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Da necessária distinção entre dois termos processuais: afinal liminar e tutela antecipada ostentam o mesmo significado?

Atualmente, as liminares tornaram-se alvo de discussões populares devido ao interesse da sociedade em casos midiáticos. Visando efetividade e celeridade judicial, essas decisões são frequentemente concedidas para atender às expectativas dos envolvidos.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Atualizado às 13:33

Nos dias de hoje, ante os anseios dos jurisdicionados e a notoriedade e popularidade das decisões judicias, fomentadas pelo crescente interesse da sociedade em alguns casos midiáticos, muito se fala acerca das famosas liminares.

Cidadãos criticando, nas rodas de conversas, em casa, em restaurantes e onde quer que seja, decisões que envolvem casos controversos já virou algo comum no Brasil.

A par disso e por objetivar garantir a efetividade da jurisdição, bem como atender às expectativas de todos os envolvidos em um processo judicial, oferecendo presteza e celeridade, é que diversas liminares são concedidas.

Amigos, colegas, conhecidos, muitas vezes sem formação jurídica debatem decisões de tribunais: "Viram a liminar que o ministro concedeu? Um absurdo!" Afinal, todos tem o direito de se expressar.

Desse modo, com o perdão de não serem da área, aos leigos é permitido errar. Mas no mundo jurídico muitas vezes somos surpreendidos com a inadequada utilização dos termos liminar e tutela antecipada.

Alguns conceitos são utilizados de maneira inadequada, como se fossem sinônimos, não tendo o mesmo significado terminológico bem como jurídico.

No cotidiano dos operadores do direito muito se escuta acerca das liminares e das tutelas antecipadas, chegando a serem equiparadas tanto em petições escritas pelos advogados, como em decisões judiciais prolatadas pelos diversos órgãos jurisdicionais.

A antecipação da tutela é bem vinda na medida em que materializa a efetividade da prestação jurisdicional, antecipa ou resguarda um direito, sendo uma forma de se otimizar a entrega do almejado, caso presentes os pressupostos autorizadores.

Posterga-se o contraditório, quebrando uma sequência lógica do processo, com o objetivo de antecipar ou garantir o direito, dependendo da espécie de tutela.1

Aliás, a efetividade processual e a qualidade e presteza na entrega da jurisdição são objetivos dos mais caros ao sistema nos dias atuais, ante o volume de processos e a consequente morosidade.

Sabendo-se disso, a própria lei define mecanismos para a compensação, como, a título de exemplo os juros moratórios e a correção monetária. Os ditos "danos marginais" oriundos da demora na decisão de mérito são compensados de diversas maneiras e a antecipação dessa entrega é uma delas.

Podemos aqui vislumbrar outras formas de abreviação na entrega da jurisdição, bem como procedimentos que visam encurtar os caminhos até a decisão final, como os procedimentos especiais, os títulos executivos extrajudiciais, dentre outros.

Ademais, os métodos processuais aptos a oferecer uma tutela diferenciada, antecipando a entrega ou assegurando uma futura decisão de mérito são elogiáveis, ao passo que o direito da parte muito seria sacrificado, em diversos casos, em hipótese de espera do aperfeiçoamento do contraditório, que se revela moroso devido ao elevado número de processos em trâmite, bem como a dificuldade de se citar o réu em algumas ocasiões.

Como tive a oportunidade de escrever, as tutelas provisórias se dividem em urgência e evidência, sendo aquelas de natureza antecipada ou cautelar, incidentais ou antecedentes2. Um novo esboço teórico foge do tema central do ensaio.

Vale mencionar, o fato de que as tutelas acima referidas possuem o seu significado e o termo decisão liminar ostenta significado diverso que merece ser esclarecido, ainda que para mera e correta utilização da terminologia em petições e arrazoados.

Corriqueira é a confusão entre liminar e medida de urgência (tutelas de urgência), afirmando-se, em certa medida, que a liminar é quase sempre uma medida cautelar.3

Liminar é todo pronunciamento do juiz que venha antes do aperfeiçoamento do contraditório, ou seja, antes da citação do réu. A própria etimologia do termo nos diz algo que constitui o começo, o início de alguma coisa.

Em razão disso, infere-se que não somente as decisões acerca de pedidos de tutela de urgência, concedidos antes da citação do réu tem natureza liminar. Pronunciamentos saneadores, objetivando viabilizar o recebimento da petição inicial, bem como a determinação de emendas à inicial tem natureza de comandos liminares, sem se confundir com as espécies de tutelas provisórias a dispor do autor.

Aliás, a decisão liminar se justifica, em grande medida, quando houver justo e fundado receio de que a citação do réu poderá frustrar ou obstar a eficácia da concessão após aquele ato.4 É possível extrair desse entendimento, que medidas liminares são excepcionais, ao passo que postergam o contraditório.

Portanto, as liminares são aquelas decisões proferidas em fase ainda embrionária do processo, podendo ser a própria concessão de tutelas provisórias de urgência ou de evidência requeridas, bem como comandos proferidos pelo juízo para que seja sanado algum vício, viabilizando o recebimento da petição inicial e o seu julgamento de mérito, ante o poder geral de cautela.

O que nos autoriza a enquadrar a liminar como uma classe jurídica, voltada ao processo, é o seu aspecto temporal, a concretização da medida antes da citação do réu, antecedente ao principal, somente isso.

A principal diferença em relação a antecipação de tutela é que nem toda decisão nesse sentido ocorre em fase liminar.5

Pois bem. Conceituando as liminares no processo civil, necessária de faz a diferenciação das tutelas de urgência mais comuns, a cautelar e antecipada requeridas em caráter incidental.

A primeira diz respeito unicamente à preservação do direito posto em juízo, que correndo o risco de perecer e inutilizar a posterior decisão de mérito, ostenta caráter eminentemente acautelatório. Já a antecipada se refere à literal antecipação do direito pleiteado, caso perfeitos os requisitos autorizadores à concessão, ainda que sem ares de definitividade.

Adianta-se a concessão da medida, que se dará anteriormente ou em capítulo da sentença, apenas sendo relevante a questão temporal, o momento processual no qual é concedida, liminarmente ou a qualquer momento antes da (ou na) sentença.

A lei nos diz que, diferentemente das liminares (concedidas sempre ao início), a antecipação dos efeitos da tutela poderá ocorrer a qualquer tempo, desde que surjam os elementos autorizadores, nos dizeres do artigo 300, caput, do CPC.

A concessão de tutela de urgência, em caráter liminar ou não, até mesmo é passível de deferimento nos processos de execução, como ações de títulos executivos extrajudiciais na maioria dos casos requeridas através de arresto, visando garantir a efetividade do procedimento.

A grande diferença entre os institutos jurídicos diz respeito ao tempo. A liminar, seja qual for a natureza de seu pedido, é concedida sempre no início do processo, via de regra antes da perfectibilização da relação processual com a efetivação da citação do réu.

No que diz respeito às tutelas provisórias de urgência e da evidência, essas podem ser concedidas liminarmente ou ante a justificação prévia, materializada por uma audiência.6

Não há sequer preclusão na formulação de seu pedido incidental a qualquer tempo, desde que preenchidos os seus requisitos autorizadores 7. Na hipótese de improcedência do pedido liminar de concessão de tutela de urgência, caso surjam novos fatos, uma nova causa de pedir, não há óbice para um novo requerimento.

Do mesmo modo que poderá ser formulado a qualquer tempo, o juízo poderá conceder ou revogar a tutela até a sentença, hipótese que não se cogita de uma decisão liminar, restando clara a distinção entre os dois institutos.

Entendo que a tutela provisória poderá ser requerida enquanto não houver o trânsito em julgado da demanda, significando dizer que é possível o seu requerimento nos recursos, e, no caso daqueles dirigidos aos tribunais superiores, somando-se aos requisitos ordinários, necessário se fazem os especiais, como o prequestionamento.

Até mesmo revela-se possível a concessão da medida em ação rescisória.8

Via de regra, os pedidos de tutela recursal ladeiam o próprio recurso sendo requeridos nas suas razões. Porém, é possível que se formule um requerimento de tutela recursal em caráter antecedente, quando os requisitos legais restarem presentes, em analogia ao procedimento insculpido para o primeiro grau, ante a sua real compatibilidade.9

Mesmo ante a concessão dos efeitos da tutela recursal antecedente, não se pode deixar de interpor o recurso cabível no prazo legal, para se evitar o trânsito em julgado da decisão recorrida, ao passo que aqueles requerimentos não ostentam efeito obstativo e não fazem as vezes de recurso.

A medida antecipada recursal apenas busca a atribuição de efeito suspensivo à decisão que concede algo contra os interesses do recorrente, ou conceder algo não deferido em primeiro grau, consubstanciando a antecipação dos efeitos da tutela recursal, impropriamente chamado de efeito ativo, sendo correto apenas falar sobre efeito suspensivo ou antecipação da tutela recursal.10

As decisões monocráticas que deferem ou não esses requerimentos ocorrem sempre em momento liminar, ao passo que sequer intimado o recorrido para contrarrazoar.

Porém, nada impede que ocorram duas situações peculiares. A primeira delas, é o relator não analisar o pedido formulado no recurso de tutela antecipada, vislumbrando ainda certa dúvida acerca dos requisitos para sua concessão, o podendo realizar até o julgamento do recurso, mas sempre antes do voto de mérito, ao passo que os benefícios da concessão, revogação ou confirmação da tutela em primeiro grau até a sentença não são extensivos ou análogos ao segundo grau de jurisdição.

É algo inerente a sentença, decisão cujos efeitos são obstados até o trânsito em julgado, interposto ou não o recurso de apelação.

A segunda situação acima elencada diz respeito à formulação de pedido de tutela recursal após a interposição e conhecimento do recurso, por simples petição. Sendo possível o requerimento até o julgamento da insurgência, caso surjam os requisitos autorizadores em momento posterior e desde que não haja inovação recursal, devendo dizer respeito à matéria já posta ao conhecimento do tribunal somada ao posterior nascimento do perigo de dano, por exemplo, bastando para a sua concessão.

Isso se dá pois, no que diz respeito ao recurso de apelação, a título de exemplo, não é necessário a soma dos requisitos insculpidos no artigo 300, bastando que se faça presente algum deles para a concessão da tutela antecipada recursal, na modalidade efeito suspensivo.11

Em decorrência de todo o exposto, fica clara a distinção de significado entre o termo liminar e tutela provisória em diversos prismas processuais, podendo ocorrer em um mesmo lapso temporal, mas ostentando conceitos diferentes.

 A correta utilização e interpretação dos dois institutos jurídicos, além de relevância teórica, é importante na prática podendo até mesmo definir o recurso cabível. Caso concedida a tutela antecipada liminarmente caberá agravo de instrumento, caso a concessão ocorra na sentença, caberá apelação.12

Desse modo, aconselhável a seu correto emprego.

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1 Art 294, parágrafo único, do CPC

2 https://www.academia.edu/89697051/Notas_sobre_a_tutela_provis%C3%B3ria_de_urg%C3%AAncia_antecipada_e_cautelar_requeridas_em_car%C3%A1ter_antecedente

3 REIS FRIEDE, Medidas Liminares, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1997, p. 14/25

4 Acórdão 1439818, 07098572820218070000, Relator: JAMES EDUARDO OLIVEIRA, 4ª Turma Cível, data de julgamento: 31/3/2022

5 ADROALDO FURTADO FABRÍCIO, "Breves Notas sobre Provimentos Antecipatórios, Cautelares e Liminares" 66/13

6 Art. 300, parágrafo 2°, do CPC

7 Enunciado n° 496, do FPPC

8 Art. 969, do CPC

9 https://www.migalhas.com.br/depeso/374149/da-tutela-provisoria-no-ambito-recursal

10 Art. 1.019, inciso I, do CPC

11 Art. 1.012, parágrafo 4°, do CPC

12 Art. 1.012, parágrafo 1°, inciso V, do CPC.

Luís Eduardo de Resende Moraes Oliveira

VIP Luís Eduardo de Resende Moraes Oliveira

Advogado e especialista em direito processual civil.Membro da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil. Membro da Comissão de Processo Civil OAB/DF.

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