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O direito habitacional: o que mudou com o julgamento do STF

Direito à moradia integra os direitos sociais na CF (art. 6º), abrangendo educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência, maternidade, infância e assistência. Incorporado por tratados internacionais, exige proteção e respeito pelo Estado brasileiro.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Atualizado às 14:43

O direito à moradia e um ambiente acolhedor está incluído nos direitos enumerados no artigo 6º da CF, que são conhecidos como os direitos sociais, sendo eles: à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância e à assistência aos desamparados.

O direito à moradia foi incorporado perante ao direito brasileiro de acordo com os tratados internacionais de direitos humanos do qual o Estado Brasileiro é signatário e ratificou bem como está presente no ordenamento constitucional. Sendo assim, está seus entes designados a proteger e respeitar esse direito.

Assim, o direito de residir (habitacional) se diz respeito na concessão do uso, limitado à habitação, do bem imóvel utilizado como residência familiar, a ser fruído pelo cônjuge ou companheiro supérstite, de acordo como art. 1831 do Código Civil.

O Brasil, como ente estatal, possui milhares de comunidades e favelas. Segundo os dados do Censo 2022, estima-se que o país possui mais de 10 mil favelas. Muitas dessas estão em terrenos irregulares seja público ou privado, surgindo diversas dificuldades para assentamento ou regularização, favorecendo a muitas ações possessórias.

Com a pandemia do COVID-19, houve uma preocupação para proteger o acesso ao respeito básico do direito fundamental humano e fazer com que, ocupações e pessoas, tivessem os menores impactos possíveis dentro a vulnerabilidade social presente nas ocupações.

Foi então que perante o STF, houve o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 828 - ADPF 828 que objetivou o acesso ao direito à moradia e à saúde de pessoas em situação de vulnerabilidade e da crescente insegurança das irregularidades dos assentamentos ocupados, no contexto sanitário e socioeconômico de uma pandemia existente.

Com isso, o STF permitiu a suspensão dessas desocupações no sentido de suspender de maneira imediata os processos, procedimentos, medidas administrativas ou judiciais que resultassem em despejos, desocupações, remoções forçadas ou reintegrações de posse durante a pandemia do covid-19.

Na decisão o Exm.º Ministro Barroso determinou que:

As ocupações antigas, anteriores à pandemia; ocupações recentes, posteriores à pandemia; despejo liminar de famílias vulneráveis. Com relação a ocupações anteriores à pandemia: suspender pelo prazo de 6 meses, medidas administrativas ou judiciais que resultem em despejos, desocupações, remoções forçadas ou reintegrações de posse de natureza coletiva em imóveis que sirvam de moradia ou que representem área produtiva pelo trabalho individual ou familiar de populações vulneráveis, nos casos de ocupações anteriores a 20 de março de 2020, quando do início da vigência do estado de calamidade pública (decreto legislativo 6/20); com relação a ocupações posteriores à pandemia: com relação às ocupações ocorridas após o marco temporal de 20 de março de 2020, o Poder Público poderá atuar a fim de evitar a sua consolidação, desde que as pessoas sejam levadas para abrigos públicos ou que de outra forma se assegure a elas moradia adequada.  

Diante da omissão inconstitucional de se ater aos problemas enfrentados pela população diante da questão de moradia, o STF propôs um regime transitório para a retomada da execução de ordens de remoção de pessoas em situação de vulnerabilidade e insegurança de posse, visando criar um mecanismo de tratamento e liderança estratégica dentro da estrutura do tribunais estaduais e federais e a obrigação de realizar inspeções judiciais e audiências de mediação através de tal mecanismo como um passo prévio e necessário para o despejo em massa.

Assim, a sujeição (ou condicionamento) do cumprimento das ordens de remoção a um devido processo legal condensado e a garantias de natureza processual e institucional com o objetivo de resolução judicial de conflitos fundiários e controle da violência estatal investida na reocupação de território que serve de moradia para uma população vulnerável.

A Corte tomou como modelo de instrumento, o Grupo de Apoio às Ordens Judiciais de Reintegração de Posse - GAORP, seguido pelo TJ/SP, tornando assim, o GAORP como uma figura institucionalizada que atua na questão do conflito fundiário, na questão de elaboração de estratégias para a realização de possíveis reintegrações ou suas devidas regularizações.

A Portaria que regulariza os feitos do GAORP, estabelece como seu intuito a mediação do conflito e a busca da conciliação entre as partes. Não sendo possível a composição, caberá ao Grupo a construção de procedimentos eficazes para que o cumprimento da ordem judicial ocorra de modo menos gravoso para todos os envolvidos na diligência.

Como é possível verificar pelo doutrinador Oswaldo Aranha Bandeira De Mello, "o magistrado, se houver possibilidade de sofrer o particular dano irreparável pela execução direta forçada do ato administrativo que se apresenta com feições de ilegalidade, pode, mesmo, suspender ou proibir o cumprimento do ato administrativo até solução definitiva da pendência judicial" (Princípios gerais de Direito Administrativo. 3.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 626).

A jurisprudência também é pacífica perante os casos:

Agravo de Instrumento. Cumprimento de sentença. Reintegração de posse. Área ocupada por uma coletividade de famílias de baixa renda. Necessária atuação do Gaorp - Grupo de Apoio às Ordens Judiciais de Reintegração de Posse. Suspensão dos atos de cumprimento até a atuação do Gaorp. Precedente deste Tribunal de Justiça. Decisão reformada. Recurso provido. (TJ/SP - AI: 20979991620238260000 São Paulo, Relator: Paola Lorena, Data de Julgamento: 2/7/23, 3ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 2/7/23)

Cumprimento de sentença. Reintegração de posse. Modificação decisão agravada. Vistos. Ouso modificar integralmente a decisão agravada. De fato, tal como bem sustentam os agravantes, na ADPF 828-STF, em 31 de outubro de 2022, da lavra do Excelentíssimo Ministro Luis Roberto Barroso, foi decidido:"(a) Determino que os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais instalem, imediatamente, comissões de conflitos fundiários que possam servir de apoio operacional aos juízes e, principalmente nesse primeiro momento, elaborar a estratégia de retomada da execução de decisões suspensas pela presente ação, de maneira gradual e escalonada;(b) Determino a realização de inspeções judiciais e de audiências de mediação pelas comissões de conflitos fundiários, como etapa prévia e necessária às ordens de desocupação coletiva, inclusive em relação àquelas cujos mandados já tenham sido expedidos. As audiências devem contar coma participação do Ministério Público e da Defensoria Pública nos locais em que esta estiver estruturada, bem como, quando for o caso, dos órgãos responsáveis pela política agrária e urbana da União, Estados, Distrito Federal e Municípios onde se situe a área do litígio, nos termos do art. 565 do Código de Processo Civil e do art. 2º, § 4º, da lei 14.216/21" Também o CPC dispõe que Art. 565. No litígio coletivo pela posse de imóvel, quando o esbulho ou a turbação afirmado na petição inicial houver ocorrido há mais de ano e dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de concessão da medida liminar, deverá designar audiência de mediação, a realizar-se em até 30 (trinta) dias, que observará o disposto nos §§ 2º e 4º.Pois bem. No que tange às exigências do CPC, cumpre destacar que aqui não se trata de cumprimento de medida de urgência, mas de acórdão que há muito transitou em julgado. Apesar disso, a ADPF acima mencionada não restringe as cautelas exigidas às decisões provisórias. A atuação do Grupo de Apoio às Ordens Judiciais de Reintegração de Posse (GAORP) está destinada às ordens judiciais que possam resultarem remoções coletivas de pessoas vulneráveis (artigo 1º da PORTARIA 10.097/22 do TJ/SP).No caso presente, consta que se trata de cerca de 20 famílias que há tempos ocupa o local. Com isso, tenho que se justificar a atuação do aludido órgão. Faço-o com fundamento no artigo 3º da PORTARIA 10.097/22 do TJ/SP. Servirá a presente como ofício ao GAORP, que deverá ser pelo e-mail [email protected], acompanhado do formulário constante do ANEXO daquele atonormativo. Também servirá a presente decisão com informação ao Egrégio Tribunal, para os fins do § 1º do artigo 1.018 do CPC. Providencie-se o encaminhamento. Recolha-se o mandado determinado na decisão anterior (fls. 459).Intime-se. (TJ/SP: 0037077-76.2019.8.26.0002 São Paulo, Juiz: Fábio Henrique Prado de Toledo, Data de publicação: 4/10/23, 14ª Vara Cível - Sto Amaro, Data de Publicação: 9/10/23)

Sobre a perspectiva jurídica, não basta a realização de procedimentos administrativos, processos judiciais que buscam a retomadas de áreas ocupadas, mas sim solucionar os conflitos fundiários, regularizar comunidades e bairros inteiros que já possuem logística própria entre moradores e comerciantes locais.

Assim, após a decisão do STF sobre as ações possessórias, houve uma mudança drástica do posicionamento jurisprudencial perante as novas necessidades jurídicas, mesmo após a pandemia do COVID-19, pois verificou-se que o direito à habitação deveria ter um olhar mais aprofundado, observando um contexto social em que cada comunidade/ocupação se encontra.

Uma ação do Poder Público que desabrigue pessoas que não possuem outro lugar para ir ou morar, sem qualquer atendimento, ou atendimentos que não supram suas devidas necessidades, ou que submete a população removida a um tratamento desumano ou degradante (CRFB, art. 5.º, inc. III), certamente não pode haver ou existir qualquer teste de proporcionalidade diante do poder omisso do Estado perante essas pessoas que não possuíram qualquer outro meio de morar de maneira descente ou adequada.

O Estado, em um contexto remocionista de população, tem o dever legal e de promover as melhores soluções de maneira pacífica e acolhedora, diante do poder legal e preservar a permanência dos moradores em assentamentos cujo direito Constitucional deverá ser mantido e resguardado, perante a sua competência e servindo de maneira executória na conduta de guardiã dos direitos possessórios atuantes de sua responsabilidade.

Quando o Estado é omisso, cabe ao judiciário fazer a intermediação dos direitos possessórios entre aqueles que possuem a posse, a propriedade, o direito real conflitante e não deixar que a barbárie contamine a displicência dos entes públicos perante as situações dos conflitos fundiários.

Matheus Lucca

Matheus Lucca

Advogado. Pós graduado em Direito Constitucional e em Direito Ambiental e Urbanístico pela Damásio.

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