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O valor da Justiça do Trabalho

É certo que decisões negociadas devem ser objeto de estímulo na Justiça do Trabalho, pois a conciliação é um de seus princípios, desde sua criação. Mas aplicar simplesmente a negociação sem intervenção judicial, nesse flagrante desigualdade entre as partes litigantes, é retornar ao tempo anterior à Princesa Isabel.

terça-feira, 31 de outubro de 2023

Atualizado às 08:50

A imprensa e declarações de alguns magistrados, tratam a Justiça do Trabalho como um poder judiciário que contraria decisões do STF e que defende os trabalhadores acima do que está definido pela Suprema Corte, fazendo com que se amplie o número de Reclamações, e fazendo do Supremo uma Corte recursal superior de decisões do TST.

Alegam que acórdãos do Supremo, com repercussão geral, que afirmam da validade da terceirização, inclusive na atividade fim, não são aceitos pelo TST. Dizem que as contratações de pessoas jurídicas , admitida pelo STF, são canceladas pelo TST, bem como os trabalhos em plataformas, tais como a uberização.

Trata-se de declarações equivocadas, de quem desconhece o direito do trabalho.  A Justiça do Trabalho cabe dizer da existência ou não da relação de emprego, e pelo artigo 9º da CLT, são nulos, de pleno direito,  os atos praticados com o objetivo  de desvirtuar , impedir ou fraudar  a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.

Então há de se fazer a distinção entre uma decisão do Supremo Tribunal que define o direito do trabalhador não ser empregado exercendo determinada atividade e a fraude decorrente de determinados contratos, em que o empregador denomina o trabalho de determinada forma para exigir do trabalhador todas as características do empregado.

É que o direito do trabalho é realidade e não nomenclatura. Não se define o trabalho pelo rótulo mas como é ele realizado e quem verifica essa matéria, que é fática e não constitucional, é a Justiça do Trabalho.

Por outro lado, alegam que a Justiça do Trabalho é deficitária, pois os gastos decorrentes de sua estrutura são maiores do que os próprios direitos reclamados pelos trabalhadores, surgindo a "piada" de que seria melhor o governo pagar a todos os trabalhadores e extinguir essa Justiça.

Mentira e isto é mais um argumento de quem quer lucrar e não ter uma justiça que fiscalize o direito dos trabalhadores. Nesse cálculo não se verificou quanto arrecada a Justiça do Trabalho em impostos favorecendo ao Governo, à previdência social e nem se imaginou da paz social decorrente de uma Justiça especializada.

Dizem também que não é uma Justiça mais existente em outros países. Mentira, como bem evidenciou José Pastore, em artigo publicado no Correio Braziliense, na América Latina quase todos os países possuem Justiça trabalhista. Na Europa é ela existente na Alemanha, Finlândia, França, Hungria, Irlanda, Noruega e Suécia, como também na Espanha, Holanda e Portugal, variando sobre graus de jurisdição e conflitos coletivos e individuais.

Existem sim países em que a Justiça do Trabalho está integrada na Justiça comum nos quais, porém, a origem do direito decorre da common law, como no Japão e nos Estados Unidos e não como o nosso, decorrente do direito romano-germânico. Há, ainda, outros de características próprias com instâncias trabalhistas e graus superiores relativos à Justiça comum.

Mas o importante é que a nossa Justiça do Trabalho, que deve orgulhar a todo o brasileiro e que é procurada de forma a garantir o direito de seus trabalhadores, não só é uma Justiça especial, como também uma Justiça criada de forma diferente, com características próprias que lhe foram acrescentadas por estudiosos, doutrinadores, magistrados e todos que querem uma garantia maior em defesa do trabalho.

Vejam que, na época da Revolução de 1964, e conheço bem da matéria porque sou advogado trabalhista há cinquenta e cinco anos, quem manteve a estrutura das empresas e dos sindicatos no Brasil foi esse poder normativo, tão destroçado hoje em dia, porque no momento em que haviam greves nacionais com possibilidade de invasão dos militares, era a decisão normativa do TST que salvava o conflito e assim conseguimos chegar novamente à democracia. Aliás, é esse poder normativo que ainda está salvando o país de greves, como recentemente a dos Aeroviários , da Eletrobrás e outras.

Vejam que o trabalho escravo que muitos disfarçadamente ainda mantém em suas indústrias e Fazendas, está  sempre levantado  pelo Ministério Público e condenado pela Justiça do Trabalho.

Ao contrário do que dizem os grandes interessados na extinção da Justiça do  Trabalho, não se julgam nessa Justiça processos em média de quatro mil e quinhentos reais, como declarado em recente artigo. Se assim fosse não haveria toda essa gritaria por sua extinção.

Julgam-se processos pequenos sim, mas também processos milionários, como os de hiper suficientes, e outros como dissídios coletivos que abrangem uma categoria de milhares de trabalhadores, dano moral coletivo, ações civis públicas, e é essa Justiça que consegue resolver conflitos nacionais com acordos que possibilitam a paz neste país.

São milhares de processos em tramitação na Justiça do Trabalho e isto é uma verdade, mas tal fato só demonstra que existem milhares de empresas descumprindo os direitos dos trabalhadores e, nesse caso, existem duas alternativas:

Ou se valoriza a Justiça do Trabalho, ou acaba-se com ela porque está atrapalhando o lucro.

Então surgem os entendidos dizendo que o melhor é transformar essa Justiça em uma administrativa, (como era antes de 1943), propiciando apenas soluções mediante arbitragem, mediação e  conciliação.

É certo que decisões negociadas devem ser objeto de estímulo na Justiça do Trabalho, pois a conciliação é um de seus princípios, desde sua criação. Mas aplicar simplesmente a negociação sem intervenção judicial, nesse flagrante desigualdade entre as partes litigantes, é retornar ao tempo anterior à Princesa Isabel. Quem sabe não se extingue também a democracia e se retorna ao poder monárquico?

José Alberto Couto Maciel

José Alberto Couto Maciel

Sócio fundador do escritório Advocacia Maciel.

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