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Júpiter, Hércules e Hermes: a perspectiva dos modelos de juízes e as inovações no Poder Judiciário

O autor François Ost, em "Júpiter, Hércules e Hermes: três modelos de juiz" (1993), descreve três modelos de juízes: Júpiter segue a racionalidade dedutiva e cumpre rigidamente a lei; Hércules vai além da lei para modificar a realidade social; Hermes atua como mediador, buscando soluções consensuadas para efetivar a pacificação social.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Atualizado às 10:22

François Ost1 no texto intitulado "Júpiter, Hércules e Hermes: três modelos de juiz", publicado em 1993 descreve três modelos de juízes que possuem concepções diversas acerca da sua função jurisdicional, o primeiro deles, o juiz Júpiter está ligado ao modelo kelsiano utilizando a racionalidade dedutiva, tendo como diretriz única o cumprimento da lei, aproximando-se do juiz francês que após a revolução francesa passou a ser a "boca da lei".

O segundo modelo é o juiz Hércules, diverso do modelo do juiz Hércules idealizado por Dworkin, o qual vai além da lei de modo a possibilitar a modificação da realidade social, mais característico do Estado Social e, por último o juiz Hermes interpreta o Direito na figura de uma rede, interligado por vários atores jurídicos e políticos, assumindo a posição de um mediador a fim de construir uma solução consensuada e modo a efetivar os prefeitos de busca da pacificação social.

Podemos dizer que ainda que houve uma evolução nas características nos modelos de juízes descritos, sendo possível observar que tais modelos ainda convivem hoje no sistema de justiça. No entanto, cada vez mais deixa-se os modelos do juiz Hércules, pois o magistrado não pode ser somente um prolator de sentenças e decisões alheios à realidade social.

De igual modo, o juiz Júpiter também cede espaço no sistema jurídico, dada a necessidade de se buscar solucionar questões de forma estrutural, utilizando-se instrumentos como a solução alternativas de conflitos, instrumentos institucionais a exemplo da cooperação e dos Centros de Inteligência do Poder Judiciário.

Nesse contexto, o juiz Hermes vem ganhando mais espaço, especialmente a partir da promulgação da Emenda Constitucional 19/98, que incluiu o princípio da eficiência entre os princípios administrativos constitucionais que regem a administração pública, isso porque trabalhar de forma eficiente não se limita a cumprir metas quantitativas, sendo necessário sendo necessário que se prime também pela qualidade e pela busca de soluções que resolvam de fato os conflitos e, não somente os processos, de modo a garantir a instrumentalização da pacificação social.

Não é de agora que há críticas quanto à atuação do Poder Judiciário, Eduardo Luiz Cavalcanti Campos2 traz em sua obra, reproduzindo Paulo Eduardo Alves da Silva, afirmação no sentido de que não serem "poucas as vozes na doutrina e na academia denunciando o quadro de ineficiência do Poder Judiciário brasileiro e a necessidade de atribuição de técnicas de gestão aos sujeitos processuais."

O autor acima mencionado faz ainda menção ao conceito de eficiência no Poder Judiciário do Banco Mundial como "sua capacidade de responder às demandas sociais em termos e rapidez, custo, equidade e acesso à justiça, além de reconhecer que um Judiciário eficiente não é aquele que produz decisões com rapidez, mas o que combina essa qualidade com outros valores."3

Em meio a essa realidade, vem ocorrendo o aumento da litigiosidade, especialmente na última década, a qual está ligado não apenas ao crescimento dos conflitos, mas também a ineficiência e, em alguns casos, a inexistência de serviços públicos, a má prestação dos serviços concedidos e aumento do acesso à justiça, fatos impulsionados pela entrada em vigor da Constituição Federal de 1988. Andrea Pimentel Miranda4 defende há ainda causas exógenas que ajudam a explicar o fenômeno, a exemplo de uma gradual transformação do Estado liberal em Estado social, a consolidação do Estado Democrático de Direito e dos direitos sociais previstos em nossa carta magna.

O relatório "justiça em números" publicado pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ em 1.9.235 destacou o aumento de mais de 10% do número de processos distribuídos no Poder Judiciário brasileiro em relação ao ano anterior.

A par desses fatos, o Poder Judiciário vem buscando soluções estruturais para a questão do aumento de litigiosidade que reflitam no aumento da eficiência de sua atuação e a solução das relações jurídicas, compreendidas de forma lato sensu.

Em 2010 a Resolução 125/106 criou a política para utilização dos meios alternativos para solução de conflitos, já em 2020 foram criados os Centros de Inteligência do Poder Judiciário, por meio da Resolução 349/20 do Conselho Nacional de Justiça, em 23 de outubro de 20207 o qual traz no seu art. 2º os objetivos do referido centro, entre eles, prevenir o ajuizamento de demandas repetitivas ou de massa a partir da identificação das causas geradoras do litígio em âmbito nacional, com a possível autocomposição ou encaminhamento de solução na seara administrativa, articular políticas e ações de mediação e conciliação institucional ou interinstitucional, inclusive envolvendo segmentos distintos do Poder Judiciário quando se tratar dos mesmos litigantes ou dos mesmos fatos, entre outras atribuições.

Uma sugestão trazida por Eduardo Luiz Cavalcanti Campos8 é a utilização do modelo cooperativo na qual não haja um sujeito protagonista, mas a cooperação entre as partes de modo a se chegar à solução da questão, a qual já foi materializada em diversas experiências recentes como no Estado do Pará.9

Uma outra experiência exitosa foi a realizada pelo TJ/MG que, com o apoio do STJ e mais cinco tribunais de justiça celebraram acordo para a reunião de todas as ações relacionadas ao caso da empresa 123 Milhas, em recuperação judicial, de modo a otimizar a busca de soluções para a questão.10

Tais inovações demostram a busca pela eficiência na prestação judicial, a qual não deve ser confundida com eficientismo traduzido no cumprimento de metas quantitativas, mas sim em uma prestação rápida, de qualidade e que atenda sua finalidade social, a qual muitas vezes irá ocorrer por meios diversos do adjudicatório.

Pela exposição trazida, é possível concluir que cada vez mais, ainda que os três modelos de juízes idealizados convivam em nosso sistema jurídico, o sistema de justiça caminha em direção do modelo do juiz Hermes o que não está no centro, nem ocupa uma posição superior, onde prevalece a decisão adjudicatória, mas está em cooperação com as demais partes, privilegiando as soluções consensuais que buscam pôr fim ao conflito e não somente ao processo, que trabalha em busca de soluções estruturais, utilizando as novas ferramentas disponibilizadas, a exemplo das notas técnicas publicadas pelos centros de inteligência do Poder Judiciário, perseguindo sempre seu objetivo maior de efetividade da prestação jurisdicional.

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1 OST, François. Júpiter, Hércules e Hermes: tres modelos de juez. Revista Doxa - Cuadernos de Filosofia del Derecho, Universidad de Alicante, n. 14, 1993. Disponível em: http://www.cervantesvirtual.com/portal/DOXA/cuadernos.shtml. Acesso 11.01.24.

2 CAMPOS, Eduardo Luiz Cavalcanti. O princípio da eficiência no processo civil brasileiro. 1ª ed. Editora Forense/Gen. Rio de Janeiro. 2018. p. XV.

3 CAMPOS, Eduardo Luiz Cavalcanti. Op. Cit. p. 25.

4 MIRANDA, Andréa Pimental de. Quem tem medo do processo coletivo? As disputas e as escolhas políticas no CPC/2015 para o tratamento da litigiosidade repetitiva no Brasil. 1ª ed. Ed. Almedina. São Paulo. 2020.

5 Disponível em: www.cnj.jus.br

Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/156

7 Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/original131706202010285f996f527203d.pdf

8 CAMPOS, Eduardo Luiz Cavalcanti. Op. Cit. p. 31.

9 Disponível em: https://www.tjpa.jus.br/PortalExterno/imprensa/noticias/Informes/1324152-varas-da-fazenda-da-capital-firmam-atos-de-cooperacao.xhtml

10 Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/20102023-Com-apoio-do-STJ--tribunais-firmam-acordo-para-concentrar-acoes-coletivas-sobre-a-123-Milhas-no-TJMG.aspxçp

Acácia Regina Soares de Sá

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Juíza de Direito Substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL. Mestre em Políticas Públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília - UNICEUB. Coordenadora do Grupo Temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJDFT. Integrante do Grupo de Pesquisa de Hermenêutica Administrativa do Centro Universitário de Brasília - UNICEUB. Integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência, Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura - ENFAM.

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