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Implicações legais e reflexões éticas acerca da decisão que responsabilizou influenciadora por publicidade enganosa em curso online

Cursos online, impulsionados pela rentabilidade e influência, proliferam com baixos custos. Destaque para gestão financeira, habilidades sociais e bem-estar físico, atendendo à busca crescente por autoaperfeiçoamento.

sábado, 17 de fevereiro de 2024

Atualizado em 6 de março de 2024 08:04

A expansão acelerada da oferta de cursos online é um reflexo de seu potencial de lucratividade e promessa para aqueles que se estabelecem como influenciadores de comportamento ou experts em determinado segmento de mercado. 

Estes cursos, valorizados por seus criados pela sua capacidade de gerar renda com baixos custos de produção, visam engradecer o seu público consumidor, focando em seu desenvolvimento em diversas esferas da vida. Destacam-se, por exemplo, como os mais recorrentes cursos online, aqueles voltados para a melhoria da gestão financeira pessoal, o aprimoramento de habilidades sociais e o fomento ao bem-estar físico, todos desenhados para atender às crescentes demandas por autoaperfeiçoamento. 

Contudo, a desarmonia entre as promessas feitas e as expectativas atendidas muitas vezes gera frustração entre os consumidores, especialmente quando estas são amplamente divulgadas por influenciadores digitais com extenso alcance nas redes sociais. 

Foi neste contexto que o TJ/SP se deparou com um caso possivelmente paradigmático, envolvendo uma consumidora descontente com um curso online de marketing digital. A promessa era de ensinar técnicas avançadas para potencializar vendas digitais, sugerindo ganhos significativos - até R$ 250,00 por dia, com potencial de alcançar R$ 100.000,00. A idealizadora do curso, uma influenciadora de renome, conhecida do público por seus posts e conteúdos. Os resultados, no entanto, revelaram-se insuficientes e desanimadores diante da realidade encontrada pela consumidora após a contratação. A alegação foi de que as técnicas apresentadas no curso estavam disponíveis gratuitamente na internet, ou seja, não eram exclusivas, e que os rendimentos prometidos pela influenciadora digital nunca se concretizaram. Por conta disso, buscou o Poder Judiciário para ser indenizada tanto por danos materiais quanto morais, evidenciando uma problemática cada vez mais comum no universo dos cursos online: a discrepância entre o prometido e o entregue em produtos digitais.

Em sua defesa, a influenciadora enfatizou vários pontos para contestar as alegações da consumidora insatisfeita. Primeiramente, destacou a natureza do curso online como uma oportunidade de afiliação, especificamente por meio de seu programa de afiliados, o que possibilitava a venda de cursos vinculados à influenciadora para o seu público consumidor e fiel. Além disso, a defesa argumentou que o sucesso nas vendas dependia exclusivamente do esforço e das estratégias da consumidora, adquirente, pontuando que muitos afiliados conseguem efetivamente vender os cursos e obter os ganhos prometidos.

O ponto especial do caso passou a consistir, dessa maneira, não apenas na questão da discrepância entre o prometido e o entregue, mas também na problemática da publicização de termos de uso vagos, que não delimitam claramente as expectativas que devem recair sobre o Infoproduto comercializado. E, é inegável: os termos de uso associados a muitos cursos online, geralmente elaborados sem assessoramento jurídico, apresentam lacunas significativas e frequentemente falham em esclarecer as limitações concretas e os empecilhos subjetivos do conteúdo oferecido. Essa falta de clareza abre margem para interpretações errôneas por parte dos consumidores, que podem acabar associando o potencial educativo dos cursos a garantias implícitas de avanços profissionais ou de lucros financeiros, como no caso julgado pelo TJ/SP.

Nessa discussão, o julgamento do TJ/SP foi favorável à consumidora, com base na adoção de uma linha de pensamento já há muito utilizada pelo Tribunal paulista para fundamentar as suas decisões envolvendo relações de consumo: cabe aos fornecedores de produtos e serviços a necessidade de que as informações promocionais sejam claras, verdadeiras e completas, sob pena de caracterização da chamada publicidade enganosa.

A conclusão, portanto, foi de que a influenciadora digital deveria reembolsar integralmente o valor investido pela consumidora no curso, além de indenizá-la por danos morais, no importe de cinco mil reais, estabelecendo um importante precedente sobre a responsabilidade legal dos envolvidos na promoção de cursos online. Decisão essa, inclusive, que pode servir de paradigma para tantos outros adquirentes desse curso que também não alcançaram as métricas de venda e renda prometidas pela influenciadora.

O caso em questão, chama atenção, pois ressalta a necessidade imperativa de transparência e precisão na comunicação por parte dos fornecedores de cursos online, particularmente quando se utilizam influenciadores digitais para fins de divulgação e marketing. Normas do CONAR, jurisprudência e o próprio CDC devem servir como guia para que esses agentes não transformem a comercialização de um curso online, com objetivo de alta rentabilidade, em uma dor de cabeça e um gargalo financeiro.

Sublinha, também, a necessidade de compromisso dos operadores digitais em aderir estritamente às regulamentações de proteção ao consumidor, assegurando práticas comerciais justas e confiáveis, para construir um ambiente digital que inspire confiança e segurança entre os consumidores.

Em resumo, esse caso ilustra a complexidade das relações entre influenciadores digitais, cursos online e consumidores, destacando a necessidade de maior transparência e clareza na oferta desses cursos, bem como o imperativo de proteger os direitos e expectativas dos consumidores em um mercado em constante crescimento.

Felipe Leoni Carteiro Leite Moreira

Felipe Leoni Carteiro Leite Moreira

Sócio da área de direito digital no escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados.

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