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A aplicação da responsabilidade civil do Estado em caso de dano à sociedade

A responsabilidade civil é crucial no Estado Democrático de Direito, buscando restaurar equilíbrio após danos. A legislação brasileira vai além da culpa, abrangendo reparação mesmo sem ato ilícito, respaldada pela teoria do risco. A responsabilidade do Estado segue normas específicas, adotando a teoria do risco administrativo, implicando indenização independentemente de culpa ou ilicitude.

domingo, 4 de fevereiro de 2024

Atualizado em 2 de fevereiro de 2024 14:27

O instituto da responsabilidade civil desempenha um papel fundamental na edificação do Estado Democrático de Direito, uma vez que sua principal finalidade é restaurar o equilíbrio perturbado pelo dano. Por essa razão, a legislação em vigor em nosso país prevê não apenas a responsabilização civil por atos ilícitos, mas também abrange a reparação de danos em situações em que não se questiona a ilegalidade da conduta do agente, ou mesmo a existência de um ato ilícito. Essa abordagem é respaldada pela teoria do risco, que amplia a noção de reparação para além do âmbito estrito do ato ilícito.

A responsabilidade do Estado segue um conjunto normativo específico, alinhado com suas atribuições e a possibilidade de danos resultantes dessas responsabilidades. Nesse sentido, a teoria do risco administrativo é frequentemente aplicada para fundamentar a responsabilidade civil do Estado. Essa abordagem conduz a pessoa jurídica de direito público a indenizar danos sofridos por particulares decorrentes de sua administração, independentemente da presença de culpa, dolo ou qualquer ilicitude, caracterizando assim a responsabilidade objetiva.

Na doutrina, já se consolidou o entendimento sobre a aplicação da teoria da responsabilidade civil objetiva para responsabilizar condutas comissivas do ente público. No entanto, no que se refere a omissões, apenas recentemente foi concluído mais um episódio na evolução da responsabilidade civil do Estado no contexto brasileiro. Atualmente, a doutrina e a jurisprudência convergem para a aceitação tanto da responsabilização civil objetiva quanto da subjetiva nesses casos, uma decisão que será determinada pela análise específica de cada situação.

A consolidação da responsabilidade civil do Estado representa um mecanismo essencial para proteger o indivíduo diante do Poder Público. Por meio da perspectiva de responsabilização, o cidadão tem a garantia de que qualquer dano aos seus direitos causado pela atuação de um funcionário público durante o exercício de suas funções será prontamente compensado pelo Estado. Essa premissa fundamenta-se nos princípios da equidade e da igualdade. Nesse sentido, posiciona-se o ilustre Pontes de Miranda:

"O Estado - portanto, qualquer entidade estatal - é responsável pelos fatos ilícitos absolutos, como o são as pessoas físicas e jurídicas. O princípio de igualdade perante a lei há de ser respeitado pelos legisladores, porque, para se abrir exceção à incidência de alguma regra jurídica sobre responsabilidade extranegocial, é preciso que, diante dos elementos fácticos e das circunstâncias, haja razão para o desigual tratamento".

É crucial destacar que a responsabilidade do Estado não se confunde com a do seu funcionário, pois este, no desempenho de suas atribuições, pode ocasionar danos tanto a bens estatais quanto a particulares. Em ambas as situações, ao ser comprovada sua culpa, o funcionário é obrigado a ressarcir os danos causados. No entanto, quando um cidadão tem seus direitos prejudicados devido a ações do aparato estatal, não está condicionado a apresentar essa prova para buscar compensação. Ele pode acionar diretamente o Estado, que será responsável sempre que for demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta do funcionário e o dano injustamente sofrido. A questão da culpa do agente só será debatida posteriormente, caso o Estado entre com uma ação regressiva.

Afirma-se que a responsabilidade do Estado é objetiva, visto que não requer do indivíduo prejudicado por uma atividade de cunho público (ou omissão) a demonstração da culpa por parte do Estado ou de seus agentes. Resumidamente, a responsabilidade do Estado se configura mediante o cumprimento dos seguintes requisitos: 1) Tratar-se de pessoa jurídica de direito público ou de direito privado que presta serviços públicos; 2) Essas entidades estarem efetuando a prestação de serviço público; 3) A ocorrência de um dano causado a um particular; 4) O dano ser ocasionado por um agente (em qualquer capacidade) dessas pessoas jurídicas; 5) Esses agentes, ao causarem o dano, estarem atuando nessa qualidade. Por meio da técnica da presunção de culpa, torna-se necessária a inversão do ônus da prova, devido à posição menos favorável da vítima.

O alicerce do sistema de responsabilidade civil contemporâneo é o princípio da restitutio in integrum, que busca a plena recomposição do prejudicado ao seu estado anterior. Nesse contexto, a responsabilidade civil desempenha um papel dual na esfera jurídica da vítima: a) assegurando a manutenção da segurança jurídica do lesado; b) impondo uma sanção civil de caráter compensatório.

A responsabilidade civil do Estado será afastada na presença de situações específicas capazes de eliminar o vínculo causal entre a conduta estatal e o dano causado ao indivíduo. Essas situações incluem a ocorrência de força maior, caso fortuito, estado de necessidade, assim como a culpa exclusiva da vítima ou de terceiros.

A força maior é definida como um evento natural, uma ocorrência imprevisível, inevitável ou alheia ao comportamento humano, como, por exemplo, um raio, uma tempestade ou um terremoto. Nessas circunstâncias, o Estado fica incapacitado diante da imprevisibilidade das causas desses fenômenos, o que, consequentemente, justifica a isenção de sua obrigação de indenizar possíveis danos, uma vez que o nexo de causalidade não está presente nesses casos.

No caso de um evento fortuito, o dano decorre de uma ação humana que gera um resultado prejudicial, sendo alheia à vontade do agente, embora por vezes seja previsível. Por se tratar de um incidente, imprevisto ou acidente, algo que não poderia ser evitado pela vontade humana, ocorre, assim, a interrupção do nexo de causalidade, justificando, portanto, a exclusão da responsabilidade diante do caso fortuito.

A incidência de força maior e caso fortuito é contemplada no artigo 393 do novo Código Civil.

O estado de necessidade também figura como motivo para a exclusão de responsabilidade, uma vez que representa uma situação em que o interesse geral sobrepuja o pessoal, e até mesmo o individual, refletindo o princípio da supremacia do interesse público. Esse princípio se caracteriza pela prevalência da necessidade pública sobre o interesse particular. O estado de necessidade ocorre quando há situações de perigo iminente não provocadas pelo agente, como em guerras, exigindo um sacrifício do interesse particular em prol do Poder Público, que pode intervir em virtude de seu poder discricionário.

A culpa exclusiva da vítima ou de terceiros é também reconhecida como uma causa que exclui a responsabilidade estatal, uma vez que resulta na quebra do nexo de causalidade. Nesse contexto, o Poder Público não pode ser responsabilizado por um evento ao qual, de qualquer maneira, não deu origem. Isso se baseia em um princípio lógico que estabelece que ninguém pode ser responsabilizado por atos que não cometeu ou nos quais não teve participação.

Agora, nas situações em que se identificam concausas, ou seja, a presença de mais de uma causa contribuindo para o resultado prejudicial, com ações simultâneas tanto por parte do Estado quanto do lesado, não ocorrerá a exclusão de responsabilidade. Em vez disso, haverá uma redução do montante indenizatório proporcional à participação de cada parte no evento.

Entretanto, em todas as situações em que o Estado é chamado a compensar danos resultantes de condutas omissivas ou comissivas, ele tem a possibilidade de se defender demonstrando a presença de quaisquer circunstâncias que excluam a responsabilidade. Além disso, pode argumentar que o dano não é considerado especial ou anormal, ou que não tinha a obrigação de agir. Essa ampla gama de defesas leva à conclusão de que, mesmo ao aplicar a teoria do risco administrativo e, consequentemente, adotando a responsabilidade objetiva em todos os casos, o Estado não está sendo transformado em um segurador universal. Além do mais, se o Estado falha em cumprir seu dever de agir conforme os padrões médios exigidos pela população, resultando em danos ao patrimônio das pessoas, seria preferível que ele não fosse colocado nessa posição.

No sistema legal vigente, é consensual o entendimento de que o Estado é responsável por seus atos, quer sejam ativos ou omissivos, que resultem em danos a terceiros. No entanto, essa responsabilidade possui características específicas. O Estado tem a possibilidade de excluir a sua responsabilidade em determinadas circunstâncias, as quais efetivamente eliminam o nexo de causalidade entre a ação estatal e o prejuízo. Estas situações incluem: força maior, caso fortuito, estado de necessidade, e culpa exclusiva da vítima ou de terceiros.

Ainda nesse sentido, o CDC estabelece que o Estado, atuando como fornecedor de serviços públicos, é sujeito à responsabilidade objetiva pelos danos resultantes da "falta do serviço público". Isso abrange a responsabilidade por condutas omissivas e exige a observância de todos os princípios e normas protetoras do consumidor. Conforme estipulado pelo artigo 22, a responsabilidade pelo fornecimento inadequado ou ineficaz do serviço público é de natureza objetiva. É relevante destacar que o Estado só será considerado fornecedor e, consequentemente, estará sujeito às regras do CDC quando estiver envolvido na produção de bens ou na prestação de serviços remunerados por "tarifas" ou "preços públicos". Nesse contexto, as normas do CDC não serão aplicadas quando a remuneração ocorrer por meio de tributos. Assim, desde a implementação do CDC, a responsabilidade do Estado por serviços públicos remunerados por tarifas ou preços públicos é de natureza objetiva, abrangendo tanto condutas comissivas quanto omissivas.

Diante de todos os argumentos apresentados, a posição jurídica que é aplicada majoritariamente no ordenamento jurídico brasileiro é a aplicação da Teoria do Risco Administrativo, ou seja, a adoção de uma responsabilidade de natureza objetiva por parte do Estado em casos de condutas omissivas que resultem em danos a terceiros. Essa perspectiva é respaldada pela necessidade de proteger a vítima, considerando a dificuldade desta em comprovar a culpa ou dolo de algum agente ou a inadequação do serviço. Além disso, o artigo 37, § 6° da Constituição Federal é claro ao afirmar que o Estado é responsável, independentemente de culpa, por condutas comissivas ou omissivas que causem danos a terceiros. Os argumentos utilizados por alguns estudiosos para sustentar a aplicação da Teoria Subjetiva na responsabilização por condutas omissivas estatais são considerados frágeis e contraditórios. Além disso, o novo Código Civil, ao estabelecer essa regra no art. 43, reforça a norma constitucional, indicando que a análise de culpa ou dolo ocorrerá apenas em ação regressiva do Estado contra o agente causador do dano.

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BRUNINI, Weida Zancaner. Da responsabilidade extracontratual da administração pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981

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MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. 2a edição. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1966

Dayanne Avelar

Dayanne Avelar

Advogada na Barreto Dolabella. Graduada em Direito pelo Instituto de Ensino Superior de Brasília (IESB) e possui experiência em assessoria jurídica e consultoria no contencioso cível.

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