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Está correta a decisão judicial que exige assinatura digital na procuração?

Magistrada condiciona validade da procuração eletrônica a "assinatura eletrônica qualificada" por entidade credenciada na ICP-Brasil, gerando controvérsia sobre a autenticidade.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Atualizado às 14:08

O informativo MIGALHAS noticiou o seguinte despacho do juízo da 37ª Vara Cível do TJ/SP: "Juíza manda regularizar procuração assinada a punho por assinatura ICP".1

Pela decisão publicada a magistrada condicionou a validade nos processos digitais, a procuração assinada de forma eletrônica deve ser objeto de "assinatura eletrônica qualificada, assim determinando:

"Antes de deferir o pedido de habilitação de fls.230/232, é necessário regularizar a procuração, para que seja assinada eletronicamente através de pessoa jurídica certificadora da assinatura conste no rol de entidades credenciadas na Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). Assim, para que tenha validade nos processos digitais, o instrumento de procuração assinado de forma eletrônica deve ser objeto de "assinatura eletrônica qualificada", nos termos dos artigos 10, §§ 1º e 2º da Medida Provisória 2.200-2/01 de 24/8/01 (vigente por força da EC 32/01), da lei 11.419/06 e do art. 5º e § 1º da Resolução 551 do C. Órgão Especial do TJ/SP".

Pela matéria o advogado do réu assim se manifestou: "Vossa Excelência, de maneira inusitada, data vênia, está determinando que o outorgante proceda a assinatura no instrumento de forma eletrônica, e, portanto, colocando em dúvida a assinatura (com todo respeito entendi que Vossa Excelência está entendendo que a assinatura é falsa)."

A citada decisão se fundamentou nos seguintes dispositivos: MP 2.200-2/01, art. 10, §§ 1º e 2º, lei 11.419/06 e Resolução 551, do órgão especial do TJ/SP, art. 5º e § 1º.

Vejamos o teor de cada qual:  

A MP 2.200-2/01, em o art. 10 e parágrafos, trata da validade das declarações constantes de documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, SEM OBSTAR a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.

A lei 11.419/06 - dispôs sobre a informatização do processo judicial e alterou do CPC - foi mencionada de forma genérica.

A Resolução 551/11, do órgão especial do TJ/SP, regulamentou o processo eletrônico no âmbito do TJ/SP. O citado § 1º do art. 5º, determina que a "autenticidade e integridade dos atos e peças processuais deverão ser garantidas por sistema de segurança eletrônica, mediante uso de certificação digital, devendo os documentos produzidos de forma eletrônica ser assinados digitalmente por seu autor, como garantia da origem e de seu signatário".

Todos os dispositivos mencionados no despacho referem-se, exclusivamente, a documentos produzidos de forma eletrônica. Não a procuração que consta em disposto expresso na legislação!

O art. 38 CPC (alterado pela lei 11.419/06) cuida da procuração geral para o foro, conferida por instrumento público, ou particular assinado pela parte. E seu parágrafo único assinala, expressamente, que: "A procuração PODE ser assinada digitalmente com base em certificado emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma da lei específica. (Incluído pela lei 11.419/06)".

A lei específica no caso, é a MP 2.200-2/01, que criou a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras.

A lei NÃO EXIGE que a procuração seja assinada digitalmente. Ao contrário! Trata-se de uma faculdade concedida ao outorgante de fazer uso - ou não - da certificação digital comercializada no país, a ICP-Brasil.

O advogado recebe a procuração do cliente em formato físico - fixada no suporte físico do papel vegetal - com a assinatura manuscrita do outorgante - e a digitaliza para ser anexada aos autos eletrônicos.

Elementar: A assinatura digital não tem validade em documentos físicos! E vice-e-versa. Se a procuração foi firmada em papel, a assinatura é autógrafa. Se a procuração foi firmada em meio digital, a assinatura é digital.

O Poder Judiciário não pode exigir que o jurisdicionado outorgue sua procuração em formato nato-digital e ainda seja obrigado a adquirir um certificado digital, que não é gratuito, para que seu ato de vontade tenha validade.

Portanto, se a procuração PODE ser assinada digitalmente, não tem cabimento condicionar a validade do instrumento nos processos digitais.

O que a lei não exige não pode o magistrado inovar. A exigência é descabida e desprovida de fundamentação legal.

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1 Disponível em: https://www-migalhas-com-br.cdn.ampproject.org/c/s/www.migalhas.com.br/amp/quentes/401313/juiza-manda-regularizar-procuracao-assinada-a-punho-por-assinatura-icp

Ana Amelia Menna Barreto de Castro Ferreira

Ana Amelia Menna Barreto de Castro Ferreira

Advogada, Msc., Especialista e Docente Direito Digital. CEO Núcleo de Direito Digital.

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