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A IN TCU 94/24: novo marco do controle externo federativo nos acordos de leniência

Destaque da importância da colaboração entre entidades e poderes para aprimorar o combate à corrupção no Brasil, especialmente nas contratações públicas, enfatizando a atuação do TCU e os acordos de leniência.

quinta-feira, 28 de março de 2024

Atualizado às 13:29

O sistema de controle interno e externo ou sistema anticorrupção brasileiro precisa de constante aperfeiçoamento e atualização para responder aos novos mecanismos de desvios e corrupção que se desenvolvem globalmente e, rapidamente, se incorporam na dinâmica das contratações públicas, tentando burlar normas, princípios e procedimentos de conformidade e governança. 

No federalismo cooperativo e complexo, instituído no Brasil pela CF/1988, a colaboração e a sinergia entre os "entes", os "poderes" e instituições são fundamentais, visto que, nos contextos de atuação, não há subordinação hierárquica entre os protagonistas do sistema.   

Por outro lado, é natural e louvável que, no "espelhamento" promovido pelo princípio constitucional da simetria, os órgãos regionais repliquem, com justificadas adaptações e distinções, as melhores práticas e regulamentações promovidas pelas Instituições federais. Na implementação da lei 14.133/21, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, o compartilhamento de informações, modelos, regulamentações e práticas têm sido de grande relevância para que a transição ocorra de maneira menos traumática possível. 

Como exemplos, pode-se constatar que produções técnicas da AGU têm se revelado excelentes referenciais para apontar caminhos às Procuradorias dos Estados e dos Municípios, assim com decisões do TCU influenciam, ordinariamente, ações e tomadas de decisões nas Cortes de Contas regionais e locais. 

Efetivamente, no âmbito do controle externo, o TCU sempre ocupou posição de vanguarda e centralidade, pois, além de contar com uma estrutura e logística muito bem projetada, destaca-se como elemento potencializador seu "capital humano", ou seja, a experiência e inquestionável competência de seus membros e servidores. Além disso, o TCU trata dos mesmos assuntos de seus congêneres subnacionais, apenas com outros personagens e, geralmente, com volume maior de recursos públicos. 

Logo, a Corte de Contas da União é como repositório de jurisprudência, normas e práticas para todos, sejam órgãos, empresas ou mesmos cidadãos, que se interessam pela boa e adequada gestão dos recursos públicos. 

Quanto aos acordos de leniência da lei 12.846/13, já se escreveu que o TCU não possui a prerrogativa legal de participar diretamente de suas negociações, o que nunca afastou sua atuação no sistema anticorrupção. É exatamente na colaboração com os outros órgãos responsáveis por esses acordos, especialmente a CGU e a AGU, que se releva o potencial e a pertinência de tal atividade. 

Em 2020, liderando pelo STF, foi assinado Acordo de Cooperação Técnica - ACT que uniu CGU, AGU, TCU e o MJSP, no combate à corrupção, por intermédio dos acordos de leniência. A resposta do TCU foi a Instrução Normativa - TCU 94/24 que estabelece diretrizes para a atuação do TCU e regulamenta a interação entre a Corte e as demais entidades federais envolvidas direta e indiretamente nos acordos da Lei Anticorrupção. 

A norma recém-elaborada trata desde os procedimentos para recebimento de informações compartilhadas; a estimativa de danos e metodologia adequada para sua apuração; e a avaliação dos valores negociados, averiguando se satisfazem os critérios para quitação do dano estimado. 

Outro elemento é o glossário que define termos essenciais a partir do entendimento da Corte, que esclarece a compreensão e que fortalece a segurança interpretativa para todas as partes e interessados.  Assim, "acordo de Leniência" é considerado um "instrumento firmado pela CGU/AGU, com as pessoas jurídicas  responsáveis pela prática dos atos previstos na lei 12.846, de 1º de agosto de 2013 que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo instaurado naquele órgão". O "dano ao erário" é o "prejuízo causado aos cofres públicos, estimado de acordo com a metodologia vigente no roteiro de auditoria do TCU para a quantificação de superfaturamento, conforme o tipo de irregularidade revelada, podendo ser usados outros critérios acolhidos pela jurisprudência do TCU, tais como a estimativa por técnicas econométricas".

São detalhados procedimentos em seis ações operacionais a seguir, resumidamente, apresentadas: 

Com o objetivo de promover maior eficácia aos ACT, e na promoção da integridade nas contratações que envolvam a Administração Pública federal, a "primeira ação operacional" enfoca os processos que o TCU precisa observar ao receber as informações relacionadas aos acordos de leniência, cuidando, por exemplos, da aferição de que se trata de infração sujeita à sua jurisdição e garantindo que as informações estarão sempre atualizadas e detalhadas.

Na fase conclusão da negociação e assinatura do acordo, localiza-se a "segunda ação operacional", ficando assentado que a CGU e a AGU devem comunicar ao TCU o referido estágio do acordo, detalhando fatos e valores, que serão avaliados por unidade técnica competente cuja manifestação se direcionará quanto aos valores devidos, que devem atendem aos critérios de apuração do dano e de suficiência para o ressarcimento, e quanto aos impactos do acordo no procedimento dos processos de controle externo. 

O Ministério Público, junto ao TCU, aprecia e se manifesta nesta "segunda ação operacional", sendo o processo encaminhado ao Plenário, que decidirá sobre o valor aferido para ressarcimento dos danos, que, se considerado satisfatório e sendo quitado, gerará a declaração de pleno cumprimento das obrigações assumidas. Com manifestação contrária, é o TCU quem dá ciência à CGU e à AGU possibilitando uma negociação complementar que promova ajuste dos valores. Esta fase tenta garantir que os acordos de leniência sejam concluídos com a devida consideração dos interesses públicos envolvidos, com responsabilidade corporativa e cooperação.

Na "terceira ação operacional" a IN - TCU 94/24 impõe no âmbito interno institucional um conjunto de rigorosas diretrizes quanto ao manejo das informações recebidas, antes da formalização dos acordos, garantindo integridade aos processos de negociação, assegurando que todas as informações sensíveis compartilhadas sejam utilizadas sem macular os propósitos e compromissos multilaterais assumidos. Por exemplo, se um acordo de leniência não for celebrado, todos documentos apresentados durante a fase de negociação serão excluídos das bases do TCU, sendo vedado seu uso.

Tais restrições ao uso de informações recebidas no bojo das atividades conjuntas entre AGU, CGU e TCU não são, obviamente, absolutas, pelo que a "quarta ação operacional" propõe uma séria de procedimentos que objetivam "alavancar" ações de controle (fiscalização) e processos em relação a terceiros, que não estejam na condição de colaboradores nos acordos de leniência em curso. 

Se por um lado garante cumprimento integral dos compromissos estatais com os colaboradores, quanto ao uso responsável das informações compartilhadas, afasta qualquer associação da leniência com impunidade, pois maximiza o papel das investigações e das medidas anticorrupção, estendendo o escopo de fiscalização para além das empresas que já celebraram os acordos de leniência e alcança outras envolvidas em práticas ilícitas. 

A "quinta ação operacional" vai na mesma direção ao tratar especificamente da responsabilização de terceiros após a celebração do acordo de leniência.

A sexta e última "ação operacional" trata dos mecanismos de compensação de valores para evitar a duplicidade de sanções (bis in idem), visando garantir justiça e eficiência na penalização de atos ilícitos comprovados e reconhecidos nos acordos de leniência. Por exemplo, o TCU poderá compensar ou abater multas pagas que envolvam exatamente as mesmas irregularidades tratadas em processo da Corte. A possibilidade é de ocorrência comum, diante da existência de legislações diversas que apontam sanções diferentes para os mesmos ilícitos. 

Por fim a IN - TCU 94/24 trata do monitoramento, pelo TCU, do cumprimento por parte das empresas colaboradoras dos acordos de leniência, desde o pagamento dos valores devidos até a implementação de medidas de conformidade e governança, visto que que a inadimplência pode gerar a suspensão dos benefícios e outras consequências negativas. 

Considerando que os Estados e os Municípios podem celebrar também acordos de leniência, por intermédio de suas procuradorias e controladorias, o novel documento emanado pelo TCU, com a destacada liderança do Ministro Benjamin Zymler, deve ser adaptado e implementado pelos órgãos de controle externo subnacionais, objetivando incrementar suas atuações nos sistemas anticorrupção regionais.  

Giussepp Mendes

Giussepp Mendes

Advogado especialista em direito administrativo público.

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