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Qual o rumo do Direito Administrativo em 2024?

Em que pese as recentes inovações legislativas no âmbito do direito administrativo, o ano de 2024 pede compreensão aos gestores públicos, face os obstáculos e as dificuldades encontradas no exercício de suas funções.

terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Atualizado às 14:31

O direito administrativo pátrio sofreu diversas transformações nos últimos anos. A nova lei de Licitações, as alterações na lei de Improbidade Administrativa e na LINDB, as propostas legislativas para inovação do processo administrativo, a criação das decisões coordenadas nos processos administrativos, além de todas as mudanças paradigmáticas da jurisprudência, tal qual a definição pelo TCU da prescrição quinquenal nas pretensões punitivas e de ressarcimento, trouxeram uma nova roupagem para o direito público.

Todas as inovações vieram para somar. É fato. Entretanto, ainda paira sobre as contratações públicas um descontentamento que atravessa todo o arcabouço jurídico e adentra no âmago dos contratados1 e gestores públicos: a insegurança jurídica causada pelo "princípio da condenabilidade"2.

A presunção de ilicitude, consequência do princípio supramencionado, inibe a ousadia necessária e inerente aos contratos públicos, sobretudo os de longa duração. Em outro plano, mas no mesmo sentido, os Prefeitos ainda sofrem ao realizar contratações emergenciais ou temporárias de pessoal, que muitas vezes são utilizadas para evitar a solução de continuidade de serviços públicos, dado que constantemente são alvos de investigações por parte dos órgãos de controle3.

O dia a dia de quem trabalha com (e na) Administração Pública é árduo. Trata-se de um verdadeiro trabalho hercúleo. Cite-se, apenas como exemplo, a ainda penosa batalha dos advogados municipalistas em busca de ter seu direito reconhecido, ainda que já disposto, inclusive, na nova lei de licitações (art. 74, inc. III, "e"4).

Acontece que não são as leis que precisam mudar. Estas, precisam apenas de retoques desburocratizadores e de algumas inovações pontuais. O que, de fato, necessita de um grande pacote de reformas, é o modus operandi daqueles que instauram e julgam os processos administrativos e judiciais.

Todos os normativos citados tentaram trazer a realidade do gestor público que sofre das pressões políticas, instabilidade do cargo e precariedade da estrutura administrativa, mas trouxeram à tona, também, o particular contratado, que suporta a insegurança jurídica, refletida, apenas como exemplo, na desobediência indiscriminada da ordem cronológica de pagamento (art. 141 da nova lei de licitações5).

O princípio do consequencialismo responsável, normatizado através do art. 226 da LINDB, foi, talvez, o pontapé inicial de um direito que sofre com o chamado "apagão das canetas", que dita medo aos gestores públicos de boa vontade.

O receio de sofrer sanções nos tribunais de contas, nas ações de improbidade e, por vezes, até na esfera penal, assusta - e afasta - qualquer um que deseja assumir cargos e contratar com a Administração Pública.

Não basta criar leis disruptivas e inovadoras, em que pese favoráveis. O caminho a ser trilhado passa por uma maior compreensão das dificuldades reais e as exigências das políticas públicas encaradas pelo gestor e pelos contratados. Somente assim será trilhado um caminho de credibilidade e confiança do nosso direito administrativo no ano que se inicia.

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1 De acordo com os dados do Portal Nacional de Contratações Públicas - PNCP, em 2022, aproximadamente, 914 licitações que decorreram de licitações pregressas fracassadas ou desertas.

2 Trata-se, em verdade, de uma máxima às avessas: O gestor público e as licitantes são considerados culpados até que se prove o contrário.

3 O óbvio precisa ser dito: em contrapartida com o mencionado no corpo do texto, há, também, inúmeros gestores públicos e particulares que utilizam dos institutos para fins escusos e contrários à lei.

4 Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de: [...] III - contratação dos seguintes serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação: [...] e) patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;

5 Art. 141. No dever de pagamento pela Administração, será observada a ordem cronológica para cada fonte diferenciada de recursos, subdividida nas seguintes categorias de contratos: [...]

6 Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados

Tiago Neves Baptista

Tiago Neves Baptista

Membro do Grupo de Pesquisa em Direito Administrativo Contemporâneo - GDAC. Membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/PE. Pós-graduando em Direito Administrativo pelo IDP. Advogado.

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