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Regime jurídico da qualificação técnica em obras de engenharia: análise sobre a exigência de certidões em nome de pessoa jurídica

A Administração Pública tem legitimidade para incluir requisitos de habilitação jurídica, técnica e econômico-financeira aos interessados em contratar com o Poder Público. Contudo, os editais devem observar princípios licitatórios específicos, como a isonomia e a busca pela proposta mais vantajosa.

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Atualizado às 13:35

I. Introdução

No Brasil, as contratações públicas são celebradas mediante a realização de um procedimento licitatório (CRFB/88, art. 37, inc. XXI), que tem a finalidade de assegurar que todos os concorrentes interessados disputem, em condições de igualdade, o futuro contrato administrativo. O texto constitucional assevera, ainda, que as exigências legais relacionadas à qualificação técnica e econômica sejam somente aquelas "indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações", tendo em vista a manutenção da competitividade da disputa.

Segundo Marçal Justen Filho, a análise da qualificação técnica objetiva verificar se o sujeito possui a experiência e o conhecimento relacionados ao objeto a ser contratado, tendo como alicerce sua atuação pretérita em outras contratações.1 Trata-se, então, de um mecanismo que visa assegurar o sucesso do futuro contrato, e, em última análise, o atingimento do interesse público incutido no seu objeto.

Quando o objeto envolve a execução de obras e serviços de engenharia, definido no art. 6º, XXI, da lei 14.133/21,2 é comum que os editais de licitação exijam a apresentação de Certidões de Acervo Técnico - CAT, emitidas pelo Conselho Regional de Engenharia competente, para fins de comprovação da capacidade técnica. Assim determina tanto a lei 8.666/93, em seu art. 30, quanto a lei 14.133/21, no art. 67.

Segundo a doutrina especializada, os requisitos de qualificação técnica têm o seguinte objetivo:

"Como sabido, a qualificação técnica compreende as exigências definidas em Edital aptas a demonstrar que o licitante e seu corpo de profissionais possuem a experiência prévia suficiente para cumprir, integralmente, com o objeto a ser contratado, comprovando que já executaram satisfatoriamente, obra ou serviço similar, de mesma natureza e complexidade, reunindo as condições mínimas para celebrar o contrato com a Administração e entregar o objeto da forma como previsto no Edital".3

Segundo Rafael Carvalho Rezende de Oliveira, a capacidade técnica se divide em três espécies, sendo: (i) genérica, demonstrada pela inscrição da empresa no Conselho Profissional ou órgão de classe competente; (ii) específica, relativa ao conhecimento acumulado do licitante sobre o objeto; e (iii) operacional, que exige a comprovação de que o licitante possui mão de obra e equipamentos disponíveis para execução do futuro contrato.4

O TCU, já se posicionou, no âmbito de incidência da lei 8.666/93, na mesma linha defendida pelo autor:

"Não se admite a transferência do acervo técnico da pessoa física para a pessoa jurídica, para fins de comprovação de qualificação técnica em licitações públicas, pois a capacidade técnico-operacional (art. 30, inciso II, da Lei 8.666/93) não se confunde com a capacidade técnico-profissional (art. 30, § 1º, inciso I, da lei 8.666/93), uma vez que a primeira considera aspectos típicos da pessoa jurídica, como instalações, equipamentos e equipe, enquanto a segunda relaciona-se ao profissional que atua na empresa." 5- grifos não constam do original

Dentre as três espécies de capacidade técnica, a que mais gera controvérsia no âmbito de realização das licitações é a segunda, relativa a comprovação da experiência do licitante em relação ao objeto.

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1 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de Licitações e Contratações Administrativas: lei 14.133/21. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 808.

2 Art. 6º, XXI - serviço de engenharia: toda atividade ou conjunto de atividades destinadas a obter determinada utilidade, intelectual ou material, de interesse para a Administração e que, não enquadradas no conceito de obra a que se refere o inciso XII do caput deste artigo, são estabelecidas, por força de lei, como privativas das profissões de arquiteto e engenheiro ou de técnicos especializados, que compreendem: (...)

3 PASCHOA, André Paulani; BARIANI JUNIOR, José. In: DAL POZZO, Augusto Neves; CAMMAROSANO, Márcio; ZOCKUN, Maurício (Coord.). Lei de Licitações e Contratos Administrativos Comentada: lei 14.133/21. São Paulo: Thompson Reuters, 2021, p. 329.

4 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 11 Ed. - Rio de Janeiro: Método, 2023, p. 500.  

5 Acórdão TCU 2.208/22 - Plenário, relator Ministro Augusto Sherman, Informativo de Licitações e Contratos 301/16, j. em 24/8/16.

Thaís Marçal

Thaís Marçal

Advogada. Secretária Geral da Comissão de Assuntos Regulatórios do Conselho Federal da OAB. Presidente da Comissão de Estudos de Improbidade Administrativa da OABRJ. Coordenadora Acadêmica da ESA OABRJ. Mestre pela UERJ.

Caio Macêdo

Caio Macêdo

Graduando em Direito pela FND-UFRJ. Membro da Liga Acadêmica de Direito Administrativo da FND-UFRJ.

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