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Assédio sexual nas relações de trabalho

Assédio sexual em ambientes de trabalho é um fenômeno global, afetando particularmente as mulheres. O Brasil criminaliza essa prática, e diretrizes internacionais, como a Convenção 190 da OIT.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Atualizado às 08:51

O fenômeno do assédio sexual, uma manifestação de violência sexual que ocorre frequentemente em ambientes laborais ao redor do globo, destaca-se particularmente na vivência das trabalhadoras. Essa forma de abuso de poder manifesta-se tanto por chantagem, com o assediador buscando vantagem ou favorecimento sexual mediante sua posição hierárquica, quanto por intimidação, visando limitar a atuação ou criar um ambiente hostil para o assediado. Tais condutas incluem, mas não se limitam a convites persistentes, comentários sobre atributos físicos, contatos físicos indesejados e conversas de conotação sexual.

No Brasil, o assédio sexual é explicitamente tipificado como crime pelo artigo 216-A do Código Penal. A batalha contra essa forma de violência é também apoiada por instrumentos internacionais, como a Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho, que propõe diretrizes para erradicar a violência e o assédio no ambiente laboral. Essas diretrizes são cruciais para a proteção de grupos historicamente marginalizados, incluindo mulheres, indivíduos com deficiência, a comunidade negra e LGBTIQ+.

Em resposta a esses desafios, alterações recentes na legislação brasileira, como a reformulação da NR-05 em março de 2023, introduziram medidas mais robustas para prevenir o assédio sexual no trabalho. Notavelmente, esta atualização renomeou a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes - CIPA para Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio, marcando um avanço significativo na prevenção do assédio sexual. As novas diretrizes estabelecidas visam reforçar a segurança no ambiente de trabalho, englobando:

  • A implementação de políticas internas contra o assédio sexual e outras formas de violência, assegurando sua ampla divulgação a todos os funcionários;
  • Estabelecimento de procedimentos específicos para o recebimento e acompanhamento de denúncias, investigação dos fatos e aplicação de medidas disciplinares aos agressores, garantindo o anonimato dos denunciantes e sem prejuízo aos procedimentos legais pertinentes;
  • Promoção regular, ao menos anualmente, de programas de capacitação, orientação e sensibilização acerca de violência, assédio, igualdade e diversidade no trabalho, destinados a funcionários de todos os níveis hierárquicos, em formatos acessíveis e eficazes.

Essas medidas refletem um esforço concertado para criar um ambiente de trabalho mais seguro e inclusivo, reconhecendo a importância de abordagens proativas para combater o assédio sexual e promover a diversidade e igualdade.

Estatísticas evidenciam uma realidade perturbadora: a desproporcionalidade com que as mulheres sofrem assédio sexual no ambiente de trabalho. Estudos demonstram que aproximadamente 18,3% das trabalhadoras já foram vítimas dessa forma de violência, destacando-se um contraste marcante quando comparado à experiência masculina. Adicionalmente, o fenômeno do assédio moral também é prevalente, com 31% das mulheres reportando terem enfrentado tais situações, em comparação a 22% dos homens1.

O Ministério Público do Trabalho - MPT reportou um crescimento significativo nas denúncias de assédio moral e sexual no Brasil em 2023, evidenciando uma preocupante tendência. Até julho de 2023, o MPT registrou 8.458 denúncias, um número que se aproxima do total de denúncias recebidas durante todo o ano de 2022, que foi de 8.508. Paralelamente, o TST contabiliza uma média diária de 220 novas ações relacionadas a assédio moral e sexual, evidenciando a relevância e a urgência do tema2.  Especialistas sugerem que esse aumento nas denúncias pode ser atribuído à implementação de novas legislações e iniciativas que oferecem maior proteção e encorajamento às vítimas para que estas venham a público com suas denúncias.

Além dos desafios no ambiente de trabalho, as mulheres enfrentam obstáculos no âmbito do judiciário, tanto na sensibilização quanto no tratamento de suas denúncias. O avanço significativo nesse contexto é o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero3, desenvolvido a partir de um grupo de trabalho instituído pela Portaria do CNJ 27/21. Este protocolo visa colaborar com a implementação das políticas nacionais de enfrentamento à violência contra as mulheres, além de incentivar a participação feminina no Poder Judiciário, seguindo as diretrizes das Resoluções 254 e 255, de 2018. Com a adoção deste protocolo, e com a Resolução CNJ 492/23, cria-se uma estrutura de apoio e capacitação no judiciário, marcando um progresso na luta pela igualdade de gênero e no combate ao assédio e à violência contra as mulheres.

As repercussões do assédio sexual transcendem o âmbito profissional, afetando profundamente o bem-estar emocional e psicológico das vítimas. Diante dessas consequências, o Direito do Trabalho deve oferecer mecanismos para a proteção e reparação dos danos sofridos pelas vítimas, incluindo a possibilidade de rescisão indireta do contrato de trabalho e indenizações por danos morais.

Conclui-se, portanto, que o combate ao assédio sexual no trabalho demanda uma abordagem multifacetada, envolvendo tanto a implementação de políticas preventivas quanto o fortalecimento do amparo legal às vítimas. A responsabilidade recai sobre empregadores e instituições para criar ambientes de trabalho seguros, livres de violência e discriminação.

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1 Os dados referentes à prevalência de assédio sexual no ambiente de trabalho, citados anteriormente, foram extraídos de um estudo realizado pela startup de aconselhamento jurídico Forum Hub. Esta pesquisa evidencia a disparidade significativa na ocorrência de assédio sexual entre gêneros, com mulheres enfrentando uma incidência cinco vezes maior em comparação aos homens. Para maiores informações, consulte a fonte original em: "Mulheres sofrem cinco vezes mais assédio sexual no trabalho, aponta estudo" - Radar Econômico, VEJA, disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/radar-economico/mulheres-sofrem-cinco-vezes-mais-assedio-sexual-no-trabalho-aponta-estudo..

2 Fonte: Poder360, "MPT recebeu 8.500 registros de assédios moral e sexual até julho". Disponível em: https://www.poder360.com.br/justica/mpt-recebeu-8-500-registros-de-assedios-moral-e-sexual-ate-julho/

3 Para mais informações sobre o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero e os esforços de capacitação dirigidos a novos juízes e juízas no âmbito do judiciário brasileiro, bem como detalhes sobre o grupo de trabalho instituído pela Portaria do CNJ n. 27/21 e as políticas nacionais de enfrentamento à violência contra as mulheres, consulte a fonte original no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), disponível em chrome-extension://mhnlakgilnojmhinhkckjpncpbhabphi/pages/pdf/web/viewer.html?file=https%3A%2F%2Fwww.cnj.jus.br%2Fwp-content%2Fuploads%2F2021%2F10%2Fprotocolo-18-10-2021-final.pdf

Antonia de Maria Ximenes Oliveira

Antonia de Maria Ximenes Oliveira

Advogada especializada em Direito do Trabalho, Diretora Jurídica do SPC/RJ; Delegada da Comissão de Prerrogativas da OAB/RJ; possui especializações em Direito do trabalho como MBA em Acidente de trabalho/doenças ocupacionais, e em Direito Constitucional e Direitos Humanos - pela Universidade de Coimbra/PT.

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