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A "Pejotização" nas empresas: desafios, riscos e implicações legais

Este artigo tem como objetivo aprofundar a compreensão da "pejotização", explorando os desafios, riscos e implicações legais associados a essa prática.

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Atualizado às 13:57

I. O contexto da "pejotização"

A "pejotização" é uma prática que ganhou popularidade entre as empresas brasileiras em busca de flexibilidade, redução de encargos trabalhistas e tributários e economia de custos. No entanto, essa abordagem levanta preocupações e desafios significativos.

Em 2017, a reforma trabalhista (lei 13.467/17) trouxe mudanças substanciais na legislação trabalhista do Brasil, facilitando a terceirização de atividades-fim das empresas e a contratação de trabalhadores como MEIs ou pessoas jurídicas. Essa flexibilização abriu caminho para a "pejotização", uma vez que as empresas passaram a explorar as oportunidades oferecidas por esse novo cenário legal.

II. Requisitos para configuração do vínculo empregatício

A fim de compreender a "pejotização", é essencial analisar os requisitos estabelecidos na CLT e como a jurisprudência do TST os aplica para determinar se uma relação de trabalho é considerada um vínculo empregatício. A CLT define os principais elementos que caracterizam uma relação empregatícia:

  1. Não Eventualidade: A CLT requer que o serviço seja prestado de forma não eventual, ou seja, de maneira contínua e não ocasional. Isso não significa que o trabalhador precisa estar presente todos os dias, mas sim que o serviço é prestado de forma regular.
  2. Subordinação: A subordinação é um elemento crítico na caracterização do vínculo empregatício. Ela envolve a existência de um grau de controle exercido pelo empregador sobre as atividades do trabalhador, incluindo a capacidade de dar ordens e direcionamentos.
  3. Onerosidade: O requisito de onerosidade se refere ao pagamento pelo serviço prestado. Deve haver uma relação contratual em que o trabalhador seja remunerado por suas atividades.
  4. Pessoalidade: A CLT estipula que o serviço deve ser prestado pessoalmente pelo contratado, impedindo a substituição por terceiros. Isso visa garantir a unicidade da mão de obra.

A análise dos tribunais trabalhistas brasileiros frequentemente se baseia na avaliação desses requisitos para determinar se uma relação de trabalho é, de fato, um vínculo empregatício. A subordinação é frequentemente o critério mais debatido e discutido, uma vez que é essencial para distinguir entre trabalhadores contratados como empregados e trabalhadores que atuam como "PJs".

III. O desafio da subordinação

O elemento da subordinação é um dos pontos críticos na determinação do vínculo empregatício. Em muitos casos de "pejotização", as empresas tentam mascarar a subordinação, estabelecendo metas e diretrizes a serem cumpridas pelos trabalhadores contratados como PJs. No entanto, simplesmente estabelecer metas não é suficiente para descaracterizar a subordinação.

A subordinação não se limita a ordens diretas dadas pelo empregador. Ela envolve um estado de dependência estabelecido pelo direito do empregador de comandar e ordenar as atividades do trabalhador. Isso não significa que o empregado precise responder a cada ordem individual, mas sim que a relação é caracterizada por uma obrigação de submissão do empregado.

Os tribunais trabalhistas frequentemente aprofundam a análise da subordinação para determinar se ela é suficiente para configurar o vínculo empregatício. É importante para os empresários e empreendedores compreenderem essa interpretação, pois a subordinação é um ponto crítico na distinção entre a "pejotização" e uma relação de emprego tradicional.

IV. Implicações legais e visão dos tribunais

A prática da "pejotização" pode resultar em implicações legais significativas, tanto para empresas quanto para trabalhadores. Se um tribunal trabalhista concluir que uma relação "pejotizada" configura um vínculo empregatício, a empresa pode ser responsável por pagar todas as obrigações trabalhistas atrasadas, incluindo FGTS, 13º salário, férias, entre outros benefícios.

O Artigo 9º da CLT estabelece que "serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação." Isso significa que a tentativa de "pejotização" com o objetivo de evitar as obrigações trabalhistas é ilegal e sujeita a anulação.

Um exemplo relevante relacionado a esse tema ocorreu em setembro de 2022. A 2ª Turma do TRT-18 (GO) julgou procedente o pedido de vínculo trabalhista de um contador que, segundo os desembargadores, preenchia os requisitos do vínculo empregatício. O relator, desembargador Mário Sérgio Bottazzo, argumentou que "o trabalho humano é presumivelmente prestado mediante subordinação."

Essa decisão é um lembrete da importância de considerar cuidadosamente a natureza das relações de trabalho e as implicações legais associadas à "pejotização". Empresários e empreendedores devem estar cientes de que a prática de "pejotização" não é uma solução universal e que o cumprimento dos requisitos legais é fundamental para evitar riscos legais.

V. A importância da análise de cada caso

É essencial ressaltar que a "pejotização" não é proibida em todos os casos. O enquadramento legal depende das circunstâncias específicas de cada relação de trabalho. Portanto, a análise individual de casos é crucial.

Os empresários e empreendedores devem examinar cuidadosamente as regras do contrato estabelecido com o profissional e garantir que as características de autonomia e independência do contratado sejam respeitadas. O profissional contratado deve ser livre para controlar sua jornada de trabalho e a forma como executa suas atividades, o que é de responsabilidade do contratante.

O estabelecimento de cláusulas contratuais que afastem a subordinação é fundamental para evitar que a relação seja caracterizada como um vínculo empregatício. É essencial garantir que o profissional não seja dependente da contratação e que possa prestar serviços a outros clientes, escolhendo livremente seu horário de trabalho e sua forma de prestação de serviços.

VI. As consequências do uso incorreto da "pejotização"

O uso incorreto da "pejotização" pode ter implicações sérias para as empresas. Além das obrigações trabalhistas atrasadas, como o pagamento de salários, FGTS e outros benefícios, as empresas também podem enfrentar consequências financeiras significativas.

Uma vez esgotados os recursos da empresa para o pagamento dessas verbas, os reclamantes têm o direito de buscar a desconsideração da personalidade jurídica da empresa. Isso significa que o patrimônio pessoal dos sócios da empresa pode ser alcançado para pagar essas obrigações, o que pode levar à falência da empresa, dependendo do valor da condenação.

O Artigo 50 do Código Civil estabelece que "em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou a requerimento do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica."

VII. A necessidade de uma estratégia

Embora a "pejotização" possa oferecer vantagens econômicas às empresas, é crucial que seja abordada de forma estratégica e pontual. Nem todas as funções e relações de trabalho se encaixam na categoria de "pejotização", e as empresas devem considerar cuidadosamente quais posições podem ser contratadas dessa forma.

Em vez de adotar a "pejotização" de forma generalizada, as empresas devem planejar estrategicamente a contratação de profissionais como pessoas jurídicas. É importante que haja um planejamento adequado e orientação jurídica especializada para evitar riscos legais e trabalhistas.

Conclusão

A "pejotização" é uma prática que continua a gerar debates e desafios no ambiente de trabalho brasileiro. Empresários, empreendedores e comerciantes devem estar cientes das implicações legais associadas a essa abordagem e da necessidade de cumprir os requisitos estabelecidos na CLT para evitar riscos trabalhistas e jurídicos.

A subordinação é um ponto crítico na caracterização do vínculo empregatício e deve ser abordada com cuidado. Além disso, a consultoria jurídica desempenha um papel fundamental na implementação adequada da "pejotização" e na elaboração de contratos que afastem a subordinação.

Em última análise, a "pejotização" pode ser uma ferramenta eficaz quando usada de maneira estratégica e legal, mas a consciência legal é essencial para evitar riscos e garantir relações de trabalho justas e transparentes. A evolução das leis e da jurisprudência requer um acompanhamento constante para garantir o cumprimento das regulamentações em constante mudança.

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- Consolidação das Leis do Trabalho - CLT - lei 13.467/17.

- Tribunal Superior do Trabalho - TST - Jurisprudência relacionada à "pejotização" e vínculo empregatício.

Pedro Neiva de Faria

Pedro Neiva de Faria

Advogado de Negócios, Empreendedor, Mestrando em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação Especialista em Marcas, Contratos e Societário. Sócio do Neiva Advogados

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