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A (ir)racionalidade no ajuizamento de ações de execução fiscal e a prática de litigância predatória

STF concluiu julgamento sobre extinção de execuções fiscais de pequeno valor, legitimando a medida para aliviar a carga do Judiciário. Destacou-se a importância da eficiência na iniciativa de ajuizar tais ações públicas.

terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Atualizado às 14:30

O STF concluiu em 19/12/23 o julgamento do Tema 1184 que tratou da possibilidade de extinção das execuções fiscais de pequeno valor, firmando a tese acerca da legitimidade de extinção das referidas ações.1

No julgamentos os ministros entenderam que seria "razoável sobrecarregar o Poder Judiciário com ações judiciais, sendo que muitos desses créditos podem ser recuperados pelo município por meio de medidas extrajudiciais de cobrança, como o protesto de título ou a criação de câmaras de conciliação."2

Foi ainda enfatizada a necessidade dos entes públicos observarem o princípio da eficiência no momento do ajuizamento das ações de execução fiscal, isso porque se mostra antieconômico ingressar com ações que custem mais do que o valor a ser recuperado.

Dentro desse contexto, é necessário analisar se o ajuizamento de ações de execução fiscal de forma indiscriminada pode ser considerada como uma prática de litigância predatória, isso porque tal conduta possui um componente econômico e racional que deve ser considerado.

Nesse sentido, está a importância de analisar a perspectiva econômica que impacta no Poder Judiciário e, consequentemente, na efetividade da prestação jurisdicional.

As demandas tidas como anômalas ainda possuem conceitos em construção, como as fraudulentas, temerárias, frívolas, sham litigation, entre outras conforme explica Felipe Albertini Nani Viaro em artigo publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico.3

Nesse sentido, o ministro Luís Roberto, do STF, na relatoria da ADIn 3995/DF4 que discutiu a constitucionalidade da obrigatoriedade da realização do depósito prévio para o ajuizamento de ação rescisória em matéria trabalhista concluiu pela legitimidade da referida exigência reconhecendo ainda a sobreutilização do Poder Judiciário e a necessidade da criação de políticas públicas que reduzissem a litigância.

Dada a importância e expansão do fenômeno estão sendo realizados estudos, levantamentos, razão pela qual com o objetivo de coibir e combater o fenômeno o CNJ definiu a Diretriz Estratégica n. 7 para as Corregedorias, "a fim de que envidem esforços no sentido de regulamentar e promover práticas e protocolos para o combate à litigância predatória, preferencialmente com a criação de meios eletrônicos para o monitoramento de processos e alimentação de um painel único pela Corregedoria Nacional de Justiça"5, a qual foi consiste na Diretriz Estratégica para o ano de 2024.

Diante da explanação acima, observa-se que o fenômeno da litigância predatória é crescente e traz diversos prejuízos econômicos, sociais e relacionados à eficiência no âmbito do Poder Judiciário, de modo que a criação de instrumentos e práticas são necessários para a efetividade da atuação deste Poder.

Nesse sentido, atualmente, conforme dados trazidos pelo relatório "Justiça em Números" do CNJ de 2023,6 as execuções fiscais contribuem substancialmente para o aumento da taxa de congestionamento dos tribunais.

De igual modo, pesquisa realizada pelo CNJ constatou que quase 5% (cinco por cento) dos processos que tramitam atualmente no Poder Judiciário possuem mais de 15 anos de duração sendo que as execuções fiscais contribuem para esse percentual.

Diante do número de ações de execução fiscal ajuizadas anualmente em todo o país é necessário se buscar ferramentas e práticas que otimizem a prestação jurisdicional de modo que se ingressam apenas com as ações que se mostrarem efetivas, sob pena de restar configurado o uso predatório do sistema de justiça pelo próprio Estado.

Nesse sentido, Flávio Tartuce7 fala sobre a violação ao dever de mitigação do prejuízo (duty to mitigate the loss) e sua aplicação ao processo, trazendo como exemplo o caso da instituição financeira, que diante do descumprimento de um contrato pelo cliente, permanece inerte, permitindo que a dívida se torne excessiva, diante das altas taxas de juros e demais encargos relativos à mora. Nesse sentido, idêntico raciocínio cabe em relação à atuação do Poder Público, que ajuíza suas execuções fiscais após vários anos, desde o início do inadimplemento dos tributos, quando a dívida já assumiu grandes proporções e quando muitos contribuintes já não mais operam.

Dessa forma, a sistemática utilizada na propositura das execuções fiscais pode vir a ser considerada como uma forma de predação do sistema de justiça, que compreende os órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e da OAB, das esferas federal, estadual ou distrital, conforme conceituação trazida pelo CNJ.

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1 www.stf.jus.br: 1. É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado.
2. O ajuizamento da execução fiscal dependerá da prévia adoção das seguintes providências: a) tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa; e b) protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida.
3. O trâmite de ações de execução fiscal não impede os entes federados de pedirem a suspensão do processo para a adoção das medidas previstas no item 2, devendo, nesse caso, o juiz ser comunicado do prazo para as providências cabíveis.

2 www.stf.jus.br

3 www.conjur.com.br

4 www.stj.jus.br

5 www.cnj.jus.br

6 www.cnj.jus.br

7 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume único. Editora Método. São Paulo. 2023.

Acácia Regina Soares de Sá

VIP Acácia Regina Soares de Sá

Juíza de Direito Substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL. Mestre em Políticas Públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília - UNICEUB. Coordenadora do Grupo Temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJDFT. Integrante do Grupo de Pesquisa de Hermenêutica Administrativa do Centro Universitário de Brasília - UNICEUB. Integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência, Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura - ENFAM.

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