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O 8 de janeiro à mercê no Plenário Virtual - Uma síntese da problemática enfrentada pela advocacia criminal em sustentações orais realizadas no âmbito do julgamento virtual

Gustavo Bezerra de Oliveira e João Paulo Martinelli title=João Paulo Martinelli

O 8 de janeiro de 2023 marca um momento relevante na democracia brasileira. Problemas atuais na advocacia ganham destaque, com decisão da Ex-Presidente do STF, ministra Rosa Weber, de transferir julgamentos para o Plenário virtual, atendendo a pedido de Alexandre de Moraes.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Atualizado às 09:03

É serôdio afirmar que o dia 08 de janeiro de 2023 é um "dia para se lembrar" na democracia brasileira. Afinal, Burke nos alertou sobre os malefícios de um povo que não conhece sua história. Contudo, a advocacia enfrenta problemas que - por serem contemporâneos - já fazem valer a presente pauta.

No dia 19 de setembro a Ex-Presidente do STF, ministra Rosa Weber, acatou um pedido de Alexandre de Moraes, ministro da 2ª Turma do STF,  para retirar do Plenário físico os julgamentos dos próximos acusados do fatídico dia, ora mencionado, fazendo com que os remanescentes fossem julgados pela via do Plenário virtual.

Mas, afinal, o que seria isso? Segundo o sítio da própria Suprema Corte, " [o] Plenário Virtual - PV do STF permite o julgamento colegiado de processos e incidentes por meio eletrônico. Trata-se de um espaço deliberativo remoto por meio do qual os Ministros podem interagir de maneira assíncrona, e registrar seus votos e manifestações durante o período de tempo da sessão virtual. (...)"1

Instaurado pela ministra Ellen Gracie em 2007, o julgamento virtual, no que concerne às sustentações orais, funciona da seguinte maneira: as sustentações são apresentadas em arquivo eletrônico em áudio ou vídeo, em formato que observe o tempo regimental, e são disponibilizadas aos ministros no sistema de votação.2

E qual o problema nisso? Afinal, é um cálculo pragmático para enfrentar o volume avassalador de trabalho dos ministros. Até porque se fizermos uma conta rápida, levando em consideração que pelo menos, 700 advogados se inscreveriam para sustentar oralmente em mais de 1300 processos, concluímos rapidamente que os ministros levariam meses de trabalho exclusivo para garantir que todas as sustentações fossem realizadas.

O problema é que o julgamento pelo Plenário virtual é, a bem da verdade, um faz de conta - ou, melhor dizendo, um combinado de via única. Nós, advogados, fingimos que acreditamos que seremos ouvidos e eles, os ministros, fingem que ouviram o que nós dissemos.

Como ressaltou Alberto Zacharias Toron sobre os fatos ora debatidos: "(...) Outro lado da questão é o verdadeiro cerceamento ao direito de defesa no poder de convencimento dos ministros. A sustentação oral se faz olhando nos olhos dos juízes, não sozinho entre quatro paredes. (...)"3

Em um Estado Democrático de Direito, o direito de defesa desempenha um papel crucial na proteção dos cidadãos contra abusos de poder e garantindo que o Estado respeite os direitos individuais. Ele atua como um contrapeso essencial ao poder do Estado, limitando a capacidade das autoridades de agirem de maneira arbitrária e injusta, sendo fundamental para proteger os indivíduos contra acusações injustas e abusos do poder estatal.

Ora, acreditar que as sustentações orais realizadas no âmbito no julgamento virtual têm a mesma relevância às do plenário físico é descredibilizar o papel do advogado na defesa de seu constituído. Ou, ainda, acreditar que a justificativa para a continuação deste instrumento, que cala o bom combate, se resguarda na demanda enfrentada pelos ministros não é honesto. Afinal, é bem verdade que há uma batelada de habeas corpus (por exemplo) a serem julgados na E. Corte, mas isso não é causa, mas um sintoma de um comportamento uníssono dos tribunais estaduais e regionais, que seguem suas próprias leis e se recusam a aplicar entendimentos mais do que pacificados nos tribunais superiores.

Sendo assim, acreditamos que não há justificativa plausível para o julgamento da AP 1.505/STF ser levada ao crivo do julgamento virtual. A um, pois não há o direito de defesa in totum nesta modalidade. A dois, pois a justificativa baseada na demanda dos ministros não parece ser suficiente, haja vista as razões para esta - que, como já dito, não trata-se de causa, mas consequência.

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1 Informação obtida em: https://portal.stf.jus.br/hotsites/plenariovirtual/. Acesso em 12.11.2023.

2 Como funciona e o que esperar do Plenário Virtual do STF. Conjur. 28.1.23. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-jan-28/observatorio-constitucional-funciona-esperar-plenario-virtual-stf/. Acesso em 12.11.2023.

3 TORON, Alberto. 8 de janeiro à luz do dia. In: Folha de São Paulo, 13 de abril de 2023. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2023/04/8-de-janeiro-a-luz-do-dia.shtml. Acesso em: 8.5.2023

Gustavo Bezerra de Oliveira

Gustavo Bezerra de Oliveira

Advogado Criminalista; Membro do Núcleo de Pesquisa e Extensão sobre a Pena e a Execução Penal (NPEPEP - USP); Autor de artigos jurídicos.

João Paulo Martinelli

VIP João Paulo Martinelli

Advogado Criminalista, Consultor Jurídico e Parecerista; Mestre e Doutor em Direito Penal pela USP, com pós-doutoramento pela Universidade de Coimbra; Autor de livros e artigos jurídicos; Professor.

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