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A responsabilidade pela ordenação de despesas do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente

Responde pela transparência e legalidade na gestão dos recursos do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente aquele que tem o dever de agir em conformidade com o planejamento e autorização do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, a partir dos instrumentos Plano de Ação e Plano de Aplicação Financeira.

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Atualizado em 2 de abril de 2024 10:29

A figura do ordenador de despesas é essencial para o funcionamento dos órgãos públicos, pois é ele quem garante a efetiva, legal e transparente aplicação dos recursos. De acordo com o § 1° do art. 80 do decreto-lei 200/19671, é considerado ordenador de despesas "toda e qualquer autoridade de cujos atos resultarem emissão de empenho, autorização de pagamento, suprimento ou dispêndio de recursos da União ou pela qual esta responda" (BRASIL, 1967).

Apesar disso, no âmbito dos Fundos Especiais, a efetiva autorização para a realização de despesas nasce da vontade deliberada do Conselho Gestor do Fundo, órgão de participação paritária composto pelo poder público e sociedade civil e responsável pela formulação e gestão das políticas públicas custeadas pelo Fundo. Assim esclarecem Pinheiro e Auad (2021, p.204):

Por meio dos conselhos de direitos da criança e do adolescente, torna-se possível mapear as demandas sociais, levantando subsídios para a formação do chamado "Orçamento da Criança e do Adolescente", expressão que engloba os programas e ações governamentais financiados nas diferentes pastas estatais para atender aos direitos da infanto-juvenis. Este espaço de diálogo tem ainda o potencial de melhorar a gestão orçamentária, evitando, por exemplo, que ocorra a duplicidade de medidas com o mesmo objetivo em diferentes setores governamentais.

Para que despesas possam ser custeadas com recursos do Fundo, ações governamentais devem ser escolhidas e inseridas no Plano de Ação de caráter plurianual elaborado pelo Conselho, contemplando ainda metas e estratégias para determinado período. A partir do panejamento estratégico, compete ainda definir as parcelas do orçamento do Fundo que serão aplicadas em cada finalidade, detalhando receitas previstas e despesas autorizadas para o exercício no Plano de Aplicação Financeira anual.  Nenhum gasto poderá ser realizado com recursos do Fundo sem a devida (e prévia) autorização do Conselho. Sobre as exigências acerca da vinculatividade dos orçamentos a estes instrumentos, esclareceu a tese aprovada no II Congresso Internacional de Direito Financeiro e Cidadania2, realizado em 2023 no Tribunal de Contas do Estado de São Paulo3:

O órgão vinculador da Unidade Orçamentária Fundo de Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente deve garantir o alinhamento dos Planos de Ação e de Aplicação Financeira elaborados pelo Conselho Gestor aos Projetos de Lei do Plano Plurianual e da Lei Orçamentária Anual. A execução dos recursos deve seguir tais instrumentos, não sendo permitido remanejá-los para fim diverso àquele previsto na lei de criação do Fundo, nem mesmo contingenciá-los, quando houver recurso disponível em caixa, arrecadado conforme previsão anual ou mediante superávit financeiro apurado em exercício anterior.

Ainda, sobre a importância dos planos, destacou o Conselho Nacional do Ministério Público (2020, p. 98):

[...] com ou sem previsão na lei de criação do fundo ou em atos administrativos, da necessidade de elaboração de um documento denominado plano de ação, mantem-se inalterado o dever dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente de planejar as ações, com base em análise profunda da realidade local, a fim de uma melhor execução da política pública para atendimento aos direitos de crianças e adolescentes4.

Assim, todas as receitas e despesas programadas do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente deverão ser espelhadas tempestivamente no referido Projeto de Lei Orçamentária Anual, para apreciação do Poder Legislativo, sob a responsabilidade do órgão vinculador da Unidade Orçamentária Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente.

 Mas e o ordenador de despesas do Fundo, quem será? Nesse sentido, importante lembrar, as atribuições da função possuem caráter orçamentário e financeiro, logo a prestação de contas dos seus atos deve ocorrer no âmbito dos Tribunais de Contas. De igual modo, a responsabilização por irregularidades é de natureza pessoal e ao agente fica incumbido o ônus da prova. No caso do gestão dos recursos do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente, resta claro que o Conselho não possui interferência alguma na operacionalização da execução orçamentária em si, ficando a cargo do órgão vinculador a designação específica de ordenador de despesas autorizado a realizar despesas com estes recursos. Para compreensão destes aspectos, é essencial identificar de quais obrigações inerentes à ordenação de despesas correspondem os atos administrativos onerosos.

Ao ordenador recai o dever de avaliação da compatibilidade e aderência da despesa às peças que autorizam a sua realização (Plano de Ação e Plano de Aplicação Financeira), por conta do caráter autorizativo, orçamentário e financeiro. Como consequência desta ação, três características devem ser observadas para a prática da ordenação: a onerosidade, a formalidade e a discricionariedade.

A primeira trata-se do efetivo dispêndio de recursos, mediante utilização de recursos do Fundo; a segunda, da previsão legal (na LOA), precedida da autorização coletiva do Conselho Gestor do Fundo (via Plano de Ação e Plano de Aplicação Financeira); e a terceira, da faculdade do ordenador de decidir realizar ou não o empenho, a partir da conferência das disposições e regras de Finanças Públicas. Independentemente da origem, qualquer recurso que ingresse no Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente adquirirá característica de recurso público e por isso seguirá as orientações do nosso ordenamento jurídico.  Levando isso em consideração, a discricionariedade é primordial para o gestor designado a essa função, haja vista que em caso de decisão do Tribunal de Contas pela irregularidade das contas prestadas, poderá responder pessoalmente (TCU, 1995).

Além disso, ao encarregado cabe a comprovação da regularidade de seus atos, enquanto responsável pelo empenhamento das despesas. Essa inversão do ônus da prova aparece no Acórdão 1194/2009 da 1ª Câmara do TCU, o mesmo em que o órgão decidiu pelo ressarcimento ao Erário, em caso de dano praticado por pessoa física. Com a decisão, objetivou-se a desoneração dos cofres públicos, onerados em consequência da ilegalidade praticada por agentes responsáveis pela gestão e controle dos recursos.

Com efeito, a ordenação de despesas com recursos do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente é um ato administrativo oneroso carregado de normas e regras essenciais para a transparência e eficiência do gasto público. Como consequência, o servidor atuante nessa função responde ao Tribunal de Contas como pessoa física e fica incumbido do ônus da prova. Não menos importante, a individualização da sua conduta e a existência de nexo causalidade com os fatos apurados, em possíveis despesas irregulares, nascem na conferência do que ficou decidido previamente pelo Conselho Gestor do Fundo. Para ordenar é preciso conferir: a despesa estava efetivamente autorizada?

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1 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0200.htm

 

2 Tese apresentada no dia 05/10/2023 no II Congresso Internacional de Direito Financeiro e Cidadania do Instituto de Direito Financeiro (IDFin) e do Instituto Rui Barbosa (IRB), submetida a partir da Resolução Conjunta IDFin e IRB n.º 01/2023 de 23 de maio de 2023, com o objetivo de propor, discutir e aprovar enunciados interpretativos de normas aplicáveis ao Direito Financeiro. Transmitida e disponibilizada em https://www.youtube.com/watch?v=gfVlbmzC2uA&t=14650s, a partir do minuto 4:13:20.

3 https://www.tce.sp.gov.br/eventos/ii-congresso-internacional-direito-financeiro-e-cidadania.

4 Na esfera federal, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente prevê a elaboração de Plano de Ação anual ou plurianual, na forma do art. 9º, III, da Resolução nº 137/10.

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BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público. Orientações sobre Orçamentos e Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente. Brasília: CNMP, 2020. 139 p. 

BRASIL. Decreto-Lei n° 200, de 25 de fevereiro de 1967. Presidência da República. Brasília, DF. 25 fev. 1967. 

PINHEIRO, Hendrick; AUAD, Denise. Doações aos fundos de direitos da criança e do adolescente e o alcance da Emenda Constitucional n. 109/2021. Cadernos de Dereito Actual Nº 16. Núm. Ordinario (2021), pp. 201-215. ISSN 2340-860X. 

TCU. Acórdão 1194/2009 TCU 1ª Câmara. Tomada de Contas Especial. Ministro-Relator Valmir Campelo. Brasília, DF. 03 jun. 2009. 

TCU. Decisão 667/1995 TCU Plenário. Tomada de Contas Especial. Ministro-Relator Carlos Átila Álvares da Silva. Brasília, DF. 12 fev. 1995. 

Karine Tomaz Veiga

VIP Karine Tomaz Veiga

Doutoranda em Direito Financeiro (USP) e Auditora de Controle Externo (TCE-RJ). Atualmente cedida ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro para assessoramento na área de Tutela Coletiva.

João Cardoso Batista

João Cardoso Batista

Graduando em Economia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador na área de Finanças Públicas.

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