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IA e eleições 2024: o duelo tecnológico que moldará o futuro da democracia no Brasil

Abordo a regulamentação da inteligência artificial nas eleições municipais, refletindo sobre sua influência na democracia, destacando a importância de proteger a integridade do processo e aproveitar seu potencial para fortalecer instituições democráticas.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Atualizado às 14:18

No final de 2023, em minha coluna, discuti em profundidade no artigo "Voto e vigilância: estruturando a regulação da inteligência artificial em eleições municipais no Brasil". Fundamentado nas perspectivas e regulamentações emergentes, destaquei a necessidade urgente de abordar a complexa interação entre tecnologia e política, refletindo sobre a dualidade de empoderamento e risco que a IA traz para o processo democrático, como delineado no debate legislativo brasileiro e nas tendências globais de inovação e governança ética (FERRAREZI, 2023).

Inicio o ano de 2024, trazendo novamente o tema, por ser um ano de eleições municipais no Brasil e pela importância em se discutir a regulamentação da inteligência artificial, com foco não apenas em salvaguardar a integridade e transparência do processo democrático, mas também em aproveitar seu potencial para ampliar a participação cidadã, otimizar a gestão de campanhas e fortalecer as instituições democráticas frente aos novos desafios tecnológicos.

A influência crescente da inteligência artificial em eleições ao redor do mundo é notável, especialmente pela sua habilidade de processar vastos conjuntos de dados rapidamente, impactando estratégias de campanha e percepções eleitorais. Há um reconhecimento global, como discutido em um artigo do The Economist, da necessidade de regular a IA, embora exista incerteza sobre como implementar tais regulações eficazmente. Iniciativas como a Ordem Executiva do presidente Joe Biden e o Código de Conduta do G7 representam passos significativos na definição de diretrizes para o uso responsável da IA globalmente (DIAS; ROCHA, 2023).

Em recente eleição na Argentina, a IA emergiu como uma ferramenta de campanha, exemplificada pela disputa entre Sergio Massa e Javier Milei. Massa publicou um comercial, criado via IA, que criticava Milei ao associá-lo negativamente à ex-premiê britânica Margaret Thatcher. O vídeo, reencenando Thatcher ordenando um ataque fatal na Guerra das Malvinas, visava impactar a percepção pública de Milei, que havia elogiado Thatcher. Esta estratégia evidencia o potencial disruptivo da IA em moldar narrativas políticas, demonstrando seu uso em campanhas para influenciar eleitores através de conteúdo provocativo (SPADONI, 2023).

Embora a IA tenha sido apontada como uma fonte de preocupações no contexto eleitoral, é importante reconhecer suas contribuições positivas. A IA permite uma análise em tempo real do sentimento dos eleitores, fornecendo insights valiosos para campanhas eleitorais ajustarem suas estratégias dinamicamente. Além disso, destaca-se no combate à desinformação, com sistemas de verificação de fatos impulsionados por IA ajudando a detectar e sinalizar notícias falsas, contribuindo para a integridade da informação no ambiente digital. Essas funções demonstram o potencial benéfico da IA em fortalecer processos democráticos e informacionais (DIAS; ROCHA, 2023).

Atualmente, a Câmara dos Deputados analisa um projeto de lei que visa regulamentar o uso da inteligência artificial em eleições. A iniciativa, liderada pelo deputado Kim Kataguiri, reflete uma abordagem estratégica para preservar a integridade eleitoral e responder de forma ponderada aos riscos de tecnologias disruptivas como "deep fakes". Este esforço sublinha a importância de políticas equilibradas e inovadoras para salvaguardar a democracia, ao mesmo tempo que se capitaliza os benefícios proporcionados pela IA (RODRIGUES, 2023).

Em recente sessão da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, os debatedores ressaltaram a urgência de aplicar punições imediatas por uso abusivo de IA em eleições. Destacaram que a manipulação de sentimentos eleitorais e a previsão antecipada de resultados podem comprometer seriamente a integridade do processo eleitoral. Foi discutida a necessidade de medidas rigorosas e tempestivas para prevenir e punir tais práticas, sublinhando que sanções após os fatos podem ser tardias e ineficazes (LIMA, 2023).

Diante da rápida evolução tecnológica, e da morosidade dos processos legislativos, que nem sempre acompanham a rapidez dos avanços tecnológicos, o TSE está em processo ativo de regulamentação da inteligência artificial para as eleições municipais de 2024, visando prevenir a propagação de notícias falsas. Com audiências públicas agendadas e um período para sugestões, o Tribunal busca adaptar-se às novas demandas, tendo como meta finalizar as regras até 8 de março, a tempo para as eleições de outubro, onde prefeitos e vereadores serão eleitos em todo o país (BRÍGIDO, 2024).

Em um seminário sobre desinformação em eleições, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, defendeu firmemente a necessidade de restrições no uso de inteligência artificial em contextos eleitorais, ressaltando o imperativo de criar legislações específicas, interpretações jurídicas claras e programas educacionais para usuários de redes sociais. Moraes enfatizou que a desinformação, especialmente aquela veiculada por IA, ameaça o processo democrático ao confundir eleitores com a mistura indistinta de notícias falsas e verdadeiras. "Todos os países democratas perceberam que há um grande ataque de desinformação em relação à vontade do eleitor. Em verdade, além de divulgar discurso de ódio, discursos antidemocráticos, essa desinformação visa captar a livre vontade do eleitor para, a partir disso, com mentiras e fraudes, direcionar sua vontade para determinado candidato ou candidata", disse o ministro na ocasião (MATOS, 2023).

O debate sobre a regulação das plataformas digitais foca na proteção da privacidade e direitos autorais, exemplificado pelo vazamento de dados da Cambridge Analytica, que afetou milhões de usuários do Facebook. O professor Marcelo Graglia destaca o uso de "clusterização" para influenciar eleições, como a de 2016 nos EUA, e alerta para a ameaça das "deepfakes" que manipulam não só textos mas também imagens e vídeos, exacerbando o problema da desinformação (MATOS, 2023).

À medida que nos aproximamos das eleições municipais de 2024, a urgência em regulamentar a inteligência artificial se destaca, impulsionada por uma série de eventos e discussões ao longo do último ano. Audiências públicas, debates legislativos e iniciativas do TSE refletem uma consciência crescente sobre as complexidades e riscos associados ao uso da IA, especialmente em relação à desinformação e manipulação eleitoral. A sociedade brasileira, cada vez mais ciente, aguarda ações efetivas que possam garantir a integridade do processo democrático.

Essa expectativa traduz-se em uma demanda por uma regulamentação equilibrada que não apenas contenha os riscos da IA, mas também fomente sua aplicação responsável e ética. O ano de 2024 será marcante, não só pelas decisões eleitorais que definirão futuros líderes municipais, mas também pelo legado das políticas de IA que serão estabelecidas. Enquanto o mundo observa, o Brasil tem a oportunidade de liderar com exemplos de governança inovadora e ética em IA, estabelecendo um precedente significativo para o futuro da tecnologia e democracia.

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BRÍGIDO, C. TSE estuda baixar regra sobre inteligência artificial na campanha de 2024. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/carolina-brigido/2024/01/02/tse-estuda-baixar-regra-sobre-inteligencia-artificial-na-campanha-de-2024.htm. Acesso em: 3 jan. 2024.

DIAS, J.; ROCHA, A. C. A Influência da Inteligência Artificial nas Eleições: Oportunidades, Riscos e Prognósticos para 2024. Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/blogs-e-opiniao/forum/a-influencia-da-inteligencia-artificial-nas-eleicoes-oportunidades-riscos-e-prognosticos-para-2024/. Acesso em: 3 jan. 2024.

FERRAREZI, T. R. Estruturando a regulação da IA em eleições municipais no Brasil. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/399688/estruturando-a-regulacao-da-ia-em-eleicoes-municipais-no-brasil. Acesso em: 3 jan. 2024.

LIMA, D. Debatedores apontam que uso da inteligência artificial pode afetar resultado eleitoral - Notícias - Portal da Câmara dos Deputados. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/1025191-debatedores-apontam-que-uso-da-inteligencia-artificial-pode-afetar-resultado-eleitoral. Acesso em: 3 jan. 2024.

MATOS, G. N. Uso da inteligência artificial nas eleições esbarra em falta de regulamentação. Disponível em: https://ohoje.com/noticia/politica/n/1559258/t/uso-da-inteligencia-artificial-nas-eleicoes-esbarra-em-falta-de-regulamentacao/. Acesso em: 3 jan. 2024.

RODRIGUES, B. PL quer relatoria de proposta que limita uso de inteligência artificial em 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/pl-quer-relatoria-de-proposta-que-limita-uso-de-inteligencia-artificial-em-2024/. Acesso em: 3 jan. 2024.

SPADONI, P. Eleições na Argentina: IA vira arma de campanha - Olhar Digital. Disponível em: https://olhardigital.com.br/2023/11/17/pro/ia-vira-arma-de-campanha-durante-eleicoes-na-argentina/. Acesso em: 3 jan. 2024.

Thiago Ferrarezi

Thiago Ferrarezi

Consultor em Políticas Públicas, Relgov e Gestão de Projetos | Advogado especialista em Direito Público (USP). Mestre em Administração Pública (FGV). Doutorando em Inteligência Artificial (PUC-SP).

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