MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. STJ e CARF divergem sobre o tratamento dos juros sobre capital próprio extemporâneo

STJ e CARF divergem sobre o tratamento dos juros sobre capital próprio extemporâneo

A permissão pelo STJ (REsp 1971524/SP e REsp 1950577/SP) e proibição pelo Carf (Processos 16682.720380/2012-52 Carf e 13888.722982/2013-21) destacam a necessidade de uniformização de orientações e melhora no ambiente tributário brasileiro. Diante de mais um episódio de insegurança jurídica o presente artigo trata de pontos relevantes sobre o tema.

terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Atualizado às 14:23

A necessidade de obediência a jurisprudência para evitar a excessiva judicialização de temas tributários.

Trata-se da possibilidade de dedução das despesas com juros sobre capital próprio da base de cálculo do IRPJ e da CSLL de forma extemporânea, em outras palavras aproveitar as despesas de exercícios anteriores para dedução.

O tema aqui tratado é uma "bola dividida" no Carf, mudou-se novamente o entendimento pela sistemática do voto de qualidade. Entendo que não deveria haver mais polêmica. O STJ já se manifestou favoravelmente a tese de permitir a dedução retroativa do JCP reiteradas vezes desde a instituição do mecanismo em 1995. Foi nesse sentido que se manifestou o conselheiro Luis Henrique Marotti Toselli, ao afirmar "Diante da consolidação da jurisprudência do STJ, entendo que não cabe reparo ao recorrido" no Processo 16682.720380/2012-52 do Carf.

O STJ entende que os contribuintes têm a liberdade de distribuir juros sobre capital próprio em um exercício posterior ao da apuração do lucro, permitindo a dedução das despesas correspondentes no cálculo do IRPJ/CSLL. Não há uma obrigação de seguir um período fixo para o pagamento dos JCP, isso fica a critério da empresa. Salientou a Corte na ementa do Resp 1971524 que "A legislação - notadamente o art. 9º, da lei 9.429/95 - não impõe limitação temporal para a dedução de Juros sobre Capital Próprio - JCP referentes a exercícios anteriores." 1

É relevante notar que, embora o tema não tenha sido designado para o rito dos recursos repetitivos, há diversos precedentes consolidando a interpretação favorável aos contribuintes. Precedentes: REsp. n. 1.946.363 / SP, Segunda Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 22.11.22; AgInt no REsp. 1.978.515 / SP, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 21.08.2023; AgInt no REsp. n. 1.971.537 / SP, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 20.06.2023; REsp n. 1.086.752/PR, relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe de 11/3/2009; AgInt no REsp. n. 1.939.282 / CE, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 20.03.2023.

A legislação não proíbe a dedução de juros sobre capital próprio de exercícios anteriores, portanto não há imposição de limite de tempo como tentar estabelecer a CSRF. A norma diz que uma empresa pode deduzir esses juros do lucro real e do resultado ajustado no momento do pagamento aos seus sócios ou acionistas. A única condição é que haja lucros no exercício atual ou lucros acumulados e reservas de lucros pelo menos duas vezes maiores do que os juros a serem pagos.

No caso de juros sobre capital próprio, o pagamento é decidido pelo órgão societário, criando uma obrigação. Quando essa obrigação é estabelecida, a empresa registra contabilmente de acordo com o regime de competência. Portanto, o pagamento de juros sobre capital próprio de exercícios anteriores respeita o regime contábil aplicável.

É importante lembrar que, de acordo com o Pronunciamento CPC nº 25 passivo é uma obrigação presente da entidade, derivada de eventos já ocorridos, cuja liquidação se espera que resulte em saída de recursos da entidade capazes de gerar benefícios econômicos. Desta forma, a obrigação de pagamento de JCP somente se torna "obrigação presente" quando da deliberação pelos sócios.2

O pagamento retroativo e acumulado de JCP é pautado exclusivamente pelos critérios de conveniência financeira da pessoa jurídica e dos seus sócios, cabendo-lhes a faculdade de deliberar ou não pelo seu pagamento no mesmo ano em que apurado o lucro ou nos exercícios subsequentes, não havendo que se falar em renúncia ou preclusão temporal desse direito.

Destaca-se, há perfeita observância das regras contábeis, societárias e fiscais no procedimento narrado acima.

O pagamento de juros sobre capital próprio de exercícios anteriores não viola o limite legal de dedução no exercício, desde que, ao ser calculado com base nas contas do patrimônio líquido de períodos anteriores e na taxa de juros pro rata die da TJ/LP sobre o patrimônio líquido de cada ano, o pagamento seja restrito a 50% do lucro líquido do período de pagamento ou a 50% dos lucros acumulados e reservas de lucros.

No processo 13888.722982/2013-21, a Segunda Turma Extraordinária da Primeira Seção em sessão de julgamento realizado em 12 de setembro de 2023

Decidiu que "Não havendo a compensação no respectivo ano­calendário, resta caracterizada a renúncia ao direito de dedução na forma daquele dispositivo legal, descabendo a compensação no(s) exercício(s) seguinte(s) ao de ocorrência do(s) evento(s)." 3

Não concordamos com esse posicionamento e já demonstramos acima que o STJ vem sistematicamente decidindo que se trata de uma faculdade da Sociedade empresária o momento de deliberação do pagamento do JCP e que a lei não estabeleceu limite temporal para dedução dessa despesa com juros da base de cálculo do IRPJ e da CSL.

Novamente, no processo 16682.720380/2012-52, o entendimento da turma foi de que só é possível deduzir despesas com JCP da base do IRPJ e da CSLL do ano em que houve a apuração.4

Esses dois julgamentos recentes são reflexos da mudança de regra de julgamento, com a volta do voto de qualidade ao Carf. 

Há flagrante desrespeito aos recorrentes precedentes do STJ sobre o tema o que certamente gerará uma crescente judicialização do tema. É preciso racionalizar o tratamento de temas com posições que vem se consolidando nos tribunais superiores pelas instâncias administrativas. O prejuízo é de todo o sistema tributário, que perde em previsibilidade e segurança jurídica, quando esse tipo de questão se arrasta despropositadamente.

------------------------------------

1 STJ, Recurso Especial Nº 1.971.524 - SP (2021/0352230-3) Relator: Ministro Mauro Campbell Marques.

2 Comitê de Pronunciamentos contábeis nº 15. Disponível em: https://www.cpc.org.br/CPC/Documentos-Emitidos/Pronunciamentos/Pronunciamento?Id=46

3 Carf, Processo nº 13888.722982/2013-21, a Segunda Turma Extraordinária da Primeira Seção em sessão de julgamento realizado em 12 de setembro de 2023.

4 Gabriel Shinohara. Disponível em: https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/por-voto-de-qualidade-carf-afasta-possibilidade-de-deducao-de-jcp-extemporaneo-17102023

Guilherme Alves de Lima

VIP Guilherme Alves de Lima

Advogado graduado pela UFRJ, pós-graduado pela EMERJ e Mestrando em Tributação pela UERJ.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca