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Trump v. Anderson - Argumentos orais

Análise da arguição oral do recurso de Donald Trump perante a Suprema Corte dos EUA contra a decisão de inelegibilidade de Trump no Estado do Colorado na corrida presidencial de 2024, declarada pela Suprema Corte do Colorado.

segunda-feira, 4 de março de 2024

Atualizado em 1 de março de 2024 13:56

Donald Trump recorreu à Suprema Corte dos EUA ("Suprema Corte" ou "SCOTUS") contra a decisão da Suprema Corte do Colorado, que lhe impediu de ser votado na eleição primária presidencial do Partido Republicano no Colorado, com fundamento na Cláusula de Desqualificação da Seção 3 da 14ª Emenda à Constituição dos EUA - Constituição.  

Nenhuma pessoa será senador ou representante no Congresso, ou delegado eleitoral do presidente e vice-presidente, ou ter qualquer função civil ou militar sob os EUA ou sob qualquer Estado, que, tendo previamente jurado, enquanto membro do Congresso ou funcionário dos EUA, ou membro de legislatura estadual, ou como funcionário executivo ou judiciário de qualquer Estado, apoiar a Constituição dos Estados Unidos, tenha engajado em insurreição ou rebelião contra os mesmos, ou dado ajuda ou conforto a seus inimigos.  Mas o Congresso poderá, por um voto de dois terços de cada casa, remover tal desqualificação.1

A Suprema Corte: conheceu do recurso, determinando ao juízo a quo a remessa dos autos (procedimento conhecido como writ of certiorari); recebeu argumentos escritos das partes, de amici curiae e de terceiros interessados; agendou e escutou argumentos orais; e, eventualmente, emitirá uma decisão.

Este artigo examina exclusivamente a arguição oral do caso2, um procedimento significativamente diferente da sustentação oral no processo brasileiro.  O rito lembra um debate ou uma banca acadêmica, com participação intensa dos magistrados e magistradas ("magistrados"), que fazem comentários, colocações jurisprudenciais ou estatutárias, e são respondidos ou contestados pelos advogados das partes, chamadas de litigante e respondente (litigant and respondent, em inglês).   Neste contexto, numa tentativa de prever tendências decisórias da Suprema Corte no caso concreto, o artigo examina em maior detalhes as perguntas dos magistrados do que as respostas dos advogados.

É importante ter-se em mente certas peculiaridades dos ordenamentos jurídicos nos EUA: estados e união federal têm competência concorrentes e soberanas, formando 51 ordenamentos distintos, inclusive no âmbito eleitoral3; a constituição federal estadunidense aplica-se apenas parcialmente a questões estaduais, inclusive eleitorais; as decisões da Suprema Corte são vinculantes no judiciário federal e, por vezes, nos estaduais também4.  Consequentemente, os estados têm soberania legislativa para determinarem grande parte do direito eleitoral, seja formal ou material, desde que  o direito constitucional federal ao voto e as decisões da Suprema Corte sejam respeitados.5

O RITO

A arguição oral do recurso Donald J. Trump v. Norma Anderson, et al. - No. 23-719 ("o caso") ocorreu na sede da Suprema Corte, em Washington, no dia 8/2/24.   No polo ativo, o litigante é Trump.  No passivo, há três categorias de respondentes: os autores da ação originária, que também são apelantes em recurso, Norma Anderson,  Michelle Priola, Claudine Cmarada, Krista Kafer, Kathi Wright, e Christopher Castilian; a parte passiva na ação originária, que também foi apelada em recurso, Jena Griswold, Secretária de Estado do Colorado, em nome próprio e no interesse daquele estado; e, como terceiro interessado na ação originária e igualmente apelado em recurso, o Comitê Central do Partido Republicano do Estado do Colorado.

Trump foi representado por Jonathan F. Mitchell6 ("Mitchell"), ex-procurador geral do Texas entre 2010 e 2015.  Com extenso histórico de representações anteriores na Suprema Corte7, apresentou parecer como amicus curiae em Dobbs v Jackson Women's Health Organization (2023)8, que reverteu a decisão seminal em Roe v. Wade (1973)9, que garantia o acesso ao aborto em todos os estados dos EUA.  Também como amigo da corte, manifestou-se contrariamente a cotas raciais em Students for Fair Admissions v. Harvard (2023)10

Anderson e outros eleitores do Colorado  foram representados por Jason Murray11 ("Murray"), advogado especializado em direito público, antigo assistente dos atuais magistrados da Suprema Corte, Neil Gorsuch e Elena Kagan.   Esta foi a primeira intervenção de Murray perante a Suprema Corte.

O Estado do Colorado, na pessoa da Secretária de Estado, Jena Griswold, foi representado pela procuradora geral do Colorado, Shannon Stevenson ("Stevenson"), a quem couberam 10 minutos de arguição.  Stevenson participou de mais de 70 casos na jurisdição federal no Colorado, inclusive perante a Suprema Corte do Colorado.  Não tinha experiência prévia perante a Suprema Corte dos EUA.

Os advogados das partes fizeram breves apresentações de até 3 minutos12, seguidas de até uma hora de perguntas de cada magistrado ou magistrada.  Foram debatidos os pontos mais relevantes das peças escritas, apresentadas em momento processual anterior.  Não é raro nestas arguições que alguns magistrados adiantem a fundamentação de seus futuros votos, e foi o que ocorreu: os magistrados e magistradas atacaram ou sustentaram os pontos que cada um considerou mais importantes de serem pacificados.  O presidente da corte, John Roberts resumiu a preocupação do colegiado com a repercussão de uma eventual manutenção do impedimento de Trump no Colorado.

[...] se a posição do Colorado for mantida, certamente haverá desqualificações do outro lado e algumas destas terão sucesso.  Haverá distintos padrões processuais13. Alguns terão regras diferentes para evidências.  Talvez o relatório do Senado14 não seja aceito por ser considerado (mero) indício. [...] Eu imagino que, você sabe, um número significativo de estados dirão, quem quer que seja o candidato democrata, "você está fora da cédula", e outros para o candidato Republicano "você está fora da cédula".  Vai se resumir a um punhado de estados que irão decidir a eleição presidencial. E esta é uma consequência assustadora.15

Dado o escopo da decisão, inédita na história do sistema jurídico estadunidense, capaz de influenciar o resultado desta e de futuras eleições presidenciais, mais do que discutir a simples revisão judicial do caso concreto do Colorado, as partes desejavam convencer os magistrados a estabelecerem parâmetros para interpretação e aplicação da Seção 3 de agora em diante.

OS PEDIDOS

Ao ser perguntado sobre a relativa falta de importância dada pelo litigante ao princípio do devido processo legal, Mitchell deixou claro que seu objetivo era mais do que reverter a decisão no caso do Colorado.

Ganhar com base no devido processo legal não é tão útil para nosso cliente quanto os outros argumentos que apresentamos, porque esta seria uma decisão específica ao caso concreto no Estado do Colorado, o que deixaria a porta aberta para que o Colorado reenviasse o processo e continuasse a excluí-lo da cédula eleitoral.16

Além disso, o advogado de Trump insistiu que não apenas a cláusula não se aplica a quem concorre à presidência, mas que quem ocupa a presidência seria absolutamente imune a qualquer persecução penal.  Neste sentido, a lei federal 18 US Code §238317 ("2383"), que tipifica o crime de rebelião e insurreição na esfera penal federal nos EUA.

O único porém que eu mencionaria é que nosso cliente alega que ele tem imunidade presidencial.   Logo ele não aceita que possa ser processado pelo que ele fez em 6 de janeiro, sob 2383.18

No campo da defesa, Murray pede que os magistrados sustentem a decisão do Colorado, deixando a cargo dos estados aplicarem a decisão em suas próprias legislações eleitorais, com fundamento no Art. II da Constituição.  

Porque o Art. II lhes dá o poder de indicar seus próprios delegados (ao Colégio Eleitoral) como bem entenderem.  Entretanto, se eles tivessem de aplicar uma qualificação constitucional federal enquanto determinante de acesso à cédula, isto criaria uma questão constitucional federal[.] Se esta Corte sustentar a posição abaixo, determinando que o presidente Trump está inelegível para ser presidente, outros estados teriam mesmo assim de determinar qual efeito isto teria na sua própria legislação estadual e lei processual estadual.19

AS PERGUNTAS DOS MAGISTRADOS

A composição da Suprema Corte com seis magistrados indicados por presidentes do Partido Republicano (dito "conservador") contra três magistrados indicados por Democratas (ditos "progressistas") normalmente reflete-se na maior ou menor receptividade aos argumentos de cada lado, perincipalmente em casos ideologicamente carregados.  Este caso tem sido uma exceção, pois os magistrados têm quase todos, com exceção da magistrada Sonia Sotomayor, manifestado críticas ao processo a quo, bem como aos argumentos dos respondentes, como é o caso da magistrada Kagan, afiliada ao Partido Democrata, adversário de Trump.

[...] a questão que você deve enfrentar é porque um único estado deveria decidir quem pode ser Presidente dos EUA.  A questão de se um ex-presidente está desqualificado por insurreição [...] me parece terrivelmente nacional.  Logo, quaisquer meios de execução deveriam ser meios federais, nacionais. [...] Porque um único estado deve ter a competência de fazer esta determinação, não apenas para seus cidadãos, mas para o resto da nação?20

Indicada pelo Presidente Biden, a magistrada Ketanji Jackson tampouco mostrou-se completamente à vontade com a decisão estadual.

Posso apenas lhe perguntar sobre algo que a magistrada Kagan mencionou anteriormente, que é a preocupação sobre uniformidade e falta da mesma, caso estados tenham permissão para executarem a Seção 3 em eleições presidenciais[...]  Minha pergunta é porque o constituinte derivado teria desenhado um sistema que iria -- poderia resultar em desuniformidade interina desta maneira, onde teríamos eleições pendentes e estados distintos de repente dizendo "você está elegível, você não está", com base neste tipo de coisa?21

A magistrada Sonia Sotomayor, que na Suprema Corte possui o histórico de votos mais alinhado com pautas progressistas, não levantou problemas com os argumentos dos respondentes, mas com os do litigante, a começar pela validade e executabilidade da Seção 3..

Existe um conjunto completo de exemplos de estados fundamentando a desqualificação de candidatos a funções estaduais com base na Seção 3, [...] e você quer dizer que "auto-executável" não quer dizer o que geralmente significa.

A mesma magistrada também criticou o principal precedente apresentado pelo litigante, o caso in re Griffin , da justiça federal na Califórnia.

Griffin não é uma decisão com força de precedente perante a Suprema Corte. [...]  É uma decisão de instância regional por um juiz que, quando assumiu a função (de magistrado) na Suprema Corte, escreveu no caso Davis que ele assumia que Jefferson Davis22 seria inelegível para assumir qualquer função, particularmente a presidência[.]  Então uma decisão não-vinculante, que é fundamentada em política, que não examina a linguagem, não examina o contexto histórico, não examina nada exceto a disrupção que o caso poderia provocar, você quer que aceitemos enquanto precedente?

Do lado conservador, o magistrado Samuel Alito talvez tenha sido quem manifestou-se de forma menos contundente, apontando o que lhe pareceram inconsistências em argumentos dos dois lados.

Existe, porém, um limite para o que se possa inferir a partir do mero fato de que o Congresso pode perdoar a desqualificação.  Não se pode inferir que não se possa haver um determinação prévia de que a pessoa engajou-se em insurreição.  Você não pode fazer esta inferência.  Não é lógico.

Mas também questionou os respondentes em questões de segurança jurídica para conciliar decisões de diferentes estados.

Supondo que tenhamos dois autos diferentes, dois conjuntos de evidências diferentes, duas decisões diferentes sobre admissibilidade, dois padrões probatórios diferentes, dois diferentes conjuntos de apurações de fatos por dois magistrados diferentes, ou até múltiplos magistrados em múltiplos estados.  O que faríamos então?

Com posicionamento também moderado, a magistrada Amy Barrett, indicada por Trump, não pareceu alinhar-se com a tese do litigante de que seria necessária uma lei federal para que estados, como Colorado, pudessem executar a Seção 3.

[...] se nós aceitarmos seu posição de que desqualificar alguém da cédula é adicionar uma qualificação, na verdade, sua posição é que o Congresso não poderia legislar permitindo o Colorado fazer o que fez, porque o Congresso estaria adicionando uma qualificação, que ele tampouco pode fazer (sem o processo de emendar a Constituição).

No tocante aos respondentes, a magistrada Barrett concentrou suas dúvidas no devido processo legal e nas implicações para segurança jurídica, bem como da competência da justiça estadual decidir matéria com efeito nacional.

Então a regra geral é que, exceto em raras circunstâncias, cortes estaduais e cortes federais compartilham autoridade.  Cortes estaduais têm autoridade para fazerem valer a Constituição, mas há certos limites para tal, certas situações nas quais a própria Constituição assume para si a competência (que seria) estadual para resolver questões constitucionais. [...]

Isto quer dizer que todos os seus ovos estão na cesta da cláusula eleitoral, [...] apesar de todos os questionamentos que as pessoas estão fazendo sugerirem que exista um problema em dar a um único estado a autoridade para emitir uma sentença que teria efeito na eleição nacional, mesmo assim você continua dizendo que estas preocupações estruturais são superadas pela cláusula eleitoral?23

O magistrado Clarence Thomas, na tradição de seu antigo colega, o finado magistrado Antonin Scalia, buscou uma interpretação histórica para complementar a análise exegética da Cláusula de Desqualificação.  Conhecido por sua parcimônia nessas audiências, não poupou esforços para extrair do advogado dos respondentes a admissão de que não havia elementos históricos para sustentar sua tese.

Você tem exemplos contemporâneos -- e por contemporâneos quero dizer logo após a adoção da 14ª Emenda -- onde (sic) os estados desqualificaram candidatos nacionais, não seus próprios candidatos, mas candidatos nacionais?  [.] Me parece que, particularmente após a Reconstrução e o Compromisso de 1877 [...] que você teria este tipo de conflito. [...] Então, parece -- isto sugeriria que haveria pelo menos alguns exemplos de candidatos nacionais sendo desqualificados, se a sua leitura estiver correta.24

Outro magistrado que mostrou-se bastante duro foi o magistrado Kenneth Kavanaugh, adiantando reconhecer a força jurisprudencial do precedente de in re Griffin.

É um precedente, apesar de não ser vinculante.  Mas seu ponto é que serviu de fundamento para a lei de execução de 1870 e forma o pano de fundo contra o qual o Congresso de fato legislou.  E, como o magistrado Alito diz, a prática histórica por 155 anos tem sido assim.  Não houve [...] tentativas dos estados de executarem a desqualificação sob a Seção 3 contra funcionários federais desde então. [.] Eu acho que a razão pela qual 9a legislação) está dormente é porque existe uma compreensão assentada de que o magistrado chefe Chase, se não correto em cada detalhe, estava essencialmente correto, e os poderes do governo têm agido sob esta compreensão estabelecida por 155 anos.

O magistrado Neil Gorsuch, outro indicado de Trump, foi quem mais interveio, especialmente questionando os argumentos do advogado dos respondentes, com quem chegou a demonstrar certa impaciência.

Não, [.] isso não funciona, Sr. Murray [.] Deixe isto de lado.  Eu não vou dizer isso de novo.  Deixe isso de lado, ok?  Eu acho que o magistrado Alito está lhe fazendo outra pergunta, outra mais aguda e mais difícil para você, eu entendo, mas acho que merece uma resposta. [.]  Não, não, estamos falando sobre Seção 3.  Por favor não mude a situação hipotética, ok?

Finalmente, o magistrado chefe John Roberts, cuja função é conduzir os trabalhos, mas também inquirir os representantes das partes.  Deixou transparecer aparente alinhamento com uma tese do litigante, quanto à fundamentação da suposta competência estadual para  executar a 14ª Emenda.

Eu gostaria de meio que (sic) olhar a pergunta do magistrado Thomas meio que (sic) de uma altitude de 30 mil pés (9 mil metros).  Quer dizer, o objetivo da 14ª Emenda era o de restringir o poder estadual, certo? [...] Então, não seria o último lugar que você procuraria por autorização para os estados, inclusive os estados confederados, para executar -- implicitamente autorizar a execução do processo de eleição presidencial?

ARGUMENTOS DO LITIGANTE

O litigante fundamenta seu caso sobre quatro supostos pilares: a inaplicabilidade da Seção 3 à presidência; a incompetência da justiça estadual para executar o instituto da desqualificação por insurreição em eleição nacional; a inexecutabilidade automática da Seção 3; e a imunidade absoluta do presidente por atos ocorridos durante seu mandato.  É relevante que o litigante dispensa alguns precedentes e estratégias, pois teriam efeito limitado, e o litigante busca uma decisão vinculante.

MITCHELL: Nós poderíamos fundamentar nosso pedido em McClung,25 que diz que cortes estaduais carecem de autoridade para conceder medida cautelar contra funcionários federais.

BARRETT: Porque isto tiraria vocês da justiça estadual, mas não da federal?

MITCHELL: Certo.

A análise exegética da Seção 3 face a outras cláusulas constitucionais sugeriria uma distinção entre "exercer função" e "ser funcionário".  Esta distinção excluiria a presidência da rol de sujeitos passíveis de desqualificação, já que: a presidência não é mencionada explicitamente no rol de sujeitos passivos de desqualificação; e três outros dispositivos constitucionais referem-se a "funcionário dos EUA" como pessoa indicada para exercício de uma função federal, não mencionando aqueles eleitos para exercício de função. 26

Para arguir a suposta incompetência das cortes estaduais, o litigante alega que o poder que o Congresso tem de remover o impedimento impediria a justiça estadual de executar a Seção 3 em desfavor de candidato a pleito nacional.27

Ademais, Mitchell nega que a executabilidade da Seção 3 seja automática, pois dependeria de lei federal inexistente, que estendesse competência para a justiça estadual.  Para tanto, alega suposta força jurisprudencial de uma única decisão não vinculante, in re Griffin, proferida um século e meio antes por instância inferior, sobre inaplicabilidade, por órgão judicante estadual, do instituto da desqualificação por insurreição a um funcionário federal.

Enquanto matéria de princípio axiomático, sem o Caso Griffin nosso argumento fica muito mais difícil para nós fazermos porque, normalmente, quer dizer, todos os outros institutos da 14ª Emenda têm sido tratados como autoexecutáveis.

Sobre a suposta imunidade absoluta do presidente, Trump ingressou contra a justiça federal em Washington, D.C. na Suprema Corte, no caso Trump v. USA, pendente de julgamento.  Trata-se de um pedido de stay, instituto melhor descrito como um habeas corpus visando suspensão processual, para que a Suprema Corte suspenda julgamento recursal, enquanto aguarda oferecimento de ação na Suprema Corte.  Tal ação pediria que SCOTUS emitisse decisão vinculante criando uma excludente de culpabilidade penal ex tunc, objetiva e absoluta para aquele que exercesse ou tivesse exercido a presidência.28 

ARGUMENTOS DOS RESPONDENTES

A defesa dos respondentes está fundamentada em dois dispositivos constitucionais: a cláusula eleitoral do Artigo II; e a 10ª Emenda.  Em conjunto, sob o regime de dupla soberania do estado e da união, dariam aos estados competência para a desqualificação de candidato à presidência.  Abaixo a cláusula do segundo artigo, que versa sobre a delegação aos estados do direito eleitoral em eleições presidenciais. 

Cada estado indicará, da maneira que sua legislatura determine, um número de delegados eleitorais igual ao número de senadores e deputados ao qual o estado tenha direito no Congresso[...]29 

Em nome dos respondentes , Murray alega que seguiu-se a lei processual e a lei eleitoral do Colorado, o que não foi contestado pelo litigante ou pelos magistrados.   Argumentou, quanto à falta de precedentes contemporâneos à ratificação do dispositivo, que na mesma época que a 14ª Emenda era ratificada, foram concedidos perdão e anistia aos confederados, o que esvaziou a possibilidade de aplicar-se a desqualificação em desfavor destes.

Rebateu os argumentos do litigante, quanto à Seção 3 ser ou não auto-executável, bem como do estado ter ou não competência jurisdicional, com o argumento de que o Congresso jamais emitiu lei válida limitando o poder dos estados, nos termos da 10ª Emenda30.  

Aqueles poderes que não sejam delegados aos EUA pela Constituição, nem por ela proibidos aos Estados, estão respectivamente reservados aos Estados ou ao povo.31

Quanto ao Caso Griffin, reiterou seu caráter não vinculante e sua ausência de força jurisprudencial para efeitos da Suprema Corte.

ARGUMENTOS DO ESTADO DO COLORADO

A arguição da representante da advocacia estadual do Colorado, Shannon Stevenson, foi mais curta do que as dos advogados das partes e concentrou-se em questões processuais do direito do Colorado, bem como na fundamentação da Cláusula Eleitoral.   

Também posicionou-se contrária à revisão de questões de fato ou de da aplicação do direito interno estadual.32 Ademais reforçou que um candidato presidencial deve atender a todos os requisitos qualificatórios constitucionais para que possa concorrer no estado.

CONCLUSÃO

A análise dos questionamentos dos magistrados parece indicar que os mesmos não veriam com bons olhos a decisão do Colorado por conta: de suas consequências práticas;  da suposta carência de competência jurisdicional para justiças estaduais executarem o dispositivo constitucional em questão; da existência de um e apenas um julgado semelhante, que não reconheceu competência estadual na ausência de legislação específica do Congresso, que positivasse a competência estadual; da natureza desuniforme e idiossincrásica das legislações eleitorais, bem como das regras processuais estaduais; e da insuficiência de observância do princípio do devido processo legal.   

Considerando também que seis dos nove magistrados foram indicados por presidentes dos Republicanos, três dos quais pelo próprio litigante, parece improvável que a decisão da Suprema Corte do Colorado (estadual) seja mantida pela Suprema Corte dos EUA (federal).  

Restará saber se SCOTUS irá restringir a competência estadual para desqualificação de candidatos com fundamento na Seção 3 da 14ª Emenda, se à função de presidente aplica-se o dispositivo da Seção 3 e se o caso in re Griffin terá força jurisprudencial perante a Suprema Corte.

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1 USA. Constitution. 14Th Disponível em: https://constitution.congress.gov/browse/amendment-14/section-3/

2 USA. SCOTUS. Donald J. Trump v. Norma Anderson, et al. No. 23-719. Disponível em: https://www.supremecourt.gov/oral_arguments/argument_transcripts/2023/23-719_5he6.pdf. Acesso em <26/02/2024>.

3 TG dupla soberania

4 TG scotus

5 TG inelegibilidade

6 Disponível em . Acesso em <26/02/2024>.

7 Disponível em .  Acesso em <26/02/2024>.

8 dobbs

9 roe

10 Disponível em: https://www.supremecourt.gov/search.aspx?filename=/docket/docketfiles/html/public/20-1199.html

11 Disponível em: https://www.linkedin.com/in/jason-murray-b2572510b/. Acesso em 26/02/2024.

12 Disponível em: https://www.supremecourt.gov/oral_arguments/audio/2023/23-719. Acesso em 26/02/2024.

13 Estados têm soberania para determinarem direito processual, bem como normas de produção de prova e padrões para determinarem validade de indícios e de "ouvi dizer".

14 Disponível em: https://www.govinfo.gov/app/details/GPO-J6-REPORT/

15 USA.  SCOTUS. op. cit. ps. 84-85

16 Idem p. 60

17 Disponível em: https://uscode.house.gov/view.xhtml?req=granuleid:USC-1999-title18-section2383&num=0&edition=1999

18 USA. SCOTUS. op. cit.  p. 54

19 Ibid.   ps. 75-76

20 Ibid.   p. 75

21 Ibid.   ps. 95-96

22 Senador dos EUA, renunciou para assumir a presidência da Confederação na Guerra Civil Estadunidense, sendo capturado, julgado e condenado por traição.

23 USA. SCOTUS. op. cit.  ps. 115-117

24 Ibid.   ps. 66-68

25 Disponível em: https://caselaw.findlaw.com/court/us-supreme-court/19/598.html

26 USA. SCOTUS. op. cit.  p. 4

27 Ibid.

28 USA.  SCOTUS. Trump v. USA. Washington: SCOTUS, 2024. Disponível em: https://www.supremecourt.gov/DocketPDF/23/23A745/300410/20240212154110541_2024-02-12%20-%20US%20v.%20Trump%20-%20Application%20to%20S.%20Ct.%20for%20Stay%20of%20D.C.%20Circuit%20Mandate%20-%20Final%20With%20Tables%20and%20Appendix.pdf

29 USA. US Congress. Constitution Annotated, Article II, Section 1, Function and Selection, Clause 2 Electors.  Washington: Library of Congress, 2024. Disponível em: https://constitution.congress.gov/browse/article-2/section-1/clause-2/

30 A 10ª Emenda faz parte da Declaração de Direitos (Bill of Rights),  lote das dez primeiras emendas constitucionais, ratificadas quatro anos após a própria Constituição, que estabelecem o núcleo duro de direitos constitucionais nos EUA.

31 USA. US Congress. Constitution Annotated, Tenth Amendment  Rights Reserved to the States and the People. Washington: Library of Congress, 2024. https://constitution.congress.gov/browse/amendment-10/

32 USA. SCOTUS. op. cit.  p. 123-125, 128

Antonio Gil

Antonio Gil

Mestrando em Direito Econômico no CEDES

CEDES - Centro de Estudos de Direito Econômico e Social CEDES - Centro de Estudos de Direito Econômico e Social

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