles que ficarem com a classificação "C" ou "D" eram agraciados pelos descontos. Apesar de não diagnosticar com exatidão a capacidade de pagamento, atendia, na grande maioria dos casos, o objetivo do instituto de conceder descontos aos que de fato necessitavam.

Todavia, sem que tenha havido alteração na Lei nº 13.988/2020 e nos critérios que determinam os parâmetros de mensuração do grau de recuperabilidade do crédito, previstos no art. 19 da Portaria 6.757/22, sobreveio nova metodologia, que de forma alguma representa a real situação econômico-financeira da empresa, prejudicando a adesão ou a negociação.

Isto porque a drástica modificação do método traz, entre outras, novas variáveis e novos pesos atribuídos a cada um deles, vejamos:

"V4: valor total das notas fiscais de saída que o contribuinte figura como emitente" - Peso 0,05;

"V5: valor total das notas fiscais de saída que o contribuinte figura como destinatário"- Peso 0,05;

"V6: valor total da receita bruta" - Peso 0,05;

"V9: Valor total dos veículos em nome dos contribuintes" - Peso 0,80;

V10: Valor total das aquisições imobiliárias do contribuinte nos últimos 5 anos (DOI)" - Peso 0,80.

Indicadores estes que são multiplicados aos percentuais aplicados e somados, nestes termos: Capag-p = 5 x(0,10V1 + 0,10V2 + 0,10V3 + 0,05V4 + 0,05V5 + 0,05V6 + 0,40V7) + V8 + 0,80V9 + 0,80V10).

O primeiro ponto que deve ser destacado é que as razões pelas quais as métricas que compõem a fórmula utilizada para calcular a CAPAG não foram publicizadas. Ou seja, o contribuinte conhece apenas os indicadores utilizados para calcular a sua capacidade de pagamento, mas não as razões pelas quais estão sendo utilizados. Para contribuir com o debate, é de suma importância que se tenha conhecimentos dos motivos pelos quais determinadas grandezas integram o cálculo da CAPAG. Com tais informações, poder-se-ia realizar críticas mais assertivas à metodologia de cálculo vigente. Apesar disso, é possível afirmar que tais critérios não identificam a verdadeira capacidade de pagamento dos contribuintes, tolhendo acesso aos descontos previstos na legislação para aqueles que de fato os necessitam. Como se percebe, a fórmula é uma soma simples e que não considera o real nível de endividamento e comprometimento da receita da empresa para com seus compromissos comuns, como com seus funcionários.

Observa-se equivocada a adoção do valor das notas fiscais de saídas emitidas pelo contribuinte ou a ele destinadas, uma vez que nem todas significam receitas ou aquisição de bens. Sabe-se que há operações mercantis com os Códigos Fiscais de Operações e Prestações (CFOP's) identificados pelos nº 5.949 e 5.910 que representam saídas de produtos destinadas apenas para acobertamento de trânsito de mercadorias, não havendo fim comercial em tais transações, inclusive remessa em bonificação, doação ou brinde. O modelo adotado não filtra este tipo de operação, de sorte a camuflar a efetiva situação econômica da contribuinte. 

Além da inclusão de CFOPs que efetivamente não representam o ingresso de receitas, a própria utilização do valor das notas fiscais de saídas emitidas pelo contribuinte (métrica "V4") deve ser criticada. Analisando a descrição das variáveis do CAPAG, constata-se que essa métrica foi pensada para representar a receita bruta do contribuinte. No entanto, já existem outros indicadores na fórmula vigente que trazem essa grandeza. Esse é o caso da métrica "V6 - Receita Bruta", cujo nome é autoexplicativo. Assim, pode-se concluir que a repetição da receita bruta gera um aumento artificial da CAPAG. Por oportuno, destaca-se que a forma de resolver esse problema específico é simples: basta que a métrica "V4" seja excluída da fórmula, medida que resolve o problema da consideração em dobro da receita bruta e da existência de CFOPs que não representam receitas dos contribuintes.

Outro desacerto é utilizar como métrica para aferir a CAPAG de determinados devedores, como uma transportadora, o valor total de veículos de sua titularidade. Desse modo, o credor considera como ativos passíveis de alienação para equalização do passivo a integralidade da frota indispensável a atividade operacional do contribuinte. Ou seja, basta alienar todos os veículos da transportadora para adimplir o passivo em 5 anos, impedindo, destarte, a continuidade da atividade econômica.

Na prática foi possível vivenciar o quão absurdo foram os critérios utilizados na fórmula vigente, visto que contribuinte com CAPAG de cerca de R$ 1 milhão no ano de 2022, foi agora surpreendido com CAPAG superior a R$ 44 milhões, sem qualquer majoração de seu faturamento ou de ativos.

Entretanto, depreende-se da leitura atenta das portarias, como já mencionado, que não houve qualquer alteração na Portaria 6757/22 capaz de justificar tamanha discrepância entre o método de apuração realizado nos 3 primeiros anos do instituto e a fórmula adotada no ano de 2023.

É deveras curioso que, sob a égide da mesma legislação, seja procedida severa mudança na aferição da CAPAG, que reduz sobremaneira os benefícios da transação. Aplica-se agora tratamento mais gravoso aos devedores que não aderiram sob a vigência da fórmula anterior, violando o princípio da isonomia.

Não bastasse, os critérios utilizados não levam em consideração o total de endividamento do sujeito passivo. A CAPAG ignora os indicadores contábeis de liquidez corrente, liquidez geral da companhia e nem a geração de fluxo de caixa, os quais são fundamentais para verificar as condições da empresa honrar com suas obrigações a curto e longo prazo. A atual metodologia despreza a totalidade do passivo circulante e não circulante, ou seja, não contempla débitos fiscais de outros entes federados, trabalhista, bancário e outros. Sequer o patrimônio líquido do contribuinte é avaliado para a mensuração da capacidade de pagamento nos moldes atuais.

E os requerimentos de revisão não têm surtido o efeito esperado pelos contribuintes, especialmente pela ausência de prazo para a análise dos pedidos. Resultado: avolumam-se centenas de pedidos de revisão sem prazo para conclusão da análise, agravando o volume de trabalho dos servidores e provocando longos meses de espera para celebração de uma transação.  Enquanto isto, diante da ausência de previsão legal para suspensão da exigibilidade do crédito tributário, contribuintes seguem negativados, sem certidão de regularidade e sofrendo atos expropriatórios em execuções fiscais.

A forma de identificação da CAPAG para mensuração do grau de recuperabilidade do crédito tributário federal necessita de urgente revisão, sob pena de pôr em risco o próprio instituto, que visa uma arrecadação justa e eficiente, com tratamento adequado àqueles que carecem de descontos, dilação de prazo e uso do prejuízo fiscal e base de cálculo negativa.

Felizmente, por meio da Portaria MF 1.226, de 6 de outubro de 2023, foi instituído um Grupo de Trabalho para aprimoramento dos critérios para aferição da capacidade de pagamento presumida dos contribuintes e do grau de recuperabilidade das dívidas, que deverá, em 60 dias, apresentar relatório das atividades com as propostas de encaminhamentos.

Há que se construir uma fórmula de CAPAG que permita, a partir da inclusão de dados contábeis no sistema, pelo contribuinte, apurar os índices de liquidez corrente, de liquidez seca, de liquidez geral, de capital circulante líquido, de endividamento geral e a composição do endividamento, dentre outros, para adoção de critérios fidedignos de possibilidade de adimplemento.

Sabe-se que as alterações à fórmula da CAPAG aqui propostas não serão aptas a solucionar todos os problemas inerentes à aferição da real capacidade de pagamento do contribuinte. É evidente que nenhuma fórmula será capaz de equacionar todas as variáveis necessárias à análise da real capacidade de pagamento dos contribuintes. O que se pretende é alterar o atual método de cálculo para evitar uma enxurrada de pedidos de revisões de capacidade de pagamento. Uma solução simples, prática e eficiente seria o retorno da antiga fórmula, a qual retratava com maior assertividade a situação econômica do devedor. Sem dúvida alguma, tal providencia iria diminuir a quantidade de pedidos de revisões apresentados pelos devedores.

Não nos esqueçamos que um dos objetivos do instituto é assegurar aos contribuintes em dificuldades financeiras nova chance para retomada do cumprimento voluntário das obrigações tributárias, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora e do emprego promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. 

É preciso corrigir as distorções ora apresentadas para fortalecimento e ampliação do instituto que vem se consolidando como o principal método alternativo de resoluções de conflito em matéria tributária. O sucesso da transação não pode ser medido pelo número de adesões contabilizadas pela PGFN, e sim, pelo efetivo cumprimento dos acordos, os quais dependem da correta mensuração da capacidade de adimplemento do contribuinte.

Jussandra Hickmann Andraschko

Jussandra Hickmann Andraschko

Advogada tributarista no escritório Hickmann Advogados Associados. Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/RS. Especialista em Tributação dos Negócios e da Empresa. Conselheira da Fundação Escola Superior de Direito Tributário - FESDT e membro efetivo do Instituto de Estudos Tributários - IET.

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