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Progresso?

A experiência única de assistir TV com amigos na infância contrasta com a atual falta de conexão emocional em interações com políticos. A evolução tecnológica mudou a advocacia, substituindo máquinas de escrever por sistemas digitais.

sexta-feira, 1 de março de 2024

Atualizado em 29 de fevereiro de 2024 14:25

Quando  tinha doze anos convidei uns dez amigos da turma da praia, (Copacabana - Posto 6), para ver a televisão que meu pai tinha comprado. Ficamos então, durante quatro horas, assistindo o retrato de um índio que aparecia na TV Tupi, (que era a única), e alguém dizendo de dez em dez minutos: "O índio não tem bandeira".  Era uma emoção fantástica. Hoje só existirá sentimento parecido se o artista sair da tela e sentar ao seu lado.

Lembro-me antes de Brasília, quando no Rio conheci um senador e, posteriormente, o deputado Carlos Lacerda. O sentimento era um misto de orgulho e vaidade por ter conhecido tais figuras da política nacional. Hoje, com raras exceções, você foge de tais apresentações.

No início de minha advocacia, batia as petições na máquina Remington, com carbono e ia dar entrada, vendo nas fichas que levava a tramitação dos demais processos. Hoje digito a petição para um departamento interno do escritório enviar ao Tribunal. E esta petição tem de conter determinado número de folhas caso contrário o sistema da Corte não aceita.

Antes era preciso ler sobre a doutrina e jurisprudência existentes para elaborar uma defesa ou recurso, mas atualmente, com tudo computadorizado, o pessoal que trabalha no escritório no CPD talvez faça melhor a petição. 

As empresas cumprimentavam seus advogados pelo êxito da tese ganha. Agora cumprimentam o setor de relatórios. 

Se assim continuar, em pouco tempo as teses serão apresentadas na justiça por especialistas em julgamentos semelhantes aos seus interesses, com maior conhecimento em computação do que em direito, não sendo necessária a figura do advogado e os magistrados, no futuro, talvez sejam substituídos por computadores.

Vejam, o presidente do STF estuda  a aplicação nacional da Inteligência Artificial, o cadastro de todo o setor jurídico unificado e diversas evoluções da eletrônica integrando-as na justiça.

A IA já consegue verificar na jurisprudência qual a mais favorável a uma das partes e, como tem viabilidades de apreciar as vantagens psicológicas e econômicas dos litigantes, consegue dar decisões bem mais justas do que o magistrado, sem a influência  de fatores que pode receber o ser humano.

Nos escritórios de advocacia, o setor de arquivo já não mais existe, estagiários  são substituídos por técnicos em eletrônica, bibliotecas faz tempo que não são utilizadas sendo feito pesquisas pelo google e outros programas existentes e advogados utilizam da cópia e da cola de material dirigido para a elaboração de uma petição.

Da mesma forma, os despachos, sentenças e acórdãos já são decorrentes de copiar e colar, por assessores que seguem os dados de computadores e buscam novidades na inteligência artificial para elaborarem minutas aos magistrados que, em razão do volume de processos em tramitação em nosso país, conseguem acelerar os julgamentos se entenderem que a elaboração dos assessores foi bem elaborada ou, de acordo com sua consciência jurídica,  se ainda será necessário alguma alteração.

Há, no meu entender, uma substituição gradativa do homem pela máquina e podemos ver, inclusive, na própria guerra, quando, por exemplo, a Rússia, no início do conflito com a Ucrânia, colocou inúmeros tanques para destruir Kiev os quais, surpreendentemente, foram destruídos por drones  enviados pelo adversário, sem a perda de nenhum piloto.

Vamos para a medicina e antigamente, qualquer um que ficasse doente na minha casa recebia a visita de um médico conhecido, que dava um tratamento parecido, e todos quase sempre ficavam bons. Hoje, com o avanço da medicina, nem os próprios médicos conhecem bem os tratamentos que devemos ter, não havendo pessoalidade na relação com o paciente, mas soluções decorrentes dos instrumentos. Há, inclusive, muitas cirurgias nas quais quem opera é o computador e não o próprio médico.

Imaginem que, atualmente, no meu escritório, às vezes na sala ao lado, converso com o colega mediante "e-mail", e passamos dias com apenas uma parede nos separando, conversando eletronicamente.

Ministros dificilmente recebem  advogados em seu gabinete para entrega de memoriais e conversas sobre o direito daí não haver maior proximidade entre eles.

O advogado envia por e-mail o número do processo e o que deseja falar sobre o mesmo e o Ministro marca uma audiência virtual na qual surge seu assessor para conversar sobre o Memorial a ser enviado, ou seja, as pessoas cada vez se conhecem menos. 

Alguns cursos, e mesmo pós-graduações estão sendo feitas mediante programas, através de sites, que chegam à sua residência; amigos contam piadas enviando "e-mails" e você repassa estes, não havendo mais graça em quem conta. Antigamente, na turma, sempre havia algum piadista.

O teletrabalho possibilita já há muitos fazer seu serviço em casa, e as empresas terceirizam cada vez mais, a ponto de gigantescas indústrias terem como seus trabalhadores apenas a diretoria.

Tudo isto traz uma idéia de vazio parecendo que , nos dias de hoje, o grande amigo do homem, e o único mesmo com quem ele conversa, é seu psicanalista.

Será isto progresso?

José Alberto Couto Maciel

José Alberto Couto Maciel

Sócio fundador do escritório Advocacia Maciel.

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