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Tema 100 do STF: desconstituição da coisa julgada nos juizados especiais federais

O STF, no Tema 100 da repercussão geral, fixou a tese da possibilidade de desconstituição da coisa julgada no âmbito dos juizados especiais federais.

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Atualizado às 07:58

Em julgamento concluído em 9/11/23, em Plenário Virtual, após longos anos de tramitação, o STF, fixou a seguinte tese no Tema 100 da repercussão geral:

"1) é possível aplicar o artigo 741, parágrafo único, do CPC/73, atual art. 535, § 5º, do CPC/15, aos feitos submetidos ao procedimento sumaríssimo, desde que o trânsito em julgado da fase de conhecimento seja posterior a 27.8.2001; 2) é admissível a invocação como fundamento da inexigibilidade de ser o título judicial fundado em 'aplicação ou interpretação tida como incompatível com a Constituição' quando houver pronunciamento jurisdicional, contrário ao decidido pelo Plenário do STF, seja no controle difuso, seja no controle concentrado de constitucionalidade; 3) o art. 59 da lei 9.099/95 não impede a desconstituição da coisa julgada quando o título executivo judicial se amparar em contrariedade à interpretação ou sentido da norma conferida pela Suprema Corte, anterior ou posterior ao trânsito em julgado, admitindo, respectivamente, o manejo (i) de impugnação ao cumprimento de sentença ou (ii) de simples petição, a ser apresentada em prazo equivalente ao da ação rescisória".

Em se tratando de tema afetado à repercussão geral em 2008, deve ser assinalado que ainda se referia ao CPC/1973, cuja tese originalmente debatida era esta:

  1. Aplicação do art. 741, parágrafo único, do CPC, no âmbito dos Juizados Especiais Federais. b) Possibilidade de desconstituição de decisão judicial de processo com trânsito em julgado fundada em norma posteriormente declarada inconstitucional.

O tema da impugnação à coisa julgada é bastante complexo e toda questão processual que se refere aos Juizados Especiais Federais é de grande interesse da advocacia previdenciária, de sorte que teceremos algumas considerações a respeito dessa nova tese jurídica fixada.

O primeiro ponto a ser assinalado diz respeito ao fato de que os Juizados Especiais Federais fazem parte de um microssistema processual que também é composto pelos Juizados Especiais Cíveis e pelos Juizados Especiais da Fazenda Pública.

Nesse sentido, eventuais lacunas processuais no rito dos Juizados Especiais Federais deverão ser integradas mediante o recurso à lei 9.099/95 e, apenas secundariamente, a partir da aplicação do CPC:

Art. 1º São instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, aos quais se aplica, no que não conflitar com esta lei, o disposto na lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.

É a partir desta premissa que surgiram inúmeras dificuldades de atuação no âmbito dos Juizados Especiais Federais, visto que a lei 9.099/95 não comporta o cabimento da ação rescisória:

Art. 59. Não se admitirá ação rescisória nas causas sujeitas ao procedimento instituído por esta lei.

Compreendemos que a impossibilidade de ação rescisória no âmbito dos Juizados Cíveis é adequada às bases às quais se estrutura aquele microssistema processual: causas de natureza exclusivamente patrimonial, de pequena monta e de pequena complexidade, disputas que no mais das vezes se solucionam a partir mecanismos consensuais (conciliação).

Por outro lado, o descabimento da ação rescisória no seio dos Juizados Especiais Federais não possui a mesma razoabilidade. A litigância contra a União Federal e suas autarquias, inclusive o INSS, não apresenta as mesmas características da litigiosidade cível.

Trata-se de causas de grande complexidade normativa e significativa carga fática; especialmente no que tange ao campo previdenciário há uma jurisprudência sempre em oscilação e expressiva alteração de entendimentos jurisprudenciais, inclusive no âmbito dos Tribunais Superiores (cujos maiores exemplos são os temas da desaposentação, do adicional de 25% às demais aposentadorias e da revisão da vida toda). De modo que a impossibilidade das ações rescisórias nessa seara judicial não parece adequada a parcela expressiva da doutrina.

O ponto central é que a jurisprudência já havia se firmado de modo consolidado no sentido da aplicação do art. 59 da lei 9.099/95 aos Juizados Especiais Federais, isto é, vedando a possibilidade das ações rescisórias nesse microssistema processual.

Assim, uma vez transitado em julgado o processo, aplicam-se os efeitos do art. 502 do CPC:

Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

Diante deste quadro, e da impossibilidade de ações rescisórias, o Ministro Roberto Barroso, apontou uma situação muito relevante em seu voto-vista (que foi acompanhado por maioria e fixou a tese jurídica):

A utilização de ação rescisória em sede de Juizado encontra óbice textual no art. 59 da lei 9.099/95. Estou de acordo com que a proibição não pode representar um obstáculo à rediscussão da matéria, quando o título transitado em julgado divergir de interpretação constitucional firmada pelo STF. Contudo, a impossibilidade de se arguir a matéria em ação rescisória não representa, por si só, uma violação à força normativa da Constituição, desde que haja outros meios para desconstituição da coisa julgada inconstitucional.

O Min. Gilmar Mendes, que também divergiu da Relatora, propôs como solução a esse impasse a utilização de interpretação conforme à constituição ao art. 59 da lei 9.099/95, passando a admitir a ação rescisória nos Juizados Especiais nas situações de confronto com a jurisprudência do STF.

Porém esse entendimento não prevaleceu, especialmente, conforme apontado pelo Ministro Barroso em seu voto-vista, pelo fato de que acabaria por atribuir aos TRFs uma competência processual destituída de previsão constitucional.

De modo que outras soluções processuais foram propostas e, assim, prevaleceu aquilo que consta da tese jurídica fixada: o manejo da impugnação ao cumprimento de sentença, conforme art. 535, § 5º, do CPC/15 ou mesmo de simples petição, desde que apresentada no prazo equivalente ao da ação rescisória, ou seja, 2 anos.

A fixação desse prazo de 2 anos para a impugnação da coisa julgada via simples petição utiliza por analogia o prazo da ação rescisória, fixado no art. 975 do CPC/15, e compreendemos que se trata de medida razoável, diante da argumentação expendida no voto do Min. Barroso.

Consideramos que a possibilidade de impugnação da coisa julgada nos Juizados Especiais Federais é cabível tanto ao INSS como aos segurados, pelo fato de que a discussão começo a partir da possibilidade de impugnação ao cumprimento de sentença (art. 535, § 5º, do CPC), mas a tese fixada é bem mais ampla, afastando a limitação processual do art. 59 da lei 9.099/95.

Ademais, assim não fosse o entendimento prevalecente, haveria notória afronta à isonomia processual entre as partes, malferindo o art. 5º, caput, da Constituição Federal, pois haveria uma possibilidade de acesso à justiça conferida tão somente à Fazenda Pública.

Também é necessário mencionar que a possibilidade de desconstituição da coisa julgada no âmbito dos Juizados Especiais Federais não possui apenas aspectos positivos. Também sujeita os segurados ao risco de eventual devolução de valores (art. 115 da lei 8.213/91, c.c. Tema 692 do STJ) no caso de o INSS obter, conforme o Tema 100 da repercussão geral, o desfazimento de decisões favoráveis aos segurados que porventura tenham transitado em julgado em sentido contrário ao fixado pela jurisprudência do STF.

Por fim, é importante mencionar que o Tema 100 do STF não colide nem afasta a recente Questão de Ordem 48 da TNU, onde se fixou que a jurisprudência do STF não enseja a apresentação de Incidente de Uniformização da Legislação Federal perante a TNU.

Marco Aurélio Serau Junior

Marco Aurélio Serau Junior

Diretor Científico do IEPREV - Instituto de Estudos Previdenciários.

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