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A extinção das execuções fiscais de pequeno valor e sua correlação com a autonomia dos entes federativos

O STF decidiu que leis estaduais sobre não inscrição de dívida ativa não se aplicam a Municípios, preservando a autonomia tributária destes para decidir sobre seus tributos e arrecadação, conforme a Constituição Federal.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Atualizado às 14:44

Acerca do tema, é de pleno conhecimento que o STF, no âmbito do julgamento do RE 591.033/SP, em sede de repercussão geral, definiu a tese de que "lei estadual autorizadora da não inscrição em dívida ativa e do não ajuizamento de débitos de pequeno valor é insuscetível de aplicação a Município e, consequentemente, não serve de fundamento para a extinção das execuções fiscais que promova, sob pena de violação à sua competência tributária".

Na ocasião mencionada, a Corte Superior deliberou que o Município, como ente detentor de autonomia tributária, dispõe de plena competência legislativa, com o poder de decidir tanto acerca da instituição de seus tributos, quanto a respeito da arrecadação e eventual renúncia das receitas respectivas, nos termos da Constituição Federal.

Ainda, em julgamento recente, datado de 27/9/21, no âmbito do Agravo Regimental de Recurso Extraordinário com Agravo 1.333.614, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, houve a sustentação da tese 109, na medida em que este Tribunal entendeu pela irrelevância da possibilidade de se protestar a certidão de dívida ativa, novidade trazida pela lei 12.767/12, em que se facultou aos entes federativos diversa possibilidade de exercer coerção para a cobrança de tributos devidos pelos contribuintes inadimplentes.

Significa dizer, o próprio STF corretamente entendeu que caberia a cada municipalidade, não obstante haja uma nova ferramenta para se cobrar débitos, ponderar sobre os bônus e ônus de se ajuizar execuções fiscais, ainda que de mínima importância, sob pena de violação do direito de acesso à justiça, consubstanciado no artigo 5º, XXXV, da CF, que estatui que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, sem mencionar o princípio da separação dos poderes.

Ocorre que o TJ/SC resolveu pela extinção de execução fiscal do Município de Pomerode, sob a alegação de que a lei que trouxe a previsão da possibilidade de o ente federativo protestar as certidões de dívida ativa teria alterado significativamente a circunstância que levou a Suprema Corte a estabelecer a tese 109, ocasião que levou o ente prejudicado a provocar nova manifestação do órgão de cúpula do Poder Judiciário, com a afetação do RE 1.355.208 na sistemática dos recursos repetitivos.

Ao que se vê, a Corte Estadual fundamentou sua posição sob o argumento central de que as execuções fiscais de pequeno valor seriam contrárias aos princípios da eficiência, razoabilidade e proporcionalidade, uma vez que o custo do processo superaria eventuais ganhos obtidos com a satisfação do crédito pretendido.

Dito isso, respeitado o entendimento do TJ/SC e de parte dos tributaristas, entendo que não cabe ao Poder Judiciário se imiscuir no juízo de conveniência e oportunidade que compete ao ente federativo local, que possui a atribuição de definir os meios de cobrança de seus créditos, decorrentes da autonomia conferida pela Carta Magna.

Sob este aspecto, é inegável que a opção do constituinte originário foi de propiciar um amplo acesso à justiça, a fim de que o Poder Judiciário pudesse apreciar questões de legalidade e/ou constitucionalidade, principalmente nas hipóteses de violação de direitos subjetivos.

O fato de a legislação prever métodos alternativos de solução de controvérsias ou mesmo meios extrajudiciais de cobrança de dívidas não acarreta na impossibilidade de apreciação de um tema por via judicial.

Nesse sentido, a meu ver, não se mostra adequado que o Poder Judiciário possa, por iniciativa própria, limitar o acesso à jurisdição e impor que técnicas alternativas sejam utilizadas a despeito da vontade das partes envolvidas.

Como se sabe, o próprio ordenamento jurídico excepcionou as hipóteses restritivas de acesso à jurisdição, com a adoção, por exemplo, do esgotamento das vias administrativas aos pleitos desportivos e reclamações constitucionais de atos ou omissões da administração pública que contrariem súmula vinculante.

Não bastasse, cabe esclarecer que o entendimento prevalente do STF acerca dos requisitos de configuração de interesse de agir para demandas previdenciárias e as relativas ao Habeas Data não se enquadrariam no contexto fático aqui discutido, de distinta ratio decidendi.

Impedir o ente estatal de ajuizar uma execução fiscal por somente ter outros meios de possibilidade de cobrança seria o mesmo, na prática, que estabelecer uma jurisdição condicionada, vedada, em regra, pelo sistema constitucional brasileiro.

E não se desconhece que as execuções fiscais são as principais responsáveis pelo cenário de litigância repetitiva e o consequente gargalo na máquina pública no âmbito processual.

Contudo, o caminho para se buscar resolver uma cultura de litigância não passa por restrições de direitos fundamentais, tampouco por limitação de autonomia apta a assegurar o equilíbrio do pacto federativo, mas por um trabalho estrutural de incentivo a mudança de comportamento, principalmente por meio da disponibilização e estímulo de métodos alternativos, a fim de demonstrar o ganho social a partir de tal diversificação.

Se fosse verdade que o legislador tivesse a finalidade de substituir o meio judicial de cobranças de créditos tributários de diminutos montantes, o teria determinado expressamente, ante a extrema relevância do tema para a sociedade.

Os poderes Executivo e Legislativo, se assim desejarem, podem vir a optar pela dispensa de execuções consideradas de pequena importância, por meio de atos normativos próprios, com lei em sentido estrito ou por meio do poder regulamentar que a Administração Pública possui, apta a orientar a atuação de seus servidores públicos.

Além disso, caberia indagar o que seria um montante de diminuta importância, já que o que é irrelevante para a União, Estados e Municípios de grandes populações, pode não ser para Municípios menores, ante a descomunal diferença orçamentária existente entre os envolvidos.

Vale lembrar que sem receitas tributárias inexiste autonomia, por não ser possível se estabelecer com efetiva liberdade sem verbas próprias, que garantam a ausência de subordinação ou dependência de um ente para com outros.

Em voto de lavra da Ministra Relatora Ellen Gracie, no âmbito do RE 591.033/SP que definiu a tese que se rediscute, houve expressa menção de que as execuções fiscais possuem um escopo imediato e outro mediato, didático, persuasório, uma vez que além de servir para a satisfação do crédito em si, busca impedir que as dívidas se tornem elevadas e que um comportamento de inércia leve a induzir que os demais contribuintes não honrem com seus compromissos fiscais.

De toda forma, diante de uma questão apta a impactar significativamente os Municípios de pequeno e médio portes, em um país conhecido por sua ampla desigualdade socioeconômica entre suas diferentes regiões, espera-se que o STF leve em consideração as diferentes capacidades econômicas dos diversos entes que integram a Federação, uma vez que a repercussão a estes Municípios seria completamente diferente em relação aos grandes entes federativos.

Guilherme Lobato de Oliveira Lima

VIP Guilherme Lobato de Oliveira Lima

Advogado. Possui graduação em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-Graduado em Processo Civil pela Fundação Getulio Vargas. Tem experiência em contencioso cível estratégico.

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