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Plano de saúde e o paciente com câncer: O que é possível exigir das operadoras quando se fala de tratamento oncológico

O diagnóstico de câncer é um momento desafiador na vida de qualquer pessoa. Além do impacto emocional e físico, surgem preocupações sobre o acesso ao tratamento médico adequado. Nesse contexto, os planos de saúde desempenham um papel crucial na jornada do paciente oncológico.

quinta-feira, 11 de abril de 2024

Atualizado às 15:21

A proteção do direito começa com o conhecimento.

Enfrentar a negativa de tratamento para o câncer exige conhecimento, determinação e ação estratégica. Ao alinhar seus passos com a legislação e normativas da ANS, você fortalece seu caso e amplifica sua voz.

As alegações mais comuns dadas pelo plano de saúde para negativa é que o contrato não prevê determina cobertura ou que a ANS não previu o tratamento em seu rol de procedimentos e eventos ou que não há previsão das diretrizes de utilização.

Acontece que a lei 9.656/98 (lei dos planos de saúde) traz as regras que devem ser observadas pelas operadoras e os limites em relação à responsabilidade pelo custo de tratamentos e ANS é responsável por regulamentar temas não abrangidos pela legislação.

Na citada lei há disposição sobre a obrigatoriedade de cobertura de tratamento pelo convênio de toda e qualquer doença listada na classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados com a saúde, também chamada simplesmente de CID.

Ou seja, em sendo a doença coberta, o tratamento deve ser coberto pelo plano de saúde, até mesmo no que diz respeito ao fornecimento do medicamento prescrito pelo médico.

A partir deste cenário, este artigo abordará os direitos dos pacientes com câncer junto ao plano de saúde, quais sejam:

1 - Direito à contratação de plano de saúde mesmo com diagnóstico de câncer

É proibida qualquer forma de discriminação à pessoa em razão de sua condição.

Logo, o paciente com câncer não pode ser impedido de participar de plano privado de assistência à saúde, com amparo no art. 14 da lei 9.656/98, que assim prevê:

Art. 14.  Em razão da idade do consumidor, ou da condição de pessoa portadora de deficiência, ninguém pode ser impedido de participar de planos privados de assistência à saúde.        

Portanto, pacientes diagnosticados com câncer podem contratar plano de saúde, mas devem informar a condição de doença preexistente.

DLP - Doenças ou Lesões Preexistentes são aquelas que o beneficiário ou seu representante legal saiba ser portador ou sofredor, no momento da contratação ou adesão ao plano privado de assistência à saúde

Assim, quando um paciente com câncer aderir a um plano de saúde será aplicado a CTP - Cobertura Parcial Temporária, não obrigando o plano a arcar com cirurgias, exames mais elaborados e leitos de UTI quando se tratar de necessidade relacionada exclusivamente a doença preexistente declarada no ato da adesão.

Conforme o art. 11 da lei 9.656/98, a CTP não pode durar mais que 24 meses e após esse período o segurado tem direito à cobertura total para tratar da doença.

Art. 11.  É vedada a exclusão de cobertura às doenças e lesões preexistentes à data de contratação dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei após vinte e quatro meses de vigência do aludido instrumento contratual, cabendo à respectiva operadora o ônus da prova e da demonstração do conhecimento prévio do consumidor ou beneficiário.

2 - Direito a permanência no plano de saúde enquanto perdurar o tratamento, sendo proibido o cancelamento

O paciente que está passando por tratamento médico contínuo, como internação hospitalar ou qualquer tratamento para combater o câncer não deve enfrentar o cancelamento abrupto do plano de saúde, sob qualquer fundamento.

O art. 13 da lei nº 9.656/98, estabelece que os contratos de plano de saúde não podem ser rescindidos unilateralmente durante a vigência do tratamento, exceto nos casos previstos no contrato.

Art. 13.

Parágrafo único. Os produtos de que trata o caput, contratados individualmente, terão vigência mínima de um ano, sendo vedadas:

...

III - a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, em qualquer hipótese, durante a ocorrência de internação do titular.

A segunda seção do STJ, na fixação do Tema 1.082, estabeleceu a tese de que a operadora, mesmo após rescindir unilateralmente o plano ou o seguro de saúde coletivo, deve garantir a continuidade da assistência a beneficiário internado ou em tratamento de doença grave, até a efetiva alta, desde que ele arque integralmente com o valor das mensalidades.

Em última análise, o direito à permanência no plano de saúde durante o tratamento do câncer deve ser reconhecido como um princípio fundamental e inegociável.

3 - Direito ao serviço diagnóstico e exames

O plano de saúde deve assegurar todo o tratamento necessário, desde o diagnóstico, o que inclui exames e procedimentos oncológicos. 

A lei 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, determina em seu art. 12, I, 'b' que:

Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas:

I - quando incluir atendimento ambulatorial:

(...).

b) cobertura de serviços de apoio diagnóstico, tratamentos e demais procedimentos ambulatoriais, solicitados pelo médico assistente

Assim, o paciente com câncer tem direito a exames de monitoramento e acompanhamento durante o tratamento como, por exemplo, o PET-SCAN.

O exame denominado PET-CT ou PET-SCAN, tomografia por emissão de pósitrons, é uma nova técnica de medicina nuclear que tem sido utilizada na oncologia como ferramenta de diagnóstico e estadiamento da doença (classificação do nível de impacto), podendo registrar, também, a resposta de um determinado tumor aos tratamentos cirúrgico ou quimio-radioterápico.

Ainda, o paciente tem direito à realização de exames genéticos, tais como: Foundation One, o Endopredict, o Exoma, o Mammaprint, o Symphony e o Painel Genômico HSK 500 ou Painel Somático NGS.

A finalidade de um exame genético é procurar mudanças específicas herdadas (que são as mutações) nos cromossomos, proteínas ou genes de uma pessoa.

Essas alterações podem ser benéficas, nocivas, neutras (não produzem nenhum efeito) ou de natureza incerta. Para diferentes doenças, os testes genéticos são a única maneira de efetivar um diagnóstico confiável.

Em suma, servem como diagnóstico preciso de doenças genéticas, entre elas o câncer.

É muito comum que após o diagnóstico de câncer de próstata ou câncer de rim ou câncer de bexiga ter a recomendação médica para realização de cirurgia utilizando a técnica robótica e ter a recusa do plano de saúde. 

Os tribunais vêm rechaçando as limitações impostas pelas operadoras de plano de saúde quanto aos tratamentos, métodos e materiais indicados para a cura das doenças por ele cobertas, à consideração de que compete ao médico assistente, com exclusividade, a escolha do melhor método de diagnóstico, material e/ou tratamento para a manutenção da saúde do paciente, máxime quando este é o objetivo final do contrato celebrado, sendo a cláusula limitadora considerada abusiva, por se traduzir em desvantagem exagerada para o consumidor.

Portanto, é abusivo o ato da operadora negar cobertura ao procedimento, pois o plano de saúde não pode interferir no tipo de tratamento que o profissional responsável considerou adequado para alcançar a cura do paciente, sendo consideradas abusivas as cláusulas contratuais em contrário.

4 - Direito a medicamentos, inclusive de alto custo

De acordo com a lei dos planos de saúde, a obrigatoriedade de cobertura a medicamentos se dá em casos específicos:

1. Durante a internação hospitalar do beneficiário;

2. Na quimioterapia oncológica ambulatorial;

3. No caso de medicamentos antineoplásicos orais para uso domiciliar;

4. Medicamentos para o controle de efeitos adversos;

5. Medicamentos adjuvantes de uso domiciliar relacionados ao tratamento antineoplásico oral e/ou venoso.

Na citada lei há disposição sobre a obrigatoriedade de cobertura de tratamento pelo convênio de toda e qualquer doença listada na CID:

Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na CID, da OMS, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta lei.

Ou seja, em sendo a doença coberta, o tratamento deve ser coberto pelo plano de saúde, até mesmo no que diz respeito ao fornecimento do medicamento prescrito pelo médico.

O fundamento mais comum utilizado pelos planos de saúde para negar o fornecimento de determinado medicamento é da ausência de previsão no rol da ANS.

Contudo, ainda que um determinando medicamento não conste no rol, se houver indicação médica justificando a necessidade do uso da medicação, o plano não pode negar a cobertura.

Isso porque, a alteração promovida pela lei 14.454/22, ao incluir os § 12 e § 13 ao art. 10 da lei 9.656/98, estabeleceu critérios que permitem a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, quais sejam:

  • comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou
  • recomendações pela Conitec; ou
  • exista recomendação de, no mínimo, 1 órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.

Sendo que, na grande maioria dos casos, quando o médico prescreve determinado tratamento medicamentoso, via de regra há o preenchimento desses requisitos, quer seja pela comprovação da eficácia à luz das ciências da saúde ou quer seja pela recomendação de, no mínimo, 1 órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional. 

E assim sendo, mesmo que não previsto no rol da ANS, nasce assim o dever de cobertura pelo plano de saúde.

Reforça todo o dito o enunciado do CNJ, no FONAJUS:

Enunciado 73: A ausência do nome do medicamento, procedimento ou tratamento no rol de procedimentos criado pela Resolução da ANS e suas atualizações, não implica em exclusão tácita da cobertura contratual.

Quando a negativa do plano de saúde é levada ao judiciário, o entendimento, se funda no dever de o plano de saúde custear o tratamento medicamentoso. O  STJ, no julgamento do Agravo Interno - AgInt no REsp 2057814/SP - AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL 23/0077563-6 fixou entendimento no sentido de que:

"a natureza taxativa ou exemplificativa do rol da ANS é desimportante à análise do dever de cobertura de medicamentos para o tratamento de câncer, em relação aos quais há apenas uma diretriz na resolução normativa".

O relator, ministro Moura Ribeiro, ressaltou que:

"o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de terapêutica indicada por profissional habilitado na busca da cura".

Assim, a exclusão da cobertura do produto farmacológico indicado pelo médico assistente para o tratamento da enfermidade significaria negar a própria essência do tratamento, desvirtuando a finalidade do contrato de assistência à saúde.

5 - Direito à redução do período de carência, em casos de urgência e emergência

Diante da ocorrência de urgência ou emergência, o paciente com câncer não pode ter recusado o tratamento sob alegação de cumprimento de carência.

Isso porque, a lei dos planos de saúde determina que:

Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:                      

        I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;

        II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional; 

O Tema já é objeto de entendimento sumulado pelo STJ, súmula 597:

A cláusula contratual de plano de saúde que prevê carência para utilização dos serviços de assistência médica nas situações de emergência ou de urgência é considerada abusiva se ultrapassado o prazo máximo de 24 horas, contado da data da contratação.

A negativa na autorização para a realização do procedimento cria angústia, deixando o paciente incerto quanto à possibilidade quanto à sua realização, especialmente diante do estado de saúde que se encontrava, gerando dissabores que ultrapassam o mero aborrecimento, capazes de atingir significativamente a tranquilidade psicológica, configurando, assim, a ofensa a direito da personalidade, cabível a reparação moral 

E se o plano de saúde negar qualquer desses direitos, o que fazer?

Obtendo a negativa/recusa do plano de saúde é possível pedir a reanálise da negativa, apresentando um novo relatório médico que respaldem a necessidade do tratamento.

Caso permaneça a recusa, o próximo passo é coletar todas os documentos relacionadas à negativa, o que inclui: a negativa por escrito ou por e-mail; prescrição médica detalhada contendo o objetivo na realização do tratamento, quadro clínico no paciente, histórico clínico do paciente com a descrição de todos tratamentos antes realizados, a imprescindibilidade na realização do tratamento, a urgência/emergência na realização, o risco de não realização, a inexistência de substituto terapêutico, a comprovação de eficácia de uso segundo a literatura médica; documentos médicos que justifiquem a necessidade do medicamento; e o orçamento do tratamento.

Em posse desses documentos, é possível abrir uma reclamação na ANS ou em órgãos do consumidor, como Procon, por exemplo.

Em último caso, a intervenção e acionamento do judiciário é um meio para sanar essa abusividade.

Conclusão

A batalha contra o câncer é uma jornada difícil e desafiadora para os pacientes e seus entes queridos. Em momentos de fragilidade, é crucial que o sistema de saúde, incluindo as seguradoras, esteja ao lado deles na busca pela cura e pelo alívio do sofrimento.

Negar o acesso a qualquer tratamento necessário a salvaguardar a vida do paciente vai de encontro aos princípios éticos e humanitários que devem nortear a medicina e a prestação de cuidados de saúde.  

Afinal, a própria legislação dos planos de saúde, conforme o art. 35-F, estipula que a assistência inclui todas as medidas necessárias para a prevenção, tratamento, manutenção e reabilitação da saúde.

Portanto, assegurar a cobertura de tratamentos inovadores e eficazes, mesmo que não estejam estritamente alinhados com as diretrizes, é uma demonstração de compromisso com a vida e com a igualdade no acesso à saúde.

Aline Vasconcelos

VIP Aline Vasconcelos

Advogada especialista em Saúde Suplementar, com atuação há 15 anos em assessorias de empresas e na defesa de beneficiários em questões relacionadas a planos de saúde.

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