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Elon Musk must...

Quando o próprio gestor de uma rede social não se sujeita às regras que deveriam valer para todos os usuários, para que o diálogo seja possível e civilizado, seu caráter autoritário e violento se evidencia.

terça-feira, 9 de abril de 2024

Atualizado às 07:42

As redes sociais são empresas cuja finalidade é lucrar, como é próprio das corporações privadas, mas também viabilizar o diálogo entre usuários dentro de um espaço digital, com compartilhamento de ideias, opiniões, imagens e vídeos. Promover não qualquer diálogo, mas um diálogo equilibrado entre usuários é, portanto, um valor imperativo que deve ser buscado pelas redes sociais.

Esse espaço digital, ainda que geralmente, seja world wide, sujeita-se ao ordenamento jurídico do país onde estão os usuários, que precisam fornecer seus dados para registros, e podem ter seus comportamentos digitais monitorados e controlados, tanto para adequação às políticas de cada uma das redes sociais, como para cumprir as leis nacionais.

Essas são premissas básicas para que se possa refletir sobre os comentários de Elon Musk, proprietário da X (ex-twitter), na conta do Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Ainda que Elon Musk tenha interesses particulares da empresa a defender, quando age na rede e interage com usuários, não se comporta apenas como representante, mas como usuário, e está sujeito a regramentos enquanto tal. Se toda empresa tem uma função social, a das redes sociais é voltada ao respeito ao que se pode chamar de devido processo do diálogo digital.  Destaca-se aqui a expressão porque ela merece ainda muitas reflexões sociais e jurídicas, e é relevante já deixar o título demarcado. Os comentários de Elon Musk, portanto, quando feitos em outras contas devem ser contextualizados dentro do que os outros usuários afirmaram, e não podem representar meros ataques pessoais, sobretudo tendo em vista que ele é também representante da empresa. Caso deseje defender interesses próprios, o usuário deve, no mínimo, iniciar comentários a partir do seu próprio perfil, ou em resposta pertinente a comentários de outros usuários, sem que represente simples agressão descontextualizada. Admitir o contrário é aceitar que redes sociais podem se destinar à hostilidade verbal.  

Os comentários feitos por Elon Musk, na conta do Ministro Alexandre de Moraes, poderiam até ter procedência quanto às críticas ao controle excessivo feito às plataformas digitais (o que aqui não se discute, porque o foco é a forma como as palavras foram apresentadas), mas não poderiam ser realizados na conta do Ministro, em um momento em que esse sequer era o tema da mensagem postada. Tratou-se, portanto, de agressão gratuita.  

Não bastasse o fato de que foi uma postagem descontextualizada e agressiva, as palavras foram dirigidas a um usuário que é ao mesmo tempo representante de uma instituição. Revelou-se assim que o intuito de Elon Musk foi desmoralizar não apenas o usuário, mas o cargo no qual está investido e a instituição que integra, instituição essa que permitiu a aplicação de sanções à empresa de Musk. Ou seja, o espaço digital, que deveria ser uma rede social, foi utilizado pelo proprietário para defender interesses pessoais, relacionados a valores que não têm natureza ética, mas monetária.

Por fim, Elon Musk ainda assumiu que não cumpriria ordens judiciais1, o que pode representar crime de desobediência e desrespeito à soberania nacional, e com possíveis impactos na dinâmica institucional e democrática do país. Em acréscimo, o fez dentro de um contexto capaz de impulsionar condutas semelhantes, seja por seu poder de influência digital, seja pelo ambiente em que foi formulada a manifestação.

Quando o próprio gestor de uma rede social não se sujeita às regras que deveriam valer para todos os usuários, para que o diálogo seja possível e civilizado, seu caráter autoritário e violento se evidencia. É o que esse episódio deixa claro: o possível autoritarismo prepotente das redes sociais.  A regulamentação do tema não só é urgente no Brasil, como certamente requererá esforço nacional e internacional para se tornar efetiva.

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1 Ordens relacionadas à exclusão de contas, que segundo Musk não poderiam ser feitas por violarem a liberdade de expressão. É importante recordar, porém, que em outro momento a própria rede não considerou violação à liberdade de expressão excluir contas de jornalistas que o criticavam. https://www.reuters.com/world/europe/germany-twitter-suspensions-we-have-problem-twitter-2022-12-16/

Raquel Cavalcanti Ramos Machado

VIP Raquel Cavalcanti Ramos Machado

Mestre pela UFC, doutora pela Universidade de São Paulo. Professora de Direito Eleitoral e Teoria da Democracia. Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político - ABRADEP, do ICEDE, da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/CE e da Transparência Eleitoral Brasil. Integra o Observatório de Violência Política contra a Mulher.

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